terça-feira, 28 de dezembro de 2004

ENQUANTO ISSO, NA SALA DE JUSTIÇA...

Jundiaí, 28 de dezembro de 2004. Manchete do Jornal da Cidade:


COXINHA MANDA CRIANÇAS PARA O HOSPITAL

As pessoas precisam ficar atentas ao que comem na rua. No final de semana, crianças que comeram coxinha de uma pastelaria tiveram de ser internadas.

Lar, doce lar.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2004

O INTERIORANO SÓ É SOLIDÁRIO NO ÓCIO

Não sei. Não lembro. Provavelmente estava de porre prolongado. Responda rápido: o que você estava fazendo nos cinco dias que separam o almoço de Natal da noite do Reveillon em outros anos? Achei que fosse só comigo, mas ao interpelar segundos, terceiros e quartos, a resposta não é diferente de "não sei", "não me lembro" ou "provavelmente estava de porre prolongado". Mesmo quando na praia, não consigo lembrar do que fazia, além de estar queimando essa cútis sensível sob o sol de Santos ou Itanhaém.


O fato é que estou nesse período inútil do ano sob júdice de meu ócio não criativo, me recuperando dos tufões de dezembro na capital e tentando por um fim no atual tufão da província. Eu devia era ser o moço do tempo. Mas o fato é que não tenho um puto no bolso e fico em casa inventando o que fazer. Pensei em jogar botão contra minha consciência: eu em frente ao espelho. Tête-a-tête. Mas temo que uma das partes roubasse descaradamente. Enxuguei a louça e lavei o carro. Meu pai tá me achando estranho. Eu também. Ontem, me peguei assistindo Pânico na TV, com o Inri Cristo na Noites do Terror do Playcenter. E adorei.

É então que proponho-me um desafio: ler um livro de Paulo Coelho. É isso. Ao terminar esse post, desço a escadaria desse Gabinete de Leitura, vou até a biblioteca e escolho o menor livro de Paulo Coelho que estiver disponível. Darei um desconto ao mago da barbicha: até o final do livro, não o chamarei de Pauno Coelho, nem seu livro de Diário de Um Bago e não duvidarei de sua masculinidade. Também vou fazer de conta que nunca ouvi falar dele. É como se pegasse o livro de um autor desconhecido. Come on, vamos considerar que algo de bom ele tenha feito. É o mesmo sujeito que ajudou Raul Seixas a compor Gità, uma das músicas mais bonitas que conheço.

Se gostar, digo com toda a sinceridade que gostei. Se for ruim, digo que é ruim, volto a chamá-lo de Pauno Coelho, a duvidar de sua masculinidade e bola pra frente. Por que estou fazendo isso? Primeiro, como falei, porque estou cansado dessa modorra e torcendo para que um maremoto ocorra no rio Jundiaí-Mirim e devaste essa cidade. Enquanto isso não ocorre, testo o Paul Bunny. Segundo, porque gosto de aparecer. Quando algum idiota me vir falando de Paulo Coelho e bradar: "Mas aposto que você nunca leu um livro dele", respondo: "Li sim", e sorrio um sorriso de satisfação, só porque gosto de aparecer. Sou o mesmo sujeito que há muito tempo atrás roubou um pote de mercúrio-cromo do banheiro da casa de um amigo meu, passou pela perna e saiu gritando dizendo que estava sangrando. A mãe dele, deselegante, me disse: "Fernando, deveriam mudar seu nome para Aparecido". Enfim.

Desse modo, daqui a alguns anos, vou ter como me lembrar do que eu fiz nos cinco dias inúteis que, em 2004, como em todos os anos, separam o almoço de Natal da noite do Reveillon. Agora chega de escrever. Já não lembro pronde mesmo que vou, mas vou até o fim.

sábado, 25 de dezembro de 2004

"Toda minha vida andei sobre uma frágil ponte feita de medo, falta de dinheiro, culpa e busca do amor. Quando tudo vai indo muito bem, faz-se uma cagada. Eu me sentia culpado por não amar Milena, por não sentir esta dor maldita que faz com que você queira estar vinte e quatro horas por um dia com uma mulher. E quando isso acontece, ambos tentam fazer a vida do ser amado a mais miserável possível. Tenho certeza de que se eu tivesse dado chance ao amor, ele acabaria vindo de modo discreto, sereno, elegante como um analgésico na veia e não como uma overdose de heroína, que acaba sempre confundindo o amor com desejo de morte. Quem tem medo, quem tem culpa, faz cagada. Entrei numa sucessão delas".


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Fausto Wolff, À Mão Esquerda.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2004

QUEM É MESMO ESSA TAL DE MARY CHRISTMAS?

Reza a lenda que Papai Noel pousou seu trenó no Aeroporto Internacional de Mogadíscio, na Somália, e já foi logo cercado por dúzias de meninos somális que gritavam "êêêê... vamos ganhar presentes!!!!!!!". Mas Papai Noel já foi logo afastando o saco, e sentenciou:

- Nada disso. Quem não comeu direitinho durante o ano não ganha presente.

Feliz Natal.

terça-feira, 21 de dezembro de 2004

CUNHANDO EPÍTETOS

Certo dia, ao ler as ofensas que Felipe Corizza (um sujeito que insiste em raciocinar com os intestinos) me dirigia em seu gueto virtual, pensei: "Preciso cunhar-lhe um epíteto". Imediatamente, caí-me em verborrágica repetição: "Cunhar-lhe um epíteto". Quanta sonoridade! Minha língua atingiu a quarta dimensão dobrando-se plasticamente para pronunciar: "Cunhar-lhe um epíteto". Do ponto de vista técnico, isso nada mais significa que inventar um apelido para um sujeito cujo sobrenome já é por si só uma bazófia. Mas resolvi pensar exclusivamente com os ouvidos, repetir a expressão e viajar. "Cunhar-lhe um epíteto". Pode significar qualquer coisa. Imagino Felipe Corizza dando pulinhos floresta adentro, tal qual um flautista de Hammerlin, à cunhar epítetos. Mais: me ocorre uma desagradável cena em que o dito cujo está vestido de Papai Noel, com suas renas de narizes vermelhos - pelo vício da bebida -, aterrissando tropegamente entre as criancinhas pobres do Glicério. E as criancinhas, felizes: "Papai Corizza, o senhor veio aqui para nos dar presentes?". "Não, toupeiras, vim aqui para cunhar epítetos".

É quando fecho a página 237 do livro O Cunhador nos Campos de Epítetos, obra desconhecida de J.D. Salinger, e apanho no criado-mudo próximo uma edição sem capa e mofada de Chapeuzinho Vermelho. Nela, o diálogo:

- Vovó Corizza, que dentes grandes a senhora tem? - pergunta Chapeuzinho.

- É para cunhar seus epítetos melhor - , ouve da Vovó Corizza a pobre menina, antes de ir parar no estômago dela.

Dias depois, em uma certa manhã, ao acordar de sonhos intranqüilos, Felipe Corizza encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. O estágio no Cidade Alerta contaminara sua personalidade. Ele tentava se mover, mas a falta de habilidade com as seis pernas fazia dele um sujeito infeliz. Era a maldição do bispo, que pagava seu salário mixuruca e o obrigava a entregar o jornal no horário. E para se ver livre da maldição, somente o beijo resplandecente de um príncipe encantado. Pobre Felipe.

Foi quando Corizza, ainda lutando para se equilibrar nas seis pernas, avistou ao longe o homem que o destino lhe reservara. Chamava-se Boris e era chefe na mesma firma onde ele estagiava. Entradas elegantes na testa, cabelos brancos apartados para trás, terno cor-de-burro-quando-foge. Boris lhe deu um ligeiro aceno. Corizza devolveu abanando as anteninhas. "Por que não nos vemos essa noite? Um chopinho e, quem sabe, depois cunhamos alguns epitetozinhos carinhosos". Ambos se encontraram na bodega Baço Verde, na rua Aurora. Foi lá que a dupla de enamorados fez do karaokê um ninho de amor, duas mãos e seis patas entrelaçadas, ao som agudo de Strangers in the Night vindo de suas gargantas.

Horas depois, no Hotel-Ritz-Agora-com-TV-a-Cores, epítetos seriam cunhados e Felipe Corizza encontraria, finalmente, sua paz. E o mundo compreendeu, e o dia amanheceu em paz.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2004

FAUSTO WOLFF, SEMPRE ELE

"Como disse o rei, o pior já passou. Quem passou pelo pior passará pelo horrível e pelo insuportável tranqüilamente."

segunda-feira, 13 de dezembro de 2004

AS MELHORES RESPOSTAS PARA AS PIORES PERGUNTAS (ou tudo o que você queria saber sobre F. Vives e nunca mais vai ter coragem de perguntar)

Pergunta: Como você é grande! Sua mãe dava fermento pra você quando era pequeno? Hahaha!
R: Na verdade eu nasci em Chernobyl. Eu era uma criança normal até aquele fatídico abril de 1985. Eu brincava no reator 4 da usina quando avistei um botão com os dizeres "не выдвиньте это" (não aperte isso). Só que eu nunca falei russo e apertei. Aí saiu um pozinho verde do reator e eu nunca mais parei de crescer.

Pergunta: Tanto tempo assim internado? Mas como você machucou seu joelho?
R: Foi na Guerra do Vietnã. Eu e os rapazes subíamos o delta do rio Mekong quando fomos surpreendidos por um grupelho de charlies mother fuckers. Tomei um tiro de UZI no joelho esquerdo que me rompeu o ligamento cruzado anterior. Passei um mês internado na Santa Casa de Hanói até ser transferido para a Beneficência Portuguesa, ali pertinho da 23 de maio.

Pergunta (no elevador): Tá calor hoje, não?
R: É verdade. Isso é ruim. Na última vez que fez tanto calor assim, os ratos começaram a sair da caixa d´água do prédio e invadir os apartamentos. Eu mesmo fui mordido três vezes ao tentar expulsar uma família inteira que tomou conta do meu bidê.

Pergunta: Mas então você é o caçula dos quatro irmãos? Aposto que é o mais mimadinho, não é? Hahaha!
R: Na verdade não. Eu fui adotado. Meu pai me achou numa lata de lixo lá no Glicério. Me levou pra casa dele, onde eu recebia comida em troca de trabalhos forçados. Não que me importasse em receber a comida por debaixo da porta do porão no fim da noite, mas é que os cachorros estavam em maioria e acabavam comendo a maior parte.

Pergunta: É verdade que a Cásper Líbero é uma grande faculdade de Comunicação Social?
R: Mas é claro, por que a dúvida? Inclusive quando eu comprar um buldogão velho, faço questão que ele seja adestrado por certos profissionais da casa.

sábado, 11 de dezembro de 2004

MATEM O CANTOR E CHAMEM O GARÇOM

Em tempos de crise, qualquer idiota se transforma em um filósofo em potencial. É o que eu chamo de O Enigma Rasputin. Qualquer frase de efeito vira um dogma de cabeceira, qualquer fato similar que tenha acontecido à vizinha da prima da cunhada torna-se o exemplo a ser seguido, a luz no fim do túnel. O leiteiro vira Confúcio. O Confúcio vira leiteiro.


Em tempos de crise, qualquer factóide fora de seu contexto faz terceiros beijarem a lona do inferno. Napoleões de hospício são acusados de invadir a Prússia; Pastores-alemães são apontados na rua como colaboracionistas; Qualquer barba-bífida morenão é fichado como taleban. A rede de informação e contra-informação se instala. Fatos são mudados. Conclusões precipitadas são tomadas. Reputações são jogadas no lixo. Decapitem o czar! Castrem o tirano! Joguem bosta na Geni!


E como é típico de crises, cachorros mordem o próprio rabo até descobrir que o gato já sumiu faz tempo. Ninguém é de ninguém. Eis que em determinado momento, entre tapas, mordidas e arranhões, um olha pra cara de outro e pergunta: "Mas por que diabos a gente começou isso mesmo?". Então tome pés espalhando a pólvora do rastilho, Napoleões de hospício trazendo baldes d´água e brincando de bombeiro, sorrisos nervosos, lágrimas de alívio, tenores cantando Amigos para Siempre e e incômoda sensação de que tudo poderia ter sido evitado. "Vão-se os anéis, ficam os dedos", já diria a vizinha de Nelson Rodrigues, gorda, patusca e cheia de varizes.

Logo, matem esse maldito cantor desafinado e chamem o garçom. Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas sempre aprendendo a jogar.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2004

O LEGADO DE NOSSA MISÉRIA

Dulce Emma Monello Vives não foi uma pessoa feliz. Aos 16 anos de idade, após dar a luz ao segundo filho, Dulce deixou seu marido porque não queria uma vida em família. Entregou seus meninos para a avó deles e saiu pela cidade a se divertir. De longe a mais mimada entre três filhos, Dulce gastava o que não tinha com o aval do pai. Seu irmão era introvertido; sua irmã mais velha tinha um problema sério de joanetes nos pés que fez dela inválida antes dos 30 anos de idade.


Em algum momento dos anos 40, quando seus dois filhos começavam a se aventurar no léxico, Dulce os proibiu de chamá-la de Mãe. Afinal, ela era muito jovem para isso, e talvez esse fato afugentasse os namorados. O fato é que os dois meninos cresceram chamando-a simplesmente de Dulce enquanto moravam com a avó, longe da casa da mãe.


Dulce, que não era feia nem bonita, exorbitava-se. Cria ela ser dotada de uma beleza transcendental, divina. Gabava-se de suas pernas. Chegou a dizer inúmeras vezes para sua irmã inválida que ela, por ter os pés inchados e tortos, invejava suas pernas inquietantes. Vivia de amores efêmeros e maquiagem barata, não trabalhava e montou uma pequena pensão com a herança do pai. Perdeu tudo em pouco tempo. E assim cumpria seu destino vazio, sem comos, ondes ou por quês.


Dulce, cujo nome sugere doçura mas que nesse caso não passou de ironia do destino, nunca fez questão de saber das atividades dos filhos. Foi surpreendida quando o primeiro casou, da mesma forma que o foi quando ele morreu em 1978, vítima de complicações advindas da bebida. Quando soube da morte de seu primogênito, teve um surto. O vazio de não ter acompanhado o ciclo de uma vida que ela criou bateu fundo em sua alma.


Quanto ao caçula, talvez nem lembrasse que ele existisse. Em 1969, ele anunciou a todos que se casaria com uma paulistana sorridente e corada. Dulce emitiu um rugido de desdém. Era um sinal de que a velhice lhe batia à porta. Ela odiava a velhice. Não foi ao casamento dos dois e desdenhou de cada um dos quatro netos que iam nascendo daquela bem sucedida relação. Xingava constantemente a nora, talvez porque ela transmitia felicidade ao homem que ela negou que a chamasse de mãe. Fez sua nora chorar incontáveis vezes. Há dez anos não vê os netos.


Dulce não teve amigos. Chutou a família. Esnobou namorados com a mesma intensidade com que foi esnobada por outros amores. Passou a viver de uma mísera pensão do ex-marido (de quem nunca se divorciara oficialmente) e da ajuda do caçula, que lhe paga o convênio médico, comida e, agora, o asilo de qualidade em que está internada. Até há bem pouco tempo ela passava seus dias pregando que teve uma vida horrível. Dulce está completamente fora de sintonia com a realidade e desenvolveu o Mal de Alzheimer. Não sai mais da cama. Suas pernas outrora auto-cultuadas estão com as veias entupidas, e a trombose avança enquanto sua irmã inválida continua de pé. Sua nora, a quem odiava, é a pessoa que hoje lhe dá compreensão e comida na boca.


Dulce Emma Monello Vives morrerá em semanas, e seu neto caçula, que agora escreve esse epílogo, não consegue se lembrar de um mísero momento feliz que tenha passado ao lado da avó.

sábado, 4 de dezembro de 2004

HASTA LUEGO, PROFESSOR GIRAFALEZ

Comecei minha vida escolar aos 6 anos de idade. Afasto de mim esse cálice 18 anos depois. Mas um dia hei de voltar.


O Assassino era o Escriba

Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente. Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida regular como um paradigma da 1a conjugação. Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial, ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito assindético de nos torturar com um aposto. Casou com uma regência. Foi feliz. Era possessivo como um pronome. E ela era bitransitiva. Tentou ir para os EUA. Não deu. Acharam um artigo indefinido em sua bagagem. A interjeição do bigode declinava partículas expletivas, conectivos e agentes da passiva, o tempo todo. Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.

(Paulo Leminski)

A Tragédia da Matemática


Num certo livro de matemática, um quociente apaixonou-se por uma incógnita. Ele, o quociente, produto notável de uma família importantíssima de polinômios. Ela, uma simples incógnita, de mesquinha equação literal. Oh, que tremenda desigualdade. Mas como todos sabem, o amor não tem limites e vai do mais infinito até o menos infinito. Apaixonado, o quociente a olhou do vértice à base, sob todos os ângulos, agudos e obtusos. Era linda, uma figura ímpar e punha-se em evidência: olhar rombóide, boca trapezóide, seios esféricos num corpo cilíndrico de linhas senoidais. "Quem és tu?", perguntou o quociente com olhar radical. "Sou a raiz quadrada da soma dos quadrados dos catetos. Mas pode me chamar de hipotenusa" respondeu ela com uma expressão algébrica de quem ama. Ele fez de sua vida uma paralela à dela, até que se encontraram no infinito. E se amaram ao quadrado da velocidade da luz, traçando ao sabor do momento e da paixão, retas e curvas no jardim da quarta dimensão. Ele a amava e a recíproca era verdadeira. Adoravam-se nas mesmas razões e proporções no intervalo aberto da vida.


Três quadrantes depois resolveram se casar. Traçaram planos para o futuro e todos desejaram a felicidade integral. Os padrinhos foram o vetor e a bissetriz. Tudo estava nos eixos. O amor crescia em progressão geométrica. Quando ela estava em suas coordenadas positivas, tiveram um par: o menino, em homenagem ao padrinho, chamaram de versor; a menina, uma linda abscissa. Ela sofreu duas operações.

Eram felizes até que, um dia, tudo se tornou uma constante. Foi aí que surgiu um outro, sim, um outro. O máximo divisor comum, um freqüentador de círculos viciosos. O mínimo que o máximo ofereceu foi uma grandeza absoluta. Ela sentiu-se imprópria, mas amava o máximo. Sabedor desta regra de três, o quociente chamou-a de fração ordinária. Sentindo-se um denominador comum, resolveu aplicar a solução trivial: um ponto de descontinuidade na vida deles. Quando os dois amantes estavam em colóquio, ele em termos menores e ela de combinação linear, chegou o quociente e num giro determinante disparou o seu 45. Ela foi para o espaço imaginário e ele foi parar num intervalo fechado, onde a luz solar se via através de pequenas malhas quadráticas.

(Millor Fernandes)

quinta-feira, 2 de dezembro de 2004

VOCÊ DÁ PRA QUALQUER UM, MALDITA GENI

Smartville, Wyoming State, esta manhã. Um grupelho de pessoas se aglomerava na banca da Angelica Avenue (lê-se enjilica évenuí) com a Clays Lane (tecla SAP: Alameda Barros). "Um Ratinho da vida morreu ou aí tem mulé pelada dando autógrafo em Playboy", pensou um sujeito grande que se aproximava do local.

Mas não. Era a capa da Caras que chamava a atenção. Nela, uma mulher chamada Luma de (sobrenome) ao lado de seu novo namorado, um meganha. Caso você seja estrangeiro ou o Kaspar Hausen, te explico quem é a tal Luma de (sobrenome): trata-se de uma mulher cuja carteira de trabalho (se é que tem uma) está escrito "Profissão: Luma de (sobrenome)". Pois é. Ela não faz outro coisa da vida que não ser Luma de (sobrenome). E justamente por isso ela é figurinha tarimbada nas capas de revista. Imagino um fechamento pouco empolgante na Revista Flash. O diretor de redação Amaury Júnior, filho do famoso Amaury Sênior, está decepcionado com a matéria de capa, que caiu. Então ele grita pro estagiário:

- Ô muleque, liga pra Luma de (sobrenome) e diz que ela é bonita, aí ela vai soltar alguma bobagem. Depois dá pra mim o resultado que eu boto na capa.

Agora vamos fazer um exercício mental primário e tentar saber o que se passa na cabeça de nossa anti-heroína. Tire todos os pensamentos sobre cosméticos e plásticas. Não sobra muito, eu sei, mas vamos tentar:

LUMA DE (sobrenome) PENSANDO: Meu Deus... já fazem 6 horas que a RedeTV! não cita meu nome.... ai, eu preciso estar fazendo alguma coisa... já sei, vou fazer as unhas! É isso. Mas peraí... eu já fiz hoje de manhã e depois do almoço. Já sei, vou arrumar um namorado! É isso, um namorado! A mídia é MINHA NOVAMENTE!!! MINHA!!!!

Agora preste atenção na estrutura que Luma de (sobrenome) utiliza para arranjar um namorado. Primeiro foi um bombeiro. Agora um policial. A seqüência lógica é que o próximo seja um cara do resgate. No princípio ela discou 192. Agora discou 190. O próximo, com certeza, é o 194. O próximo passo é tentar os 0800 da vida. E então haverá o dia que o seguinte diálogo ocorrerá:

- Pizzaria, boa noite?

- Boa noite, aqui é a Luma de (sobrenome)!

- Pois não, Dona Luma de (sobrenome), o que vai pedir?

- Eu quero uma de pepperone e um entregador bem bonitão. Mas diga pra ele ligar pra imprensa e só chegar junto com ela, senão não tem gorjeta!

segunda-feira, 29 de novembro de 2004

A JORNADA DE UM PSEUDO-SERENDIPITOSO*

* São Paulo é uma cidade de malucos. Há pelo menos 15 sanatórios cadastrados na lista telefônica da cidade, o que gera uma capacidade de atender a aproximadamente 5 mil pacientes, número irrisório frente a população do município. Enquanto isso, professoras de História da Arte sem qualquer resquício de juízo crítico dão aula impunemente em faculdades da Avenida Paulista.

* São Paulo é uma cidade de pessoas que ouvem canções românticas no disc-man no ônibus durante o trajeto para o trabalho. Há cerca de cinco pessoas sentadas ouvindo disc-man em cada ônibus lotado, e mais cinco em pé querendo sentar e ouvir canções românticas em seu próprio disc-man; Existem cerca de 23 versões de canções em português chamadas "Eu te amo", que variam de Chico Buarque a Adryana e a Rapaziada. A mais escutada no transporte público da cidade é a "Eu te amo" de Roberto Carlos.

* Em dia de trânsito normal, é possível escutar More Than This, do 10.000 Manics, sete vezes no trajeto do início da Avenida Angélica até a Estação de Pinheiros. Esse número pode variar de cinco vezes em dias de ruas vazias a catorze vezes em sextas-feiras em horário de pico.

* São Paulo é uma cidade de pedintes. Existem oito pedintes fixos no trajeto que compreende os 4,5 quilômetros da Avenida Paulista 900 a Avenida Angélica 177. Desses oito, um xinga quem não lhe dá ao menos uma moeda, uma corpulenta sempre pergunta: "Moço, me paga um sanduíche?" e uma magérrima, com um filho não menos magérrimo ao colo sempre diz: "Moço, eu realmente preciso dar de comer ao meu filho".

* São Paulo é uma cidade de ratazanas. Toda noite há um desfile de ratazanas na calçada da Estação Pinheiros, na Praça Marechal Deodoro, na Estação Jaguaré e no Terminal Rodoviário do Tietê. Enquanto as ratazanas da praça Marechal Deodoro são um pouco menores e acinzentadas, as da Estação Jaguaré costumam ser marrons e gordas, aspecto similar às do Tietê, embora essas últimas sejam mais velozes. As ratazanas da Estação Pinheiros costumam ser de todos os tipos, marrons ou acinzentadas, rápidas ou lentas, com o diferencial de que não se importam em enfrentar os seres humanos que porventura ali estejam; Há também ratazanas loiras na prefeitura municipal, que darão lugar a ratazanas calvas a partir de janeiro.

* São Paulo é uma cidade de migrantes gaúchos. Há dois tipos de trabalhadores do Rio Grande do Sul nesse município: os bem vestidos e os mal vestidos. Os bem vestidos são garçons de churrascaria; os mal vestidos são jornalistas (com a exceção do meu chefe, porque éle é um cara legal). Nunca ninguém conheceu um terceiro tipo de migrante gaúcho em São Paulo.

* São Paulo é uma cidade de homossexuais. Há homossexuais assumidos e orgulhosos, geralmente do meio artístico, que andam de mãos dadas no Shopping Frei Caneca com seus namorados e que freqüentam a Louca e shows do Edson Cordeiro; Há homossexuais assumidos e discretos, geralmente jornalistas, publicitários e relações públicas, que costumam freqüentar o Shopping Frei Caneca ao lado de um sujeito que é apresentado como "meu primo do interior"; E há os homossexuais enrustidos, geralmente engenheiros e profissionais da construção civil, que não freqüentam o Shopping Frei Caneca porque isso é coisa de viado mas que mantém forte empatia com os travestis da Rua Augusta.

* (ou o que pessoas não normais fazem quando se sentem abandonadas porque o TCC acabou)

domingo, 28 de novembro de 2004

DEUS NOS BEIJA NA BOCA TODOS OS DIAS


"Tudo acontece com o Vives", costuma vociferar um sujeito que não vale a pena ser citado aqui. Descendo do Cometão no Terminal Tietê, um dedo cutuca meu ombro. Era um moleque de 15 anos, que passou a viagem sentado ao meu lado, com um bilhete em mãos.

- Tó. É pra você.

Nele, em caneta vermelha:

ACESSE WWW.ESCOLADEFOGO.COM

ABRAÇO!


Chegando em casa, fiz o que me foi recomendado. Eu queria saber o que era e descobrir por que o pentelho olhou pra mim e pensou "preciso recomendar pra esse sujeito esse site". Eu teria cara do quê? Seria um site sobre pessoas grandes, sobre homens que andam de ônibus ou para jundiaienses que vão pra pra São Paulo no domingo a noite?

E depois de conferir, fui pra frente do espelho analisar minha cara de mané. Como dizia Oscarito, naquelas chanchadas dos anos 50: "Deus, conservai os otários no mundo, porque sem eles eu não posso viver ".

segunda-feira, 22 de novembro de 2004

SOCIEDADE PARA A CULTURA EXCESSIVA* APRESENTA: FESTIVAL JUNDIAIENSE DE CINEMA, LITERATURA, BINGO E QUERMESSE

Os responsáveis pela prefeitura do Principado de Jundiaí, durante ócio pouco-criativo, resolveram criar slogans que definem, ao mesmo tempo, tudo e nada sobre o município: Jundiaí, a cidade que mais lê no Brasil e Jundiaí, a Cidade do Novo Século. Eu até poderia dizer que Jundiaí é somente a cidade que mais lê Seleções no Brasil, ou que todas as outras cidades que chegaram ao ano 2000 habitadas também são do novo século, mas não farei isso. Pelo contrário, encamparei o odor galvãobuenístico que emana das axilas do poder local.


Por isso, resolvi financiar o Espaço Cultural Cida Marques, uma iniciativa que homenageia a representante jundiaiense mais ilustre (saibam todos que adoro apoiar a cultura porque os Vives estão para a Terra da Uva assim como os Borgia e os Médici estavam para a Florença Renascentista). Assim, o primeiro evento que o E.C.C.M. irá apresentar é o Festival Jundiaiense de Cinema, Literatura, Bingo e Quermesse, com espaço para apresentações de bandas e de filmes e promoções de livros e DVD´s.


Confira alguns destaques:


CINEMA:


AS LIXEIRAS DO CORREDOR (Direção: Gabriel Aveia Kwak. Com Eugênio Luís Magaiver, Rosepetta e Felipe Vlad). Suspense. Falado em jundiaiense. Dublado em jundiaiense. Legendas eletrônicas em jundiaiense. Um homem (Magaiver) mantém uma estranha relação de amor e ódio com as lixeiras de corredor, ao mesmo tempo que descobre que sua namorada (Rosepetta) o traiu com seu pior inimigo (Felipe Vlad). Dúvidas cercam sua mente: que lições as lixeiras do corredor tentam lhe transmitir? Por que Rosepetta o traiu? Eram os deuses astronautas? Um enredo envolvente onde as relações entre significante e significado pairam entre a concepção modernista e a estética do teatro de Ziembinski.


A XIMBICA DO AMOR (Direção: LM. Com Daniel Patife e eletrizante elenco de bixetes) . Pornochanchada. Patife é um jornalista recém-formado que se desiludiu por ter saído da faculdade. O mundo real não tem bixetes, o que o torna um tarado depressivo. Mas sua vida muda para melhor quando ele recebe de herança uma Brasília velha. Com ela, Patife parte atrás de bixetes e se envolve em grandes aventuras. Participação especial de Rita Cadillac.


PROMOÇÕES - 50% DE DESCONTO:

DVD


TRIO LOS ANGELES LIVE IN JURÉIA - A nova geração do famoso grupo se apresenta na reserva ambiental e canta os principais hits de seu álbum de estréia, Três Formas de Amar: Sex on the beach, A barraca está armada e Garras da oncinha em pânico. Banda de estilo performático em show nota dez.


AS MELHORES RECEITAS DE INRI CRISTO - Sem tocar as mãos nos ingredientes e no microfone, o famoso dublê de Jesus ensina as receitas que sua mãe, Dona Maria, o ensinou quando ele era pequeno (destaque para a Óstia Consagrada ao Molho Madeira e para as receitas light para períodos pós-jejum). Mas nem só de receitas vive essa obra única no gênero: Inri também dá dicas de como montar um banquete para doze convidados e um churrasco de cordeiro em homagem ao Todo-Poderoso. Apresentação de Amaury Júnior, filho do famoso Amaury Sênior.


LIVROS
MENGHELE E EU: O MÉDICO E A OVELHA (Leandro B.) - Em meio à discussão sobre os manuscritos do médico alemão Joseph Mengele, o estagiário vejudo lança seu livro com revelações surpreendentes: parte do ouro dos judeus estaria escondida em algum lugar entre o Manicômio de Franco da Rocha e o Lixão de Perus. Leandro B. conta detalhes de sua amizade com o Mr. Hide teutônico na nazista Caieras, com detaque às vezes em que ambos subiam juntos até o hospício francorrochense para fazer experiências científicas com enfermos. Para maiores de 18 anos.


* copyright SimCity 3000

sexta-feira, 19 de novembro de 2004

CARLÃO

Nova Iorque. Busão Pines-Aclimation, sentido Aclimation, oito horas da noite. Na subida letárgica da Theodore Sampay, um homem grande e descabelado encontrava-se sentado solitariamente no fundo do veículo. É quando uma moça pequena mas também descabelada e com cara de maluca ultrapassa a roleta e vai sorrindo em direção ao homem grande, que está com o disk-man tocando As the world falls down, de David Bowie.


O homem grande percebe, olha e não reconhece a figura exótica que se aproxima. Acha que não é com ele. Mas ela vem com tudo, tasca-lhe um beijo na bochecha e diz:


- Carlão, tudo bem?


O homem grande não move seu rosto, mas acompanha com os olhos a mulher maluca e descabelada sentar no banco ao lado do seu:


- (silêncio)


A familiaridade com a qual a dita cuja lhe trata o incomoda. É quando finalmente ela parece notar algo diferente com o "Carlão":


- Peraí... você é o Carlão?


- É a primeira vez que me chamam de Carlão, senhora... - respondeu o homem grande, ainda sem se mexer, acompanhando a mulher só com os olhos.


Se o coroinha da Catedral da Sé ficasse pelado durante uma missa lotada e gritasse "I need an exorcist!", o padre não ficaria tão constrangido quanto o homem grande e a mulher maluca ficaram naquele momento. Até o metrô mais próximo, a mulher maluca permaneceu sentada ao lado do homem grande, rindo e completamente desgostosa.


Revoltado, o homem grande continuou sem se mexer.

quarta-feira, 17 de novembro de 2004

VERTIGO

Era dia. Período um pouco mais que matutino, naquela hora em que o pão na chapa do Monet já é passado, e a imagem de um contra-filé suculento deixa o estômago embriagado. Alunos se encontravam na frente da Sala Biondinho, esperando o resultado da banca de certa aluna de uma renomada instituição. Ao fundo do corredor, um busto e uma janela que exibia orgulhosa um sol resplandecente. Tudo parecia normal naquela hora, exceto pela ansiedade da aluna em questão.
Mas eis que surge, das cinzas, um vulto. Minhas sobrancelhas ergueram-se. Era ele. Sim, ele, o taquigrafista da Santa Ceia, o estagiário de Gutemberg na primeira imprensa, o correspondente da Gazeta na Revolta de Beckman. E lá foi ele atravessando a imagem do sol na janela para ganhar a passos lentos o corredor.
Meus olhos sorriram com a imagem dele passando em frente a janela. Ele em frente a janela. Ele e a janela. Janela.

domingo, 14 de novembro de 2004

EDITOR DE SORRY PERIFERIA PROCESSA REI DA TAILÂNDIA

FV, editor do hebdomadário virtual Sorry Periferia, deve abrir um processo contra o rei da Tailândia a qualquer momento. A acusação é de plágio: Bhumibol, o Grande (nome do rei), escreveu um livro ilustrado onde narra a vida de sua cadela favorita, chamada Khun Tongdaeng. O problema é que há cerca de um ano o editor da mencionada publicação lançava em pílulas a obra Daniel Patife: Confesso que Encoxei (Editora Oásis, R$6,50 + suco grátis) no News Associados. Esta obra relata a saga do renomado tarado Daniel Patife, que varreu a Cásper Líbero com sua baba libidinosa por quatro anos seguidos, ludibriando homens, mulheres, cachorros e postes.
"A idéia de biografar seres irracionais é minha. Creio que haja um mal entendido, pois esse rei chinês não me pagou os devidos royalties. E se ele é o rei Bhumibol, 'o Grande', eu sou o príncipe Vives, 'o Maior Ainda' ", sintetiza Vives. Através de sua assessora de imprensa, Prof. Yung, o rei tailandês negou a acusação. "A idéia de biografar seres irracionais é de domínio público. O caráter inédito da obra do pseudo-biógrafo jundiaiense dá-se por ser aquela a história de um ser irracional e tarado", alega o Bhumibol, o Grande.
A cadela Khun Tongdaeng foi procurada e declarou apenas estar abatida com a polêmica e que prefere não entrar em detalhes. Já Daniel Patife fugiu do assunto e saiu-se com uma pergunta: "Pelo menos a cadela é bonitinha?"

sexta-feira, 12 de novembro de 2004

Há momentos na vida em que torna-se estritamente necessário enfiar a cabeça na privada e puxar a descarga.

quinta-feira, 11 de novembro de 2004

quarta-feira, 3 de novembro de 2004

AS ILUSÕES GANHADAS


Riviera Francesa, primavera de 2024. O famoso free-lancer F. Vives lê seu jornal enquanto mordisca um croissant na calçada do Café L' Spoir, em Nice. Após tomar nota sobre as notícias do mundo, Vives se levanta tentando esboçar em pensamentos a coluna que escreverá ao entardecer, e que será publicada em 12 jornais ao redor do mundo no dia seguinte. Mas nada lhe ocorre em mente. Veste seu sobretudo bege e ganha as ruas em direção ao Hotel Negresco, onde vive. E o que parecia ser mais um dia típico em sua rotina aconchegante torna-se uma enorme interrogação ao ouvir vozes do outro lado da rua:
- Vives!!!!!!! Vives!!!!!!!!!!! É você????
Ao notar que toda a rua olhava para o sujeito que gritava, e percebendo que toda ela inclinaria o pescoço para o outro lado a fim de saber quem é o tal Vives, o free-lancer aperta o passo e tenta passar desapercebido. Mas nada que resolvesse o caso.
- Vives, Vives, É você!!! Que mundo véio sem porteira!!!!
Ao ouvir tão rude expressão, Vives parou e ergueu as sobrancelhas. Qual não foi a surpresa ao notar que o dito cujo que gritava vestia uma roupa obtusa, uma camisa branca sob jaleco verde, chapeuzinho de Robin Wood, saiote britânico cinza e vermelho, deselegantes meias brancas até os joelhos e um par de tamancos de madeira nos pés. Era L. Beguoci, um antigo conhecido dos tempos de Brasil.
- Cara, o que você tá fazendo aqui? - perguntou a exótica figura.
- Eu é que pergunto: o que você está fazendo na Riviera? - retrucou Vives.
- Ah, agora eu pertenço a um grupo católico que prega que Jesus está voltando. Lembra do Cornelius Horan, o cara que se meteu em frente ao brasileiro na Maratona dos Jogos Olímpicos de Atenas? Então, meu guru. Juntos fundamos a PJC: a Pastoral Jesus is Coming.
- Peraí, quer dizer que você agora invade maratonas? - perguntou Vives, lançando um olhar atônito.
- Não necessariamente. Invado qualquer evento pra mostrar o cartaz Jesus is coming. Look busy. Tâ aqui de olho na Volta da França.
- E aquela sua namoradinha, que fim levou? Como era mesmo o nome dela? Bromélia, Azálea...
- Hilda. Casamos e tivemos mais quatro filhos. Lembra do Lucas? Então, se formou ano passado em Relações Públicas pela Cásper. A gente se dá bem, mas ele me reprime por minhas atividades. E depois dele vieram a Natércia, o Vantuir, o Jordão e o Eric Estrada.
- ERIC ESTRADA?
- É sim - respondeu a ovelha - Não te contei: assim que terminei a faculdade, virei fã da série Chips e montei um fã-clube. Cornelius também era fã da série e nos conhecemos pelo Orkut. Aí ficamos amigos e juntos fundamos a PJC. Mas os outros nomes foi minha esposa quem escolheu.
Nitidamente envergonhado, F. Vives resolveu cortar a conversa, pois todos apontavam na rua para os trajes vergonhosos da ovelha transviada e o cartaz que ela carregava, com os dizeres: Jesus is coming. Look busy.
- Bem, assim como Jesus, ando um pouco atarefado ultimamente. Prazer revê-lo.
Ambos apertaram as mãos e Vives voltou-se para o caminho do Hotel Negresco. Pelo menos naquela tarde o free-lance já teria assunto para sua coluna.

sexta-feira, 29 de outubro de 2004

SEPARADOS NO NASCIMENTO


O morimbundo Arafat atualmente está a cara do Abraham Simpson, pai do Homer. Não há alguém no momento que se pareça mais com o Vovô Simpson do que Yasser Afarat. Ouso dizer até que Arafat se parece mais com o Vovô Simpson do que o próprio Vovô Simpson, o que é uma estranha questão metalingüística. É como o miojo de quetechupe. O quetechupe é uma representação do tomate que ganhou vida própria. Não existe miojo de tomate, existe o miojo de quetechupe. E nisso há toda uma relação de signos, significantes e significados que demandaria toda minha existência culinário-bloguística para provar. "Praticamente um Roland Barthes jundiaiense, com requintes de Palmirinha", já diria a vizinha de Nelson Rodrigues, gorda, patusca e cheia de varizes.
Mas não é nada disso que eu queria dizer. Estou triste porque Yasser Arafat está com os pés e a cadeira de rodas na cova, enquanto aquele porcão castrado do Sharon ri à toa. De um jeito torpe, fica aqui registrada a minha indignação.
- Desce um Homer Flamajante em homenagem ao Arafat, Moe.

quarta-feira, 27 de outubro de 2004

FESTIVAL DE CINEMA EXÓTICO 2004: PREPARE SEU SORRISO BLASÉ

Assim como fiz no Associados em 2003, seleciono aqui os filmes que fazem o Espaço Unibanco lotar de fãs do Gerald Thomas com melancias penduradas no pescoço, durante a Mostra 2004:


CAMELOS TAMBÉM CHORAM (Alemanha, Byambasuren Davaa e Luigi Falorni) - No interior da Mongólia, uma fêmea de camelo dá a luz a um bebê camelo albino. Dada a cor do filhote, ela o rejeita. Tocada pela situação do recém-nascido, uma família de pastores nômades vai até a cidade mais próxima em busca de um músico que toque uma melodia capaz de fazer a mamãe camelo dar atenção ao filhote.

OLHOS DE VAMPA (Brasil, Walter Rogério) - Crimes aterrorizam o bairro de Pinheiros, em São Paulo. Mulheres são encontradas amarradas com fita isolante nos pulsos, uma mordida na nádega e um pêssego enfiado na boca. O suspeito é um homem chamado Vampa. Um investigador de polícia é atacado por ele e passa mal. Melhora na noite de lua cheia e se revela mais um vampa.

ARCANJO (Canadá, Guy Maddin) - No inverno de 1919, toda uma cidade no norte da Rússia sofre de amnésia. Um soldado chega na cidade e se apaixona por uma moradora local, que ele a confunde com sua amada morta. O clima dos habitantes estranhos do local o contagia, e ele só pensa em recuperar a amada morta, sua perna amputada e suas próprias raízes.

A MÚSICA MAIS TRISTE DO MUNDO (Canadá, Guy Maddin) - Mulher aristocrata do início dos anos 30 abre concurso pra saber qual é a música mais triste do mundo. Irmãos jazzistas da Broadway se candidatam. Chester, um deles, é casado com Narcissa, uma ninfomaníaca sonâmbula, que é sua musa inspiradora. Roderick, o outro irmão, acaba de voltar da guerra da Sérvia e está inconsolável. Mas a família guarda um segredo: o pai dos rapazes, Fyodor, foi responsável pelo acidente que fez Lady Port-Huntly, a financiadora do concurso, ter de amputar as duas pernas. Adaptado de um roteiro original do escritor Kazuo Ishiguro. Repeteco da Mostra passada porque o diretor é um dos homenageados desse ano.

JAGODA NO SUPERMERCADO (Sérvia, Alemanha, Itália) - Frustrada por causa de um encontro amoroso malsucedido, a atendente de supermercado Jagoda resolve descontar toda sua raiva numa velhinha que, tarde da noite, chega à loja em busca de morangos frescos para fazer um bolo de aniversário para seu neto.

ENCRUZILHADA (Polônia, Malgorzata Szumowska) - Amanhecer. Algumas mulheres cantam enquanto mantêm os olhos fixos na figura de Cristo pregada a uma cruz instalada à beira de uma estrada. Mais tarde, um camponês bêbado cai enquanto passa pelo crucifixo e, ao se levantar, olha para a imagem como se tivesse sido reprimido por Deus. Pouco depois, um carro luxuoso pára diante do artefato e dois homens descem do carro. Um deles urina na árvore em frente ao crucifixo. À tarde, um grupo de crianças, lideradas por um padre, diz ao olhar para o crucifixo: "Abençoado seja Deus", e o padre sorri satisfeito. Uma série de ações acontece no local até que dois homens substituem o Cristo do crucifixo por um outro muito mais colorido e sorridente.

A FACE OCULTA DA LUA (Canadá, Robert Lepage) - Trabalhando à noite como operador de telemarketing, durante o dia Philippe só tem pensamentos para sua tese de doutorado, que gira em torno da filosofia da cultura científica e das motivações narcisísticas da exploração espacial. Seu irmão mais novo, André, é gay e trabalha como meteorologista de TV numa emissora local. O filme discursa sobre a eterna preocupação em encontrar um sentido para o universo e descobrir qual o seu lugar dentro dele. O diretor é colaborador do Cirque du Soleil.

DELAMU (China/Japão, Tian Zhuangzhuan)- Documentário que relata a vida dos tropeiros de mulas do Tibete. As imagens captadas sob luz natural mostram tropas de mulas sobrecarregadas, equilibrando-se em caminhos estreitíssimos, pontes de madeira sacolejantes sobre abismos a grande altura.

COMPANHIA SILENCIOSA (Irã, Elham Hosseinzadeh) - Dias antes do confronto entre EUA e Iraque, um homem iraquiano cruza secretamente a fronteira entre Iraque e Irã numa pequena embarcação. Seu destino é uma aldeia onde pretende conseguir, com alguns amigos contrabandistas, um vestido de noiva emprestado.

CHUVA OUTRA VEZ (Irã, Ali Vazirian) - Javad vive em uma região extremamente chuvosa. O menino sonha em possuir um guarda-chuva, assim como todas as outras crianças de sua idade. Apesar da dificuldade, sua mãe tenta realizar seu sonho.

PRODUZINDO ADULTOS (Finlândia, Aleksi Salmenpëra) - Venla é psicóloga de uma clínica de fertilidade. Ela quer ter um filho, mas seu companheiro é estéril. Ela tenta a clínica de fertilidade onde trabalha, mas passa a sentir atração por uma amiga sua, enfermeira do local.

SUBCUTÂNEO (Brasil, Ricardo Costa) - Entre sonho e realidade, numa época de opressão, um lugar subterrâneo carregado de lembranças silenciosas e algumas situações subcutâneas, onde as palavras não são mais necessárias.

NICELAND (Dinamarca, Fridrik Thor Fridriksson) - Jed e Chloe são dois jovens deficientes mentais apaixonados. Certo dia, Jed mata acidentalmente a outra grande paixão de Chloe, seu gato. Abalada, ela se fecha num silêncio sepulcral e perde a vontade de viver. Levado a acreditar que um misterioso negociante de ferro-velho chamado Max tem a resposta, Jed entra cautelosamente no excêntrico mundo deste homem solitário.

MAL DOS TRÓPICOS (Tailândia, Apichatpong Weerasethakul) - História de um casal de homossexuais e sua misteriosa relação com a selva do nordeste da Tailândia, um lugar quente e úmido onde todos os acontecimentos são regidos com regras próprias. O tempo é mágico e o amor é feliz e sem complicações para o soldado Keng e o jovem Tong. Mas esta harmonia é rompida porque algum tipo de besta selvagem está trucidando as vacas da região.

terça-feira, 26 de outubro de 2004

ANIMAIS HIPÓCRITAS

Quando pequeno, eu gostava de bichos. Passei boa parte da infância brincando com os cachorros, os gatos e as galinhas que haviam no pomar do fundo das casas da vizinhança. Na estante de casa há até hoje uma enciclopédia amarela de cinco volumes intitulada Os Bichos, aliás, pelo qual o atual estado deplorável assumo inteira responsabilidade.
Eu também tinha o hábito de assistir dois programas na TV: América Selvagem (canto a musiquinha até hoje) e o Mundo Animal. E foi neste último que passei a conhecer uma espécime rara de toupeira chamada musaranho. Trata-se de um bicho diminuto, cujos maiores exemplares não ultrapassam os dez centímetros. O musaranho é, enfim, uma toupeirinha. E como se não bastasse ter nascido toupeira, é completamente cego. Exagero: quase completamente cego, pois eventualmente enxerga vultos.
Mas há outra característica que faz do musaranho um bicho tão peculiar ao ponto de me fazer lembrar dele tantos anos depois: sua personalidade arredia. Musaranho que é musaranho não vive em sociedade e só aparece de tempos em tempos, para acasalar. Cada exemplar dessa espécie demarca seu território e não permite que nenhum outro musaranho entre no dele, o que acontece com muitos outros animais. E quando isso acontece, tem-se um duelo que difere o musaranho das outras espécies de bichos arredios. Além de inteligência, o fator músculo também não é recorrente no meio musarânico, o que faz com que esses bichos não se digladiem pelo território. Os adversários simplesmente param em frente um do outro e espicham os corpos na tentativa de parecer maior do que realmente são, mostrando os muques que não existem. São horas a fio de grunhidos, caretas e bíceps inexistentes até que um dos dois se convença que é menor que o outro é vá embora. Patético, ainda mais se considerarmos que os musaranhos são cegos. Ponha-se no lugar de um: você mostra os muques para seu adversário que você acha que está na sua frente, mas que pode ser um ramo mais grosso de tiririca, pois você só é capaz de enxergar um vulto.
Acho que o que vale ressaltar aqui é o caráter hipócrita dos musaranhos. Eles se mostram, disfarçam a pequenez, grunhem e tentam se impor causando medo no adversário. Mas no fundo, eles sabem que não passam de toupeiras cegas.




domingo, 24 de outubro de 2004

Esse não será um post engraçadinho. Aconteceu em um final de novembro como esse, em um clima ameno como esse, mas com chuvas esparsas ao longo daquela noite. Era uma festa da igreja do meu bairro, uma quermesse mesmo, dessas de se arrecadar fundos pras creches no Natal. Ela sabia do meu interesse. Todos ali sabiam. Mas naquele momento eu já não esperava mais nada.


Todos nós sentados em volta de uma mesa, sonhando com cerveja mas tomando refrigerante, aquele aglomerado de moleques de bermudas largas e bonés, com espinhas e pêlos ralos espalhados pela cara. É quando um vem me avisar. "Vai lá falar com ela. Ela quer falar com você". Aquele um metro e oitenta e cinco saiu desequilibrado para onde ela estava, sem ter idéia do que dizer. Ele a achava tão bonita que ficava intimidado na frente dela. Mas sem qualquer embaraço, ela pegou o grandalhão pela mão e ambos abandonaram o pátio da igreja.

- Onde vamos?

- Não sei, não tenho idéia - respondi - Acho que ali na porta do despachante.

- Ali, em frente da casa da Gislaine? Nem pensar. A mãe dela fica no jardim sentada com o marido depois da novela. Se ela vê a gente, vai contar pra minha mãe.
E então rodamos pelo quarteirão. Era simples assim. Não precisávamos falar mais nada, já nos conhecíamos há meses. Nada era difícil aos 14 anos. A chuva voltou, e improvisamos um refúgio na porta do Jundianel, uma loja de rolamentos atrás da igreja. Havia um degrau, ficamos nivelados em altura. Silêncio. Ela realmente era linda. Com uma blusa vermelha colada ao corpo e uma calça preta que realçava suas formas. Eu, com uma camisa de manga comprida e um bermudão que denunciava minha idade. Passei-lhe o braço pela cintura.

- Você nunca fez isso, mas eu já.

Assenti com a cabeça. Não conseguia parar de olhar para ela. Ela, dez vezes mais mulher do que eu homem. Bentinho e Capitu. Clichê sim, não tenho culpa. Passei-lhe o outro braço pela cintura, ela respondeu com o dela no meu pescoço.

- Você gosta mesmo de mim, não é? Me deixa envergonhada me olhando desse jeito.

Depois só me lembro de fechar os olhos e sentir o cheiro dela e da chuva. Ao fundo, a rádio Dummont que vinha do auto-falante da igreja tocava as músicas da época que eu gravava em fitas cassete. Mas aquele primeiro contato não me remeteu a tudo aquilo que eu via no cinema. Era estranho. A única coisa diferente que senti foi o gosto da saliva dela.

- Me beija de novo que você acostuma. Aí sim fica bom.

Ela tinha razão. Ela só podia ter razão. Eu gostava tanto dessa moça que ela era ali, pra mim, a própria razão em pessoa. E como eu adorava a rádio Dummont. Free as a Bird, ao fundo, foi o que de melhor alguém poderia ouvir naquele momento. Também me lembro de Sounds Like a Melody. Ambas faziam parte da minha coleção de cassetes. As outras muitas músicas não ficaram na memória. E foram quase três horas assim, feito um filhote que sai da toca e que vai tateando tudo até se acostumar com o que a vida tem de bom.

Eu sonhei com isso essa noite. Faz nove anos, eu já não me lembrava mais. Eu seria uma pessoa pior se não tivesse vivido certas coisas, como essa. O mundo foi estreito para Alexandre; um desvão no telhado é o infinito para duas andorinhas.

sexta-feira, 15 de outubro de 2004

VIVES STARDUST

Cogitei a hipótese de fazer um testamento durante essa semana. Essa foi a única gripe que me obrigou a tomar remédios nos últimos cinco anos, com certeza (tirando o pitoresco incidente com o joelho). Ontem, dez da noite, passei na farmácia e pedi pro cidadão encher a mesa com tudo que houvesse pra baixar a febre, acabar com dor de garganta, infecção e todas essas frescurites. Trouxe uma sacola cheia pra casa. Sou um adepto do ultracapitalismo, gosto de resultados rápidos e eficientes, e por isso tomei tudo de uma vez em doses cavalares, bem maiores que as recomendadas. Na pior das hipóteses, eu ia ficar doidão. Escrever o projeto experimental doidão é legal: ele fica muito mais experimental. 

Mas eu não contava - e nunca conto - com os efeitos colaterais. Passei o dia urinando numa tonalidade fosforescente de laranja. Em outras palavras, fui no dia 14 de outubro de 2004 mais misógeno do que David Bowie tentou ser em 1970 (tirando a parte do homossexualismo, que é só com ele). Os canos da CETESB nunca mais serão os mesmos depois de hoje.

terça-feira, 12 de outubro de 2004

O CÉU É O LIMITE

Vou abandonar o jornalismo após o TCC. É. Estou escrevendo o roteiro de um filme. Pensei em me dedicar à literatura, mas essa não dá lucro e ninguém mais lê. Eis o enredo: 

Nos dias atuais, um rapaz vindo do interior mora na rua Pirineus, centro de São Paulo. Trabalha numa repartição pública que nem ele mesmo sabe ao certo qual é sua função. Leva uma vida absolutamente monótona. Certo dia, ao chegar em seu prédio após o expediente, recebe uma carta do governo dos Estados Unidos o convocando para lutar na Guerra do Vietnã. Fica desesperado. Vai pedir conselho aos vizinhos, pois ele nunca saiu do país e não tem idéia do que é lutar numa guerra. Um deles o aconselha a alugar filmes sobre a Guerra do Vietnã, e é o que ele faz. A trama toda se desenvolve com ele assistindo os filmes e, nos intervalos, indo nos bares da região contar sua história e pedir conselhos. Simultaneamente, ele vai até o consulado americano para pedir um visto de entrada nos States, porque, segundo a carta, é de lá que o destroyer em que ele servirá vai sair. Mas o cônsul não vai com a cara dele e dificulta as coisas. 

Todos dão conselhos: uns tentam fazer com que ele fuja e não vá lá, uma cafetina dá um santinho protetor pra ele pendurar no pescoço, um bêbado durão dá dicas de como pegar vietnamitas mais jeitosinhas. Em dado momento da trama, o personagem, curioso de como é lutar numa guerra, visita um veterano da Guerra de 32, que sofre de Alzheimer e não fala coisa com coisa. O fundamental é que ninguém diga durante o filme que a guerra do Vietnã já não existe mais, deixando o espectador desconfortável e xingando o roteirista. Estou pensando em Jean Paul Belmondo como o ator principal. 

Sou um gênio incompreendido. 99,9% de incompreendido, 0,01% de gênio. Mas minha mãe gostou, que é o que importa. Sorry, Hollywood.

quinta-feira, 7 de outubro de 2004

TODA ESTUPIDEZ SERÁ CASTIGADA

Religião é um assunto desagradável. Cada um tem a sua e eu só discuto se alguém quiser muito discutir. Não há nada mais chato que um sujeito agnóstico querendo fazer a cabeça de alguém que não quer ter sua cabeça feita. O mesmo vale para futebol, cinema, literatura e outros mais. Você vai enrolar, enrolar e dificilmente chegará a conclusões esclarecedoras. 

Mas qualquer nego que repita a frase "política, cada um tem a sua preferência e não me encha o saco" merece ter a cabeça enfiada na privada para que puxemos a descarga sucessivas vezes. Não, caro estróina. Se você for anglicano xamanista e torcer para o Bandeirante de Birigüi, nada disso vai me afetar (só vou te zuar um pouquinho). Mas se você votar no Maluf, na Dra. Havanir (que só deveria sair de casa devidamente encoleirada) ou nos Agnaldos Timóteos da vida, sua estupidez vai me afetar sim, porque, se eleitos, eu também arcarei com as conseqüências da tua burrice. Ou você pensa que eu teria votado no Collor em 89? 

Logo, é imprescindível que todo ser humano apto para votar discuta política nas eleições. E é ainda mais importante que você, ser esclarecido, estimule os seres desfavorecidos de senso de ridículo a votarem com o mínimo de parcimônia. Sabe aquele seu vizinho que não gosta do Lula porque ele só tem até a quarta série? E aquela sua tia-avó de 84 anos que vota no Eymael porque ele manda pra ela um cartão desejando Feliz Natal todo final de ano? Então, esses são os alvos. 
O primeiro passo é desestruturar o preconceito. O Lula é um cara que, apesar dos mil defeitos que hoje tem, é o cara que mais conhece o país e seus problemas. Disparado. Você ter se decepcionado com a política econômica do governo dele, mas nunca dá pra dizer que ele é burro. Isso Lula não é. Nunca vi um burro liderar a maior greve da história brasileira, o primeiro partido político de fato do país, etc. 

Tenho um amigo que abomina o Maluf porque ele é turco. Respondo que ele tem que abominar o Maluf porque ele é cria da Ditadura, inventor da Paulipetro e teve uma administração em São Paulo absolutamente cleptomaníaca. Uma simples questão de causa e conseqüência. Se ele é turco ou boliviano, pouco me importa. 

Ainda postarei, antes do final do mês, do porquê eu votaria na Marta em São Paulo. Porque eu tenho argumentos e irei usá-los e topo discutir com o seu Civita ou com o gari da Avenida Angélica, e não importo de quebrar o pau por causa disso.

terça-feira, 5 de outubro de 2004

TE CUIDA, MATUSALÉM

É impossível deixar de ler Maldição e Glória, de Carlos Maranhão, a biografia de Marcos Rey. Comecei ontem e já alcancei as última páginas. Não costumo ler rápido. Diminuí o ritmo e releio trechos, porque não quero que acabe. 

Mas esqueçamos o biografado e sua vida cinematográfica (que eu desconhecia por completo). Esqueçamos o biógrafo e o ritmo de texto contagiante. Esqueçamos a história incrível que o livro conta sobre o personagem e que ele escondeu de todo mundo enquanto esteve vivo. Eu quero me concentrar em um só detalhe. 

Em Maldição e Glória você fica sabendo que a hanseníase era um doença assustadora ainda nos anos 40 (pensava eu que em 1900 ela já era uma doença menor). Você também fica sabendo que havia seis campos de concentração (chamados de asilos-colônia) para leprosos no estado de São Paulo até o final dos anos 40. Em todo o Brasil, eram 16 mil internos que foram tirados de suas famílias debaixo de porrada e levados para lá, sem a menor perspectiva de saída. Você acaba conhecendo também uma mulher chamada Conceição da Costa Neves, uma das primeiras mulheres parlamentares brasileiras e ativista da Cruz Vermelha, que encampou a luta contra os asilos-colônia. Em maio de 1945, Conceição obteve autorização para visitá-los junto de uma comitiva composta por assessores, jornalistas e que tais. O autor conta em detalhes diálogos, quebra-paus entre ela e as autoridades responsáveis pelas internações e depoimentos impressionantes de doentes. Você fica com a pulga atrás da orelha e se pergunta como o autor chegou a detalhes tão fortes e exatos de diálogos e depoimentos. 

Um asterisco esclarece. Tudo está documentado na Assembléia Legislativa de São Paulo. Na comitiva que acompanhou Conceição aos campos, havia um taquígrafo. O nome dele é Erasmo de Freitas Nuzzi

sábado, 2 de outubro de 2004

TEM COISAS QUE SÓ A PHILCO FAZ POR VOCÊ

- Alô, por favor o Jorge? 

- Falando. 

- Jorge, aqui é Fernando, da Cásper Líbero, tudo bem? 

- Quem é vivo sempre aparece! 

- Jorge, eu queria dizer que terminei a parte do meu TCC em que te entrevistei... 

- Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! 

- ... e que também gostaria de entrevistá-lo para a nova parte que estou fazendo. Posso visitá-lo nesse final de semana? Em que horário? 

- A morte domina o cangaço... 

- Quatro da tarde do domingo, pode ser? 

- Bom sonhos até domingo. 

(fim da ligação)

segunda-feira, 27 de setembro de 2004

O DIA DO CAÇADOR

"Faz mais de um ano que eu não vejo uma barata". Esta foi a frase que me ocorreu às cinco e meia da manhã do último sábado, após sair do banho, acender a luz do quarto e dar de cara com um coleóptero enorme entrando no vão da janela. Eu voltava de uma balada e, com a toalha ainda enxugando o pescoço, sentia o álcool em excesso fazendo efeito. Eu só queria a minha cama. Mas ao ver aquele bicho ali, quieto, só com as antenas em movimento, passei a olhar catatônico para ele em busca de alguma idéia genial. A preguiça veio em primeiro lugar. Pensei com minha toalha (na falta de botões, já que eu estava sem camisa): 

- Ok. Não há nenhuma mulher aqui. Agora eu faço de conta que não vi, apago a luz e deito na cama. O bicho se manca, dá meia volta e sai pela janela. E se não fizer isso, qual o problema? A barata não passa de um besourão um pouco maior. 

Negativo. Veja aquelas pernas traseiras. Incrivelmente grandes e peludas. Besouros não tem pernas grandes e peludas. Na mesma hora me surgiu em mente a figura do bigode da atendente do Monet, similarmente peludo. Meu estômago revirou, dei meia volta e fui buscar uma vassoura. 
A partir daí senti os três momentos que os psicólogos dizem ser os naturais em situações extremas: primeiro, não acreditei que havia um bicho daqueles na minha frente. Segundo, perdi o controle. Xinguei até a quinta geração daquele exemplar coleóptero que posava despreocupado na minha janela e reafirmei minha anti-crença em Deus, porque se ele existisse e fosse bom, não botaria uma barata no meu quarto depois de um porre, quando tudo o que eu queria era dormir na minha cama enorme. E, terceiro, a superação: 

- Eu vou matar essa feladaputa. 

Peguei um tênis Nike no armário, tamanho 44. Deixei de usá-lo quando deixei de calçar 44, há muito tempo atrás, mas não joguei fora. Sabia que um dia poderia ser útil. E fui pra cima dela, com um tênis na mão e a vassoura na outra. Imaginei a cena patética, alguém me surpreendendo na porta do quarto, tirando foto de mim naquela pose ridícula típica que só os bêbados espreitando baratas de madrugada fazem. Minha testa começou a suar. Sempre a maldita testa. No menor sinal de situação adversa, ela já desanda a pingar. Que conste nos autos: eu odeio a glândula sudorípara da minha testa. Cheguei perto do bicho e assustei. Se eu disser que ele era do tamanho da minha mão, por muito pouco não seria uma mera hipérbole. Foi quando fiz tudo errado: joguei o tênis, errei o alvo e o bicho correu pra debaixo da escrivaninha. 

Começa a odisséia. Tirei tudo de cima da mesa, espirrei o Raid por baixo, arranquei gavetas e nada de achar o baratão. Virei a mesa e nada. O bicho certamente chispara para a quarta dimensão ou para a cabeça do John Malkovich. Padre Quevedo não explicaria. Meia hora depois da caça, bandeira branca amor, não posso mais. Peguei meu travesseiro, minha colcha, minha dignidade e fui dormir na sala. 

Lá, após deitar no sofá e notar os primeiros raios da manhã, percebi que tudo me olhava. As estatuetas dos cavalos em cima do piano riam de mim. A samambaia americana no teto me olhava de esguio. O buda na estante apertava as bochechas pra esconder a galhofa. E, desprovido de qualquer juízo crítico, levantei e ganhei o corredor de volta me sentindo o próprio Marechal Montgomery durante a invasão da Normandia: 

- Ninguém tira a minha cama no sábado pela manhã. 

No quarto, arremessei a escrivaninha longe, o que fez a barata correr para o outro lado. Peguei o tênis Nike e o arremessei à longa distância, pegando o bicho em cheio. Foi o ploft mais prazeroso de minha vida. Com o barulho, as luzes dos outros quartos acenderam e ouvi passos. Enquanto eu contemplava sereno a barata em estado líquido sob o tênis, a matriarca dos D´Angelo Vives adentrou o recinto:

- Se você está tendo dificuldades em ser útil a esta hora da manhã, eu posso lhe dar algumas sugestões. 

Mas a bronca já não importava. Os sabiás já cantavam em minha homenagem. Aquiles, Sansão, Spartacus e William Wallace, a honra dos grandes guerreiros estava salva. Cara no travesseiro e boa noite.

sexta-feira, 24 de setembro de 2004

PARAOLÍMPICAS

- Inverídica a informação de que o exame anti-doping das provas de basquete em cadeira de rodas consiste em checar se as cadeiras têm motorzinho. 

- Na prova de hipismo ocorrida ontem, um dos cavalos teve um piripaque, soltou um "ai!" e caiu morto. O cego que tava em cima caiu de cara no chão. Os cavalos também são paraolímpicos. 

- Jundiaí Paraolimpic Games 2012: em terra de olho, quem tem cego errei.

segunda-feira, 20 de setembro de 2004

PELO DIREITO DE NÃO SER NERD

Não tenho o hábito de falar de mim aqui, mas hoje abro uma exceção. Tive uma discussão com um amigo meu que iniciou uma frase "nós dois que somos nerds...". A resposta veio árida: 

- Nós, você diz, você e sua mão esquerda? 

Então deixemos uma coisa bem clara, de uma vez por todas: não sou nerd. Tenho muitos amigos que se auto-intitulam nerds e nada tenho contra quem o seja. Mas me incluam fora dessa e, no caso do nerdismo ser um frustração em sua vida, não a desconte em mim. Em primeiro lugar, não sou fã de nenhum seriado obscuro que passa na TV a cabo nas madrugadas de terças-feiras, a única banda nerd que gosto é o Weezer, acho Harry Potter o típico moleque em que eu tacaria bolinha de papel o tempo inteiro na escola e, se tivesse que classificar Senhor dos Anéis em uma só palavra, esta seria "aborrecedor". Não tenho nada contra quem gosta, você não vai me ver debochando de quem gosta, mas me reservo o direito de não gostar, não ler o livro, não ver o filme e não me sentir um ET por não gostar de um moleque de 12 anos que faz mágicas em vez estar jogando bola por aí, comprando Playboy escondido da mãe ou assistindo filmes de James Bond. Acho A Guerra dos Botões setenta e cinco vezes mais interessante que Harry Potter, e nem por isso saio por aí xingando meus amigos fãs do nerdinho mágico (a recíproca acontece comigo a cada novo filme da série). 
"Mas você não sai do computador, seu nerd", já está dizendo algum trilambda leitor disso aqui, frustrado com minha condição anérdica. De fato, passo a tarde no computador e, chegando em casa, prefiro a internet a TV. Na net eu faço o que quero, na TV sou obrigado a ver a cara do Gilberto Barros no Boa Noite Brasil, e isso não é agradável. Em compensação, pouco sei do que não é internet no mundo dos computadores. Sexta-feira passada meu editor me ensinou que existe uma ferramenta no Word que transforma as letras maiúsculas em minúsculas e vice-versa. Coisa que qualquer nerd sabe desde dos 13 anos, quando usava o 386 do irmão mais velho. Mal sei usar o Word, não sei usar o Excel, o PowerPoint, Acrobat e todo o resto. E, se me permitem um mea culpa aqui, não tenho orgulho disso. Todo conhecimento é bom. 
Acho Guerra nas Estrelas um filme legal, assim como Matrix. Nada além. O último seriado que eu parava o que estava fazendo para assistir foi Agente 86, quando tinha uns oito anos. O último video game que joguei foi o Super Nintendo, e atualmente, no computador, só uso o SimCity, Civilization, Commandos, GTA3 e o Need For Speed Underground. Absolutamente abomino qualquer coisa relativa a RPG e, justamente por isso, prefiro pagar 20 reais pra assistir uma pornochanchada dos anos 70 do que receber 20 reais pra por a bunda durante três horas no cinema pra ver um senhor e seus anéis, num exemplo hipotético. 
Entrei no Orkut quando poucos já haviam entrado, me senti uma menina de treze anos diante de seu diário e saí. Em absoluto não acho você, nerd e orkútico, uma menina de treze anos diante do diário. Eu me senti assim, o que não quer dizer que te ache assim. Não encho ninguém que ama o Orkut e acho que quem gosta tem que aproveitar mesmo. Mas ando com as bolas feito balões de tanto que me chamam de chato por não estar no "mundo de dentro" do Orkut. 
Mas não sejamos simplistas. Não ser nerd não significa que eu me ache um fodão, por mais que eu diga isso por aí, sempre aspirando a galhofa. Em verdade, sou um ex-fodão. Até o cursinho, eu era o moleque interiorano tipíco e "cheio de querer", pra quem a vida eram as risadas na escola, a tarde pra dormir, o clube de noite e a cerveja antes de dormir. Todos os dias. Foi bom enquanto durou, mas não é mais e, pra falar a verdade, nem sinto mais falta. 
Hoje sou um sujeito normal, com amigos nerds e fodões de quem gosto muito, independente de qual lado estejam, mas que não se enquadra em nenhum dos pólos. Se você é nerd assumido ou não, tem o meu respeito. Mas eu não sou nerd, e me sinto muito feliz do jeito que sou.

sexta-feira, 17 de setembro de 2004

A MINHA PARTE EU QUERO EM FROLIC

Descendo a Angélica após sessão de Garotas do ABC na Augusta, reparo em uma faixa estendida na esquina com a Baronesa de Itú. Demorou um pouco para que estes olhos míopes e astigmáticos percebessem não se tratar de mais uma faixa da campanha Suje a cidade mas escolha um vereador. Não. Era uma importante demonstração de civilismo e apego às coisas importantes de nossa sociedade que as dondocas higienopólicas estão organizando: trata-se de convocação para uma passeata na ex-praça Buenos Aires (dizem que agora é parque, mas não é). Passeata? Em verdade, uma cachorrata. Sim, isso mesmo que você, otário, entendeu: uma passeata de cachorros na ex-praça Buenos Aires nesse domingo próximo, acho eu, com o patrocínio de um veterinário local. Não é fantástico? Como diria o Bill Gates naquela propaganda do Unibanco de dez anos atrás: "Why didn´t my bank think of that?" Nesse bairro, onde as pessoas só se mobilizam pro Roxaxaná e pras reuniões da TFP, agora há também uma cachorrata. 
Já estou fantasiando cenas para meu mais puro deleite. Dondocas higienopólicas e seus Yorkshire tarados são o que há de mais cinematográfico e humorístico desde que o Monte Python criou a corrida de cem metros rasos para pessoas sem senso de direção. As senhoras maquiladíssimas e seus cachorros perfumados se misturando sob um sol de trinta e poucos graus. Serão tantos batons, coleiras, beijos, abraços, pêlos, perfumes, mordidas, cocôs e cãimbras que eu não posso deixar de comparecer. Mas tenho que entrar na onda e por isso procuro um parceiro canino. Cogito a Doutora Havanir. Mas sem maldade, trata-se apenas de uma questão de eventual auto-defesa. Se alguma gangue de marombados permitir que seus pitbulls cheirem meu cangote, lanço-lhe a frente minha comparsa canina: 

-MEU NOME É HAVANIR CINQUENTA E SEIS! 

E até o mais machão dos pitbulls virará um dócil hamster por causa do aspecto hostil e do mau hálito da doutora (só eu sinto o bafo dela durante a propaganda eleitoral na TV?). E tenho que me preparar para a parte mais desarmônica da cachorrata: os pobres que dormem nos entornos da ex-praça pediriam um tiquinho de ração pra poderem alimentar os filhos. Isso será a mais pura deselegância, pois, apesar da ex-praça ser pública, este é um evento nobre e classudo. É proibida a entrada de negros, só de cachorros. Por favor, se você é mindingo e está lendo estas bem traçadas linhas, já te digo que de nada adiantará argumentar que você teve que vender o baço pra alimentar o filho doente. As dondocas higienopólicas só utilizam ração importada com a qual seu sistema digestivo rude não está preparado. Na pior das hipóteses, Frolic, o que ainda é muito caro para vocês. Lembram-se quando vocês eram pequenos, passavam em frente das Casas Bahia e viam nos televisores da CEE o anúncio "Só Frolic faz seu cachorro fazer fezes mais firmes e sadias"? Pois é. Não é pra vocês. Homem que come pedra sabe o intestino e o bolso vazio que tem. Como diria Fausto Wolff, sempre ele: não comer é uma questão de disciplina. 
O fundamental aqui é a boa notícia que eu tinha que dar para a Karen (Minha única leitora. Todos os outros são colegas de blog): o pós-modernismo está acabando. A sociedade está se mobilizando novamente. Uma cachorrata hoje, Diretas Já para Cuba amanhã. 

Cidadania é isso aí.

quarta-feira, 15 de setembro de 2004

SÓ O KAZAA SALVA

Smile é uma música que todos deviam parar o que estão fazendo pra ouvir. É aquele tipo que mete respeito. Talvez seja apenas bonita, mas eu tinha uma versão sobre ela que deixou Smile meio como um mito: Charles Chaplin compôs quando teve uma briga com o governo americano, que o acusou de comunista e tirou tudo o que ele tinha. Então, com uma mão na frente e outra atrás, pobre, desolado, sentou e escreveu: 

Smile, tho' your heart is aching, 
Smile, even tho' it's breaking 
When there are clouds in the sky, 
You'll get by 
If you smile 
Through your fear and sorrow 
Smile - and maybe tomorrow 
You'll see the sun come shining through 
For you. 

Um libelo anti-fossa, pra ecoar pra eternidade. 

Mas segundo intermináveis discussões filosóficas com Petria Bolaños via Messenger na madrugada, Smile foi composta quando a primeira namorada dele morreu. Uma versão ainda mais marcante. Pra acabar com a dúvida, dei um Google (não sei do que seria do jornalismo sem o Google). Sobrancelha esquerda levantada: Chaplin compôs Smile como Modern Times, sem letra, pro filme de mesmo nome. Em 1954, uma dupla criou a letra e a deu pro Nat King Cole cantar (antes disso, João de Barro, o Braguinha, compôs em português uma versão que é de chorar). Foi-se o mito. 

Desculpa, mas eu mantenho meu mito. Me toca aquela veia do fundo, que só se toca de vez em quando, em tempos difíceis. Música é isso. Eu gosto de música em que, se não for profunda em si, o cantor ou a cantora a conduzem de tal forma que você não tem alternativa a não ser encher os olhos. Por exemplo: Roy Orbison cantando Crying e In Dreams. Joe Cocker em You are so Beautiful. Walk after you, Foo Fighters. Elis Regina, em Como Nossos Pais. Essa é clássica. Um compositor medíocre, o Belchior, faz uma música boa, e a cantora faz dela tão vibrante que te faz querer espantar os demônios pelas janelas toda vez em que a escuta. 
Quando as duas coisas se juntam, bate aquela certeza de que você é uma pessoa de sorte por existir e poder dar ouvidos àquela canção. Ian Curtis do Joy Division em Atmosphere. John Lennon em Stand by Me. Pictures of You, The Cure. Disparada, Jair Rodrigues. Calix Bento, Pena Branca e Xavantinho. Beth Carvalho em Andança. 
Enfim, eu passaria a noite descrevendo meus três anos de Kazaa. 
Fica pra próxima. 

sábado, 11 de setembro de 2004

JÁ PODEIS DA PÁTRIA, FILHOS

Por causa de meu TCC, descobri que existiu no Brasil um alemão chamado Schultz-Wencke. Leiam de novo e repitam em voz alta o nome do figurão: Schultz-Wencke. Excluam o personagem e se atenham ao nome dele. Na hipótese de ter sido um nada em vida, resta-lhe o consolo de ter se chamado Schultz-Wencke. Quantas pessoas tem uma certidão de nascimento tão voluptuosa? 
A grande frustração da minha vida certamente é não me chamar Schultz-Wencke. Fosse militar, nosso personagem não poderia começar a carreira em uma patente que não fosse a de general. Dá pra imaginar um cabo chamado Schultz-Wencke? É claro que não. Fosse jornalista, qualquer coisa menor que diretor de redação lhe cairia mal, deixaria a redação triste, com o ar pesado de um ambiente de trabalho que não faz justiça a seus funcionários. E logo em seu primeiro dia, uma manifestação dos colegas de redação exigiria o posto máximo a ele: "Queremos ser comandados pelo camarada Schultz-Wencke". Camarada sim, porque um nome desses não permite tratar-se de uma redaçãozinha qualquer. Teria que ser a de um semanário marxista e panfletário, daqueles perseguidos pela Gestapo, incravado no porão de um pacato asilo na Munique dos anos 30. Algo como Die Revolutiken. E, adicionado a uma morte pomposa, tem-se o mito: "Schultz-Wencke, o símbolo da resistência, sobreviverá ao rolo compressor da História", nos diria o final de um filme qualquer, baseado em uma de suas seis biografias. 
Nada mal também para um político. Vitória na certa em qualquer eleição, de síndico de prédio a Primeiro-Ministro: "Em visita extraordinária, o chanceler Schultz-Wencke foi recebido pelas massas ao desembarcar no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro", diria o speaker da Rádio Nacional. 
"Não, político não dá", já diria a vizinha de Nelson Rodrigues, gorda, patusca e cheia de varizes. Pois digo que o problema é que estão todos acostumados com o anti-glamour da política tupiniquim. Veja por exemplo a nossa prefeita que, para sustentar algum garbo, além de fazer botox se vê obrigada a manter o sobrenome do marido. Não fosse Suplicy, a chamaríamos todos de Marta Smith. Smith?!? Silva, em inglês. Silva é tão pobre que não deveria vir nem com letra maiúscula. Todo Silva é um silva e ponto final. De loira fatal para uma silva em apenas cinco letras. E aquele outro, o mordomo de filme de terror? Serra. Não um machado, não uma picareta: serra. Tá, picareta até que lhe cai bem, mas não vem ao caso agora. E tem mais uma, cujo segundo nome parece ser um adjetivo cabeludo: Luíza Erundina. Imagino um casal brigando, a mulher esbofeteia o marido, e ele, fora de si: 

- Fora de casa agora, sua.......sua.......erundina! 

Era isso o que eu queria dizer: o Brasil terá uma eleição limpa, honesta e diferenciada só no dia em que eu me chamar Schultz-Wencke.

quinta-feira, 9 de setembro de 2004

ESTE MUNDO É UM PANDEIRO

Folha de S. Paulo, 8 de setembro de 2004. Caderno Brasil, seção Painel: 

De ouro 
Rachel Picelli, candidata do PT à Prefeitura de Rio Claro (SP), propõe contra o desemprego distribuir uma galinha caipira a cada morador, transformando o centro industrial em pólo produtor de aves e ovos. 

Fosse eu rioclarense, utilizaria a galinha que me cabe para posterior macumba contra a iluminada criatura que teve essa idéia. 
Cidadania é isso aí.

segunda-feira, 6 de setembro de 2004

AS ILUSÕES PERDIDAS

Como de costume, noite dessas, ao me jogar na cama para dormir, deitei o braço na testa e comecei a divagar sobre coisas importantes. Normalmente é essa a oportunidade em que tento responder questões profundas da humanidade, do tipo "Christopher Lee, como Francisco Scaramanga, foi um vilão mais competente do que Christopher Walken, como Max Zorin, nos filmes de James Bond?", ou então "Mira Sorvino está mais sexy em O Verão de Sam ou em À Primeira Vista?" Enfim, o ser, o tudo e o nada, com ênfase no nada. 
Mas semana passada algo que não estava no script ocorreu. Lembrei dos gibís da Disney que eu comprava quando pivete, sobretudo os do Tio Patinhas. E, ao pensar a respeito, uma constatação que me fez sentar na cama, me tirou o sono e quase me botou o fígado pela boca: a Margarida era uma vagabunda. Sim, uma vagabunda, uma reles rampeira. Margarida era a noiva do Pato Donald, mas era só o Gastão pintar na área e balançar a carteira que, no quadrinho seguinte, dois ou três coraçõezinhos já apareciam em volta da cabeça dela. Como é que eu nunca percebi isso antes? Ela vivia dando voltas na baratinha do Gastão, o que faz da Margarida um clichê da maria-gasolina típica. Meu Deus, não é possível que eu só vim perceber isso uns 13 anos depois do último gibi de Walt Disney comprado. 
Em verdade, eu nunca gostei do Pato Donald. Menos pelo fato dele ser um looser, corno, pau mandado do tio e ter três sobrinhos mais espertos do que ele, mas sobretudo por não compreender uma palavra do que ele dizia. Pra mim, episódio bom do Duck Tales era quando o Donald pouco se manifestava. Assim eu entendia o enredo. Mas também não gostava do Gastão, porque ele tinha aquele cabelo ridículo de quem dorme com bobs. Eu gostava mais do Peninha, que pouco aparecia, apesar de seu aspecto hostil nos permitir sentir suas axilas em polvorosa. Também achava legal o Professor Ludovico, a Florisbela, o Professor Pardal e a Lampadinha (quando vejo o Leandro e seu cabelo exótico andando com a Karen e sua pequena dimensão, associo logo com o Professor Pardal e a Lampadinha). E, neste hall de personagens simpáticos, estava também a Margarida. Vaca deplorável. 
Depois dessa noite lamentada e mal dormida, só me resta a depressão. Eu devia era ser fã da Marvel. Duvido que tivesse alguma decepção depois de 13 anos. Tira esse sorriso da minha frente, que eu quero passar com minha dor.

quinta-feira, 2 de setembro de 2004

MALANDRO É MALANDRO E MANÉ É MANÉ


Meu caro Bezerra, você apertou, mas se não acender agora não acende mais.

quarta-feira, 1 de setembro de 2004

LIÇÕES PARA TODA A VIDA

Avenida Brigadeiro Luís Antônio, tarde de inverno na capital paulista. Subindo em direção à Alameda Santos vai o infausto estagiário do Fala, que eu te escuto, Felipe Corizza. Ao parar na esquina entre as duas ruas, um sorriso: é o dia que ele tirou para cortar seu cabelo no Soho´s. Desde menino ele almejava tosar as melenas no ponto preferido das suas coleguinhas de classe. E, com hora marcada, nada o impediria de realizar seu sonho pueril naquela tarde. 
Felipe Corizza adentra o recinto quando é prontamente atendido pelo famoso nipo-cabelereiro Sushimura, responsável pelas medeixas de onze entre dez estrelas da Rede Record. O Pastor Dedini pessoalmente recomendou-o a seu estagiário. "O japa é bom!", dizia ele, "O japa é bom!". E lá se foi nosso anti-herói em busca da felicidade capilar. Após acoplar o pandeiro na cadeira, o dito cujo percebeu o nipo-cabelereiro batendo a tesoura no pente: 

- Então, queridão, como vai ser? 

Felipe Corizza alegra-se: 

- Eu quero cortar igual a Salete Lemos. 

Espanto. 

- Igual a... Salete Lemos? 

- Isso mesmo. Igual a Salete Lemos - confirmou Felipe Corizza, enquanto sacudia a toalhinha no colo. 

- Bem...não quero soar hostil... mas... creio que não será possível. 

- Não!!? 

- ÃÃÃ....... não. 

- COMO NÃO?!?!? EU TÔ PAGANDO!!! QUERO MEU CABELO IGUAL AO DO SALETE LEMOS AGORA! 

Os outros nipo-cabelereiros do recinto entreolham-se. 

- Mas é que você... não tem mais cabelo. - replica o apreensivo Sushimura - Desculpa. 

- Eu... não tenho mais cabelo? Que absurdo é esse? É claro que eu tenho cabelo. E quero deixá-lo igual ao da Salete Lemos. 

O cabelereiro pega um espelhinho e o coloca atrás do estagiário: 

- Ó só, ó. 

Felipe Corizza então tem a constatação que mudaria sua vida: no alto de sua cabeça, através do reflexo dos espelhos, seus olhos enxergam apenas um resquício de mata capilar. 

- Mas... eu to careca! 

- Sim. Se quiser, aparo as costeletas e vamo que vamo. 

- Mas você não teria aí uma peruca igual a da Salete Lemos? Eu queria muito me parecer com ela. 

- Desculpa. Fica pra próxima. Encarnação. 

E foi naquela tarde que Felipe Corizza tomou conhecimento de duas grandes lições que carregaria por toda vida: 

1) Ninguém se iguala a Salete Lemos; 

2) O Soho´s não trabalha com perucas. 

terça-feira, 31 de agosto de 2004

UMA IDÉIA DE ELEGÂNCIA

CartaCapital, 1º de setembro de 2004. Seção de Cartas. 

Caubóis da liberdade de imprensa 

Já era sabido que CartaCapital é órgão comunista e apóia o que há de comunista no partido que hoje governa. Não deixa de ser, contudo, chocante ver um órgão da imprensa apoiar o ditatorial projeto de cendura à imprensa, ostentando em manchete a contrariedade dos "mandachuvas". Ora, o Sr. Mino Carta é um desses mandachuvas. Graças a ele e a outros como ele estão no Planalto o Lula, o José Dirceu e companhia. Será que o Sr. Mino Carta espera que os seus amigos nunca sairão de lá? Sem dúvida, eles acalentam esse sonho. Porém, é possível que tenhamos algum governo de direita em breve - graças, inclusive, à incompetência do PT -, e então o que dirá o Sr. Mino Carta sobre a censura à imprensa? 

Milena Cardoso Costa 
por e-mail 

RESPOSTA DE MINO CARTA 
Não sei qual é o regime alimentar do presidente Lula e cia. Quanto a mim, apraz informar, dona Milena, que devoro criancinhas, semana adentro, no almoço e no jantar

sexta-feira, 27 de agosto de 2004

MODÉSTIA À PARTE, EU SOU UM BOSTA

Em um certo núcleo de publicações infantis e adolescentes da editora da árvore verde, onde ficam a Capricho e a Playboy, há um sub-núcleo esquecido onde se encontra uma revista obscura para crianças chamada Intervalo (seria Recreio? Algo assim. Vai saber). Esta revista carrega consigo um paradoxo jornalístico: fazer uma revista para indivíduos que não sabem ler, e que não são cegos. Afinal, graças ao governo Covas, crianças que vão mal na escola não podem repetir de ano, o que está formando uma geração paulista de burros, toupeiras e escritores de auto-ajuda. A revista acaba indo cada vez pior, já que criança alguma consegue mais ler. 
Pois tenho uma idéia única, genial e modesta, inspirada no que Morgan Spulock estudou e dedou sobre o McDonalds naquele filminho engraçado: seduzimos as crianças, não no sentido patírico da coisa, é claro. Trata-se de uma seção sobre sexo e que tais na Recreio. Assim, os pimpolhos vão aprendendo a gostar da coisa e, futuramente, sem perceber, estarão comprando Playboy, Vip, a PHT e qualquer coisa que tenha um par de nádegas bem fornido na capa. Como primeira pauta, sugeri para a estagiária da revista que contasse a história da macarronada à la putanesca, surgida num bordel da Itália. Depois passasse para as melhores brincadeiras de médico, com depoimentos e um guiazinho prático para brincar sem restrições. As melhores cantadas para testar em sua professora de história, aquela balzaquiana gostosona. E - por que não? - patrocinar um campeonato de strip-super trunfo. Enfim, sacanagem com glamour. Mas a estagiária, sem visão mercadológica da coisa e preocupada com a formação humanística de seu próprio rebento, rechaçou a idéia. 
Minha cara, saiba que formação humanística é coisa de viado. Você não entende o que é esse mundo, não sabe se vender, não se preocupa com nádegas e pensa que criança gosta de salamandras e guloseimas. 
Mandasse eu aqui e te mandaria pro almoxarifado. Como diria aquele outro: "Caia sobre mim, ó mais valia!". 

terça-feira, 24 de agosto de 2004

VAGANDO E RUMINANDO POR ESTE VALE DE LÁGRIMAS

Em 1998, quando meu objetivo de vida era ganhar pêlo no buço pra deixar o cavanhaque, vi entrar pela porta da sala um Pentium 233 branco nos braços do meu irmão e de um amigo dele. Uma sobrancelha levantou-se involuntariamente, entre o espanto e a curiosidade: 

- É de comer? 

Seis anos separam o fato concreto da lembrança que meia dúzia de neurônios ainda desocupados insistem em guardar. Porra, seis anos é muito, não parece e eu lembro de tudo. Deixei de lado o jogo Escócia X Noruega pela Copa e ajudei meu irmão a plugar os fios. E, quando pronto, o "faça-se a luz" surgiu ao apertar o botão redondo do Start. Minha irmã me ensinou que existia algo chamado e-mail e outro chamado site, e que só um deles continha o arroba, que pra mim era algo usado pra medir peso de gado. Era engraçado. Só não era mais engraçado do que quando ela criou um e-mail pra mim num negócio azul e branco chamado "Correio Quente", que eu traduzi como "Mala quente" por pura pirraça. Eu gostava de ser o palhaço. Era bom ser o caçula, eu perguntava sobre bananas e me respondiam uma plantação inteira. Qualquer piada sem graça era devolvida com apertões de bochecha. 
Mas o legal era jogar. Eu que nunca havia tido um video game agora podia jogar o Fifa 94 por horas a fio, até virar craque e vencer uma Copa com a Costa do Marfim. Não demorou muito, isso aconteceu antes do meu buço encorpar e eu deixar o cavanhaque, sob encomenda de uma moça cujo rosto mal me lembro, mas cujo cheiro ainda resvala aqui dentro quando pego o carro e passo em frente à escola onde ela estudava. Tinha também um rali de vans sobre rodões em versão demo, que eu viciei mas não lembro nem do nome. 
Mais tarde descobri que internet era algo a explorar, e havia um tal de chat, que eu chamava de "xati", onde a gente só conhecia menina feia e ficava zuando com nicknames chamativos de momento. Por exemplo: quando o Brasil perdeu pra Noruega, entrava como Flo, nome do artilheiro norueguês. Tinha aquela novela Torre de Babel, e eu entrava como Jamanta e ficava repetindo "Jamanta explodiu o shops. Bum!". Ou então me denominava Johnny Percebe e ficava chamando as meninas de "Minha Edileuza" e "Berinjela da minha marmita". O palhaço perde a dignidade mas não perde a oportunidade de arrancar um sorriso besta aos tapas. Depois o Bandido da Luz Vermelha foi solto, deu uma coletiva ao vivo no Ratinho e virou meu nickname por um bom tempo, e, na escola, ficava imitando o dito cujo cantando pros microfones dos repórteres. 
Depois disso meu passatempo predileto passou a ser entrar nos chats de evangélicos como "Ateu" ou "Padre Quevedo" (antes da fama), o que me gerou várias gargalhadas, dado o desespero daquelas figuras coitadas que achavam que iam me converter na base do "Este corpo não te pertence". O ápice foi quando encontrei uma menina do meu estilo em uma dessas salas e fingimos fazer sexo virtual, esvaziando a sala na hora e deixando um evangélico tão nervoso que acabou me chamando de filhodaputa. 


Tô pensando onde quero chegar. Há uns dez dias, na última vez que estive em Jundiaí, bati o olho naquele Pentium 233 amarelado no mesmo canto da sala em que minha irmã me pegou pra ensinar a diferença entra um e-mail e um site, e senti um arrepio. Um vento imaginário me soprou no ouvido: "O tempo passou, idiota". Hoje, sem nada pra fazer nessa madrugada insone, entrei novamente num "xati" evangélico por pura descontração. Mas na hora de entrar, o mesmo vento imaginário soprou no ouvido: "O tempo passou, idiota". Não tenho a menor intenção de voltar no tempo. Saí pra ler meu e-mail. 
Eu gosto de Sílvio Rodriguez, cantado por Chico Buarque: "Soy feliz, soy un hombre feliz, y quiero que me perdones por este dia los muertos de mi felicidad." 

Tô falando de mim por puro ócio e egocentrismo, são quatro da manhã. Prometo voltar ao sarcasmo desenfreado o mais rápido possível.

quinta-feira, 19 de agosto de 2004

OLÍMPICAS

- Como diz um editor meu: o Brasil na Olimpíada só tem medalha no nabo sincronizado. Você assiste basquete, e nabo. Muda pro hipismo, e nabo. Muda pro judô, e nabo. Tudo sincronizadinho entre os canais. 

- O iatista brasileiro Robert Scheidt perdeu hoje a liderança de sua classe para um um austríaco. Detalhe: a Áustria não tem mar. O sujeito deve treinar escorrendo dos Alpes. O próximo passo é perder na canoagem pra equipe boliviana. Nabo! 

- Nem tudo são trevas para o Brasil. Mantivemos nossas tradições: na natação, não levamos medalha e fizemos xixi na piscina. 

- O momento sensacional dos Jogos até agora foi a partida de pólo aquático entre Austrália e Egito, 30 a 6 pros primeiros. No final do jogo, o goleiro egípcio, de um metro e meio de altura e que, pelo placar, nunca teve muita intimidade com a coisa, quase morreu afogado. E pior: quando agonizava, tomou uma bolada na cabeça. Lance pra contar pros netos. 

- Depois da guerra, os iraquianos juntaram onze mancos de muletas, foram pra Atenas e ganharam de Portugal no futebol. Os portugueses já marcaram um amistoso contra um combinado de chimpanzés anciãos, mas temem pela experiência dos adversários. 

- A prova de arremesso de martelo feminino ocorreu em seu berço, Olímpia. Todas as partipantes são muito parecidas com Zorba, o Grego. Só que têm bigodes mais avantajados. Dizem que a russa que levou a medalha de ouro é presidente do Sindicato dos Estivadores Transformistas da Sibéria. Mas talvez seja só maldade. 

- Hipismo é a modalidade mais cretina dos Jogos. A medalha devia ir pros cavalos, e não para os idiotas que os montam. Ou então, uma mudança radical nas regras: os cavalos montam nos idiotas. O último idiota a relinchar leva o ouro. 

- As japas da China surpreenderam na natação, os japas do Japão surpreenderam na ginástica artística, os japas da Coréia, como sempre, estão tentando imitar pra um dia fazer igual. Como são todos japas, poderiam competir como um país só e esquecerem os preconceitos entre si. Porque eu odeio preconceito. 

- Continua a todo vapor a campanha "Jundiaí Olimpic Games 2014 - Poor, but little cleaned". Jayme Cintra vai tremer. Chupa Nuzman. 

segunda-feira, 16 de agosto de 2004

O PROCESSO LETÁRGICO

Poucos livros são tão marcantes na História da Literatura quanto O Processo, de Franz Kafka. Mas quase ninguém teve o privilégio de conhecer a obra O Processo Letárgico, de seu primo pobre e desconhecido chamado Franz Kafé. Sorry Periferia recuperou a obra da lixeira da História e publica um trecho dela em primeira mão: 

"Alguém devia ter contado mentiras a respeito de Fernando V., pois, não tendo feito nada de condenável, uma bela noite, sentado em um Franz Café de Jundiaí, teve todos os seus pedidos recusados. V. ainda esperou mais um pouco, observando de sua mesa a senhora idosa do outro lado do shopping que parecia olhá-lo com uma curiosidade fora do comum, mas logo, esquecendo-se dela, sentiu fome e tocou a campainha. Imediatamente ouviu uma batida à porta e em seguida entrou um atendente que nunca vira antes. 
- Tocou a campainha? 
- Sim, eu queria um chocolate quente - disse V., e pôs a analisar o camarada silenciosa e cuidadosamente, tentando descobrir que espécie de atendente ele poderia ser. O atendente não se submeteu à análise por muito tempo, mas dirigiu-se à porta da cozinha abrindo ligeiramente, como para prestar contas a alguém que evidentemente estava por trás dela: 
- Ele disse que quer chocolate quente. 
Como resposta ouviu-se na cozinha uma gargalhada que soou como se viesse de várias pessoas. Embora o atendente desconhecido não pudesse ter sabido com aquela risada coisa alguma que já não soubesse, disse a V., como se transmitisse uma informação: 
- É impossível. 
- Essa é boa! - exclamou V., saltando da cadeira e apressando-se em enfiar a jaqueta. - Quero ver quem está atrás da porta da cozinha e como o gerente explicará tudo isso. 
- Não seria melhor ficar aqui? 
- Não ficarei, e não permitirei que se dirija a mim até que o gerente se apresente. 
- Minha intenção foi boa - disse o estranho atendente, abrindo a porta por iniciativa própria. 
Na cozinha, na qual V. entrou mais devagar do que se pretendia, à primeira vista tudo pareceu igual a qualquer café existente na cidade. E em um canto estava um outro atendente, sentado em frente à janela aberta e lendo um livro, do qual ergueu os olhos assim que viu V. 
- Devia ter ficado em sua mesa! 
- Não. E acho melhor o senhor ir servir meu chocolate quente - disse V. 
- Não - disse o atendente perto da janela, atirando o livro sobre uma mesinha e erguendo-se. - Não podemos servi-lo. 
- É o que parece - revidou V. - Mas por quê? - acrescentou em seguida. 
- Não estamos autorizados a dizer-lhe. Vá para sua mesa e espere lá. Abriu-se um pedido de recusa contra o senhor, que será informado de tudo no devido tempo. Estou infringindo ordens que me foram dadas, falando-lhe assim gentilmente. Espero, porém, que ninguém esteja ouvindo a não ser Franz - o outro atendente - que por sua vez também se permitiu demasiadas cordialidades ao dirigir-se ao senhor. 
- Mas eu só pedi um chocolate quente! - bradou V. 
- Lamento - disse Franz -, mas temos ordens expressas de não lhe servir. Sente-se em sua mesa e espere a chegada dos superiores. Não sei porque o senhor não pode ser atendido. Mas compreendemos bem o fato das autoridades do Franz Café, às quais servimos, de terem nos ordenado lhe dar um chá de cadeira ao invés de um chocolate quente. Devem ter se informado cuidadosamente sobre os motivos do atendimento precário e a sua pessoa. Não pode haver nenhum erro sobre o caso." 

TO BE CONTINUED... 

CONSIDERAÇÕES ALEATÓRIAS* SOBRE O NADA

 - Ó mar sem igual, quanto do teu sal são piadas de Portugal

- Após assistir trechos da partida entre Alemanha e China, pelo futebol feminino das Olimpíadas, Sorry Periferia sugere trocar o nome da modalidade para "Futebol Semi-Masculino". 

- Como diria um grande orientador de TCC: "Olimpíada nada mais é que um grande Jogos Abertos do Interior". 

- Após ver as fotos da filha nua sem pêlo para a Playboy, a mãe de Mel Lisboa declarou: "Ela tem muito respeito pelo poder do cosmo e por isso tem seu mapa astral tatuado no dorso". Fernando Vives, notória figura astrologicamente subversiva, se propôs a tatuar um cérebro na cabeça da atriz. 

- Cheire cocaína. Trinta milhões de pessoas não podem estar erradas. 

- Uma famosa estagiária de uma revista para ninfomaníacas frustradas, de uma grande editora de Pinheiros, declarou à reportagem que um amigo seu utilizou folhas da Bíblia para bolar e fumar um baseado. A Bíblia, procurada pela reportagem, não quis comentar o assunto. 

- Vale frisar que a reportagem está ouriçada com as possibilidades lisérgicas de se tragar o Pentateuco. 

- Nabil Bonduki: caso não tenha reparado, esses seus retratos espalhados pelos postes da cidade mostram uma bereba enorme brotada no alto de sua testa. Segundo fontes infiltradas pelas farmácias de São Paulo, a procura por Acnase e Minâncora aumentou em 30% graças ao merchandising eleitoral. 

- Após olhar para um dos out-doors do candidato José Serra espalhados pela capital, a aposentada Tritolina Froboño, 75 anos, passou mal e deu entrada às pressas no HC paulistano, onde é mantida em coma induzido. Ao entrar no hospital, teria declarado: "Mordomos de filme terror deveriam permanecer em filmes de terror". 

- Após nunca ter batido o carro uma vez sequer, o editor de Sorry Periferia ralou de leve dois carros diferentes em um mesmo dia. Agora me dêem licença, pois vou tentar o suicídio e volto já. 

- Como diria o Feliz: "E Pirirí, e Pororó". 

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