terça-feira, 26 de outubro de 2004

ANIMAIS HIPÓCRITAS

Quando pequeno, eu gostava de bichos. Passei boa parte da infância brincando com os cachorros, os gatos e as galinhas que haviam no pomar do fundo das casas da vizinhança. Na estante de casa há até hoje uma enciclopédia amarela de cinco volumes intitulada Os Bichos, aliás, pelo qual o atual estado deplorável assumo inteira responsabilidade.
Eu também tinha o hábito de assistir dois programas na TV: América Selvagem (canto a musiquinha até hoje) e o Mundo Animal. E foi neste último que passei a conhecer uma espécime rara de toupeira chamada musaranho. Trata-se de um bicho diminuto, cujos maiores exemplares não ultrapassam os dez centímetros. O musaranho é, enfim, uma toupeirinha. E como se não bastasse ter nascido toupeira, é completamente cego. Exagero: quase completamente cego, pois eventualmente enxerga vultos.
Mas há outra característica que faz do musaranho um bicho tão peculiar ao ponto de me fazer lembrar dele tantos anos depois: sua personalidade arredia. Musaranho que é musaranho não vive em sociedade e só aparece de tempos em tempos, para acasalar. Cada exemplar dessa espécie demarca seu território e não permite que nenhum outro musaranho entre no dele, o que acontece com muitos outros animais. E quando isso acontece, tem-se um duelo que difere o musaranho das outras espécies de bichos arredios. Além de inteligência, o fator músculo também não é recorrente no meio musarânico, o que faz com que esses bichos não se digladiem pelo território. Os adversários simplesmente param em frente um do outro e espicham os corpos na tentativa de parecer maior do que realmente são, mostrando os muques que não existem. São horas a fio de grunhidos, caretas e bíceps inexistentes até que um dos dois se convença que é menor que o outro é vá embora. Patético, ainda mais se considerarmos que os musaranhos são cegos. Ponha-se no lugar de um: você mostra os muques para seu adversário que você acha que está na sua frente, mas que pode ser um ramo mais grosso de tiririca, pois você só é capaz de enxergar um vulto.
Acho que o que vale ressaltar aqui é o caráter hipócrita dos musaranhos. Eles se mostram, disfarçam a pequenez, grunhem e tentam se impor causando medo no adversário. Mas no fundo, eles sabem que não passam de toupeiras cegas.




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