Esse não será um post engraçadinho. Aconteceu em um final de novembro como esse, em um clima ameno como esse, mas com chuvas esparsas ao longo daquela noite. Era uma festa da igreja do meu bairro, uma quermesse mesmo, dessas de se arrecadar fundos pras creches no Natal. Ela sabia do meu interesse. Todos ali sabiam. Mas naquele momento eu já não esperava mais nada.
Todos nós sentados em volta de uma mesa, sonhando com cerveja mas tomando refrigerante, aquele aglomerado de moleques de bermudas largas e bonés, com espinhas e pêlos ralos espalhados pela cara. É quando um vem me avisar. "Vai lá falar com ela. Ela quer falar com você". Aquele um metro e oitenta e cinco saiu desequilibrado para onde ela estava, sem ter idéia do que dizer. Ele a achava tão bonita que ficava intimidado na frente dela. Mas sem qualquer embaraço, ela pegou o grandalhão pela mão e ambos abandonaram o pátio da igreja.
- Onde vamos?
- Não sei, não tenho idéia - respondi - Acho que ali na porta do despachante.
- Ali, em frente da casa da Gislaine? Nem pensar. A mãe dela fica no jardim sentada com o marido depois da novela. Se ela vê a gente, vai contar pra minha mãe.
E então rodamos pelo quarteirão. Era simples assim. Não precisávamos falar mais nada, já nos conhecíamos há meses. Nada era difícil aos 14 anos. A chuva voltou, e improvisamos um refúgio na porta do Jundianel, uma loja de rolamentos atrás da igreja. Havia um degrau, ficamos nivelados em altura. Silêncio. Ela realmente era linda. Com uma blusa vermelha colada ao corpo e uma calça preta que realçava suas formas. Eu, com uma camisa de manga comprida e um bermudão que denunciava minha idade. Passei-lhe o braço pela cintura.
- Você nunca fez isso, mas eu já.
Assenti com a cabeça. Não conseguia parar de olhar para ela. Ela, dez vezes mais mulher do que eu homem. Bentinho e Capitu. Clichê sim, não tenho culpa. Passei-lhe o outro braço pela cintura, ela respondeu com o dela no meu pescoço.
- Você gosta mesmo de mim, não é? Me deixa envergonhada me olhando desse jeito.
Depois só me lembro de fechar os olhos e sentir o cheiro dela e da chuva. Ao fundo, a rádio Dummont que vinha do auto-falante da igreja tocava as músicas da época que eu gravava em fitas cassete. Mas aquele primeiro contato não me remeteu a tudo aquilo que eu via no cinema. Era estranho. A única coisa diferente que senti foi o gosto da saliva dela.
- Me beija de novo que você acostuma. Aí sim fica bom.
Ela tinha razão. Ela só podia ter razão. Eu gostava tanto dessa moça que ela era ali, pra mim, a própria razão em pessoa. E como eu adorava a rádio Dummont. Free as a Bird, ao fundo, foi o que de melhor alguém poderia ouvir naquele momento. Também me lembro de Sounds Like a Melody. Ambas faziam parte da minha coleção de cassetes. As outras muitas músicas não ficaram na memória. E foram quase três horas assim, feito um filhote que sai da toca e que vai tateando tudo até se acostumar com o que a vida tem de bom.
Eu sonhei com isso essa noite. Faz nove anos, eu já não me lembrava mais. Eu seria uma pessoa pior se não tivesse vivido certas coisas, como essa. O mundo foi estreito para Alexandre; um desvão no telhado é o infinito para duas andorinhas.
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