terça-feira, 24 de agosto de 2004

VAGANDO E RUMINANDO POR ESTE VALE DE LÁGRIMAS

Em 1998, quando meu objetivo de vida era ganhar pêlo no buço pra deixar o cavanhaque, vi entrar pela porta da sala um Pentium 233 branco nos braços do meu irmão e de um amigo dele. Uma sobrancelha levantou-se involuntariamente, entre o espanto e a curiosidade: 

- É de comer? 

Seis anos separam o fato concreto da lembrança que meia dúzia de neurônios ainda desocupados insistem em guardar. Porra, seis anos é muito, não parece e eu lembro de tudo. Deixei de lado o jogo Escócia X Noruega pela Copa e ajudei meu irmão a plugar os fios. E, quando pronto, o "faça-se a luz" surgiu ao apertar o botão redondo do Start. Minha irmã me ensinou que existia algo chamado e-mail e outro chamado site, e que só um deles continha o arroba, que pra mim era algo usado pra medir peso de gado. Era engraçado. Só não era mais engraçado do que quando ela criou um e-mail pra mim num negócio azul e branco chamado "Correio Quente", que eu traduzi como "Mala quente" por pura pirraça. Eu gostava de ser o palhaço. Era bom ser o caçula, eu perguntava sobre bananas e me respondiam uma plantação inteira. Qualquer piada sem graça era devolvida com apertões de bochecha. 
Mas o legal era jogar. Eu que nunca havia tido um video game agora podia jogar o Fifa 94 por horas a fio, até virar craque e vencer uma Copa com a Costa do Marfim. Não demorou muito, isso aconteceu antes do meu buço encorpar e eu deixar o cavanhaque, sob encomenda de uma moça cujo rosto mal me lembro, mas cujo cheiro ainda resvala aqui dentro quando pego o carro e passo em frente à escola onde ela estudava. Tinha também um rali de vans sobre rodões em versão demo, que eu viciei mas não lembro nem do nome. 
Mais tarde descobri que internet era algo a explorar, e havia um tal de chat, que eu chamava de "xati", onde a gente só conhecia menina feia e ficava zuando com nicknames chamativos de momento. Por exemplo: quando o Brasil perdeu pra Noruega, entrava como Flo, nome do artilheiro norueguês. Tinha aquela novela Torre de Babel, e eu entrava como Jamanta e ficava repetindo "Jamanta explodiu o shops. Bum!". Ou então me denominava Johnny Percebe e ficava chamando as meninas de "Minha Edileuza" e "Berinjela da minha marmita". O palhaço perde a dignidade mas não perde a oportunidade de arrancar um sorriso besta aos tapas. Depois o Bandido da Luz Vermelha foi solto, deu uma coletiva ao vivo no Ratinho e virou meu nickname por um bom tempo, e, na escola, ficava imitando o dito cujo cantando pros microfones dos repórteres. 
Depois disso meu passatempo predileto passou a ser entrar nos chats de evangélicos como "Ateu" ou "Padre Quevedo" (antes da fama), o que me gerou várias gargalhadas, dado o desespero daquelas figuras coitadas que achavam que iam me converter na base do "Este corpo não te pertence". O ápice foi quando encontrei uma menina do meu estilo em uma dessas salas e fingimos fazer sexo virtual, esvaziando a sala na hora e deixando um evangélico tão nervoso que acabou me chamando de filhodaputa. 


Tô pensando onde quero chegar. Há uns dez dias, na última vez que estive em Jundiaí, bati o olho naquele Pentium 233 amarelado no mesmo canto da sala em que minha irmã me pegou pra ensinar a diferença entra um e-mail e um site, e senti um arrepio. Um vento imaginário me soprou no ouvido: "O tempo passou, idiota". Hoje, sem nada pra fazer nessa madrugada insone, entrei novamente num "xati" evangélico por pura descontração. Mas na hora de entrar, o mesmo vento imaginário soprou no ouvido: "O tempo passou, idiota". Não tenho a menor intenção de voltar no tempo. Saí pra ler meu e-mail. 
Eu gosto de Sílvio Rodriguez, cantado por Chico Buarque: "Soy feliz, soy un hombre feliz, y quiero que me perdones por este dia los muertos de mi felicidad." 

Tô falando de mim por puro ócio e egocentrismo, são quatro da manhã. Prometo voltar ao sarcasmo desenfreado o mais rápido possível.

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