Dulce Emma Monello Vives não foi uma pessoa feliz. Aos 16 anos de idade, após dar a luz ao segundo filho, Dulce deixou seu marido porque não queria uma vida em família. Entregou seus meninos para a avó deles e saiu pela cidade a se divertir. De longe a mais mimada entre três filhos, Dulce gastava o que não tinha com o aval do pai. Seu irmão era introvertido; sua irmã mais velha tinha um problema sério de joanetes nos pés que fez dela inválida antes dos 30 anos de idade.
Em algum momento dos anos 40, quando seus dois filhos começavam a se aventurar no léxico, Dulce os proibiu de chamá-la de Mãe. Afinal, ela era muito jovem para isso, e talvez esse fato afugentasse os namorados. O fato é que os dois meninos cresceram chamando-a simplesmente de Dulce enquanto moravam com a avó, longe da casa da mãe.
Dulce, que não era feia nem bonita, exorbitava-se. Cria ela ser dotada de uma beleza transcendental, divina. Gabava-se de suas pernas. Chegou a dizer inúmeras vezes para sua irmã inválida que ela, por ter os pés inchados e tortos, invejava suas pernas inquietantes. Vivia de amores efêmeros e maquiagem barata, não trabalhava e montou uma pequena pensão com a herança do pai. Perdeu tudo em pouco tempo. E assim cumpria seu destino vazio, sem comos, ondes ou por quês.
Dulce, cujo nome sugere doçura mas que nesse caso não passou de ironia do destino, nunca fez questão de saber das atividades dos filhos. Foi surpreendida quando o primeiro casou, da mesma forma que o foi quando ele morreu em 1978, vítima de complicações advindas da bebida. Quando soube da morte de seu primogênito, teve um surto. O vazio de não ter acompanhado o ciclo de uma vida que ela criou bateu fundo em sua alma.
Quanto ao caçula, talvez nem lembrasse que ele existisse. Em 1969, ele anunciou a todos que se casaria com uma paulistana sorridente e corada. Dulce emitiu um rugido de desdém. Era um sinal de que a velhice lhe batia à porta. Ela odiava a velhice. Não foi ao casamento dos dois e desdenhou de cada um dos quatro netos que iam nascendo daquela bem sucedida relação. Xingava constantemente a nora, talvez porque ela transmitia felicidade ao homem que ela negou que a chamasse de mãe. Fez sua nora chorar incontáveis vezes. Há dez anos não vê os netos.
Dulce não teve amigos. Chutou a família. Esnobou namorados com a mesma intensidade com que foi esnobada por outros amores. Passou a viver de uma mísera pensão do ex-marido (de quem nunca se divorciara oficialmente) e da ajuda do caçula, que lhe paga o convênio médico, comida e, agora, o asilo de qualidade em que está internada. Até há bem pouco tempo ela passava seus dias pregando que teve uma vida horrível. Dulce está completamente fora de sintonia com a realidade e desenvolveu o Mal de Alzheimer. Não sai mais da cama. Suas pernas outrora auto-cultuadas estão com as veias entupidas, e a trombose avança enquanto sua irmã inválida continua de pé. Sua nora, a quem odiava, é a pessoa que hoje lhe dá compreensão e comida na boca.
Dulce Emma Monello Vives morrerá em semanas, e seu neto caçula, que agora escreve esse epílogo, não consegue se lembrar de um mísero momento feliz que tenha passado ao lado da avó.
Nenhum comentário:
Postar um comentário