segunda-feira, 16 de agosto de 2004

O PROCESSO LETÁRGICO

Poucos livros são tão marcantes na História da Literatura quanto O Processo, de Franz Kafka. Mas quase ninguém teve o privilégio de conhecer a obra O Processo Letárgico, de seu primo pobre e desconhecido chamado Franz Kafé. Sorry Periferia recuperou a obra da lixeira da História e publica um trecho dela em primeira mão: 

"Alguém devia ter contado mentiras a respeito de Fernando V., pois, não tendo feito nada de condenável, uma bela noite, sentado em um Franz Café de Jundiaí, teve todos os seus pedidos recusados. V. ainda esperou mais um pouco, observando de sua mesa a senhora idosa do outro lado do shopping que parecia olhá-lo com uma curiosidade fora do comum, mas logo, esquecendo-se dela, sentiu fome e tocou a campainha. Imediatamente ouviu uma batida à porta e em seguida entrou um atendente que nunca vira antes. 
- Tocou a campainha? 
- Sim, eu queria um chocolate quente - disse V., e pôs a analisar o camarada silenciosa e cuidadosamente, tentando descobrir que espécie de atendente ele poderia ser. O atendente não se submeteu à análise por muito tempo, mas dirigiu-se à porta da cozinha abrindo ligeiramente, como para prestar contas a alguém que evidentemente estava por trás dela: 
- Ele disse que quer chocolate quente. 
Como resposta ouviu-se na cozinha uma gargalhada que soou como se viesse de várias pessoas. Embora o atendente desconhecido não pudesse ter sabido com aquela risada coisa alguma que já não soubesse, disse a V., como se transmitisse uma informação: 
- É impossível. 
- Essa é boa! - exclamou V., saltando da cadeira e apressando-se em enfiar a jaqueta. - Quero ver quem está atrás da porta da cozinha e como o gerente explicará tudo isso. 
- Não seria melhor ficar aqui? 
- Não ficarei, e não permitirei que se dirija a mim até que o gerente se apresente. 
- Minha intenção foi boa - disse o estranho atendente, abrindo a porta por iniciativa própria. 
Na cozinha, na qual V. entrou mais devagar do que se pretendia, à primeira vista tudo pareceu igual a qualquer café existente na cidade. E em um canto estava um outro atendente, sentado em frente à janela aberta e lendo um livro, do qual ergueu os olhos assim que viu V. 
- Devia ter ficado em sua mesa! 
- Não. E acho melhor o senhor ir servir meu chocolate quente - disse V. 
- Não - disse o atendente perto da janela, atirando o livro sobre uma mesinha e erguendo-se. - Não podemos servi-lo. 
- É o que parece - revidou V. - Mas por quê? - acrescentou em seguida. 
- Não estamos autorizados a dizer-lhe. Vá para sua mesa e espere lá. Abriu-se um pedido de recusa contra o senhor, que será informado de tudo no devido tempo. Estou infringindo ordens que me foram dadas, falando-lhe assim gentilmente. Espero, porém, que ninguém esteja ouvindo a não ser Franz - o outro atendente - que por sua vez também se permitiu demasiadas cordialidades ao dirigir-se ao senhor. 
- Mas eu só pedi um chocolate quente! - bradou V. 
- Lamento - disse Franz -, mas temos ordens expressas de não lhe servir. Sente-se em sua mesa e espere a chegada dos superiores. Não sei porque o senhor não pode ser atendido. Mas compreendemos bem o fato das autoridades do Franz Café, às quais servimos, de terem nos ordenado lhe dar um chá de cadeira ao invés de um chocolate quente. Devem ter se informado cuidadosamente sobre os motivos do atendimento precário e a sua pessoa. Não pode haver nenhum erro sobre o caso." 

TO BE CONTINUED... 

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