sábado, 30 de dezembro de 2006

SEJA MODESTO QUANTO A SUA FALTA DE TALENTO



Fim de ano requer retrospectivas. Não falo - ui - sobre aquela sucessão de clichês pseudo-poéticos que é a retrospectiva de fim de ano da Globo. Mas sabe como é, o ano termina, você olha com um sorriso amarelo pro seu presente de Natal (uma caixa de ferramentas, um jogo de panelas, essas coisas) e fica imaginando que, há muitos anos, você esperava aquele vizinho gordo se fantasiar de Papai Noel entrar pela porta. Você se fingia de surpreso com a presença e avançava no pacote que ele tinha em mãos, como se aquilo fosse a última camisinha do bacanal. Após minutos pensando em episódios do tipo, você chacoalha a cabeça, pensa que está ficando um tanto velho e automaticamente aperta o botão "recapitular fases da vida" no teu cérebro.

Hoje peguei-me lembrando da sétima série. Aulas de História. Professora Eliana, gorda, alta e de semblante divertido, com óculos quadrados que iam das sobrancelhas até as maçãs do rosto. Apelidei-a à época de Prof. Hipopó, em homenagem à bolacha recheada de mesmo nome, que tinha um hipopótamo simpático desenhado em cada unidade - não que ela soubesse do apelido, é claro.

Foi com a adorável Prof. Eliana que tive a descoberta mais interessante da minha vida escolar: um senador da Roma Antiga endoidou de vez e botou um cavalo como senador. Gostei da atitude caprichosa do tal rei. Lembro que disse em aula que, caso um dia fosse eleito imperador do Brasil, elegeria como senador o Pretinho, antipático pequinês preto do meu vizinho, que anos mais tarde morreria por complicações das hemorróidas.

Hoje creio piamente na saúde mental deste imperador romano. Aqui em Buenos Aires, Fernando Collor foi eleito senador na esteira de nomes fantásticos, como José Roberto Arruda e Marcelo Crivella, entre outros, que só não relincham por absoluta falta de modéstia.

Era uma questão de confiança, essa do Imperador de Roma. O Senado exigia alguém em quem ele confiasse. Se ele não confiava em ninguém, por que não seu cavalo? Na pior das hipóteses, o bicho seria discreto e não faria fofoca, o que já é um grande lucro em se tratando de conselheiros.

Mas falta de bons conselhos não é exclusividade de nós latinos. Veja os States, por exemplo. O presidente George WC Bush não tem amigos. Aliás, ele mesmo tem um semblante animalesco, semi-eqüino talvez (posso imaginar a quantidade de feno que ele tem que comer para fazer aquele olhar que só os idiotas sabem fazer enquanto discursam). Se ele tivesse um conselheiro razoável, este diria a ele para intervir nesse teatrinho não muito simpático que virou o julgamento do nosso Saddam Hussein - digo nosso porque Saddam é um cara durão, como este escriba, praticamente um brother.

O raciocínio é simples: Saddam preso manteria alguns sunitas masoquistas dizendo que estão com saudades do governo dele, nada além. Agora, Saddam enforcado por um tribunal patrocinado pelos States significa transformá-lo em mártir também de muitos árabes que não vão com a cara dos invasores brancos - Saddam já é mártir de nós, tuff guys, juntamente com o Jece Valadão, que já se foi por conta de uma parada cardíaca feminista qualquer.

Enforcado, Saddam vira sonho ideológico de uma quantidade exorbitante de jovens árabes que tiveram um primo, uma tia, um vizinho morto por um míssel made in America, e que antes não viam nada de muito instrutivo nele.

Enfim, nada que um pangaré bem treinadinho não consiga entender. Ou como diria Feuerbach: o pior cego é aquele que não consegue enxergar.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

O QUE É IMORTAL NÃO MORRE NO FINAL


Não, esses são Junior e Sandy, e não um casal de pôneis

Eu fico triste. Seria capaz de encontrar com Fernando Henrique Cardoso na rua e, ao invés de esbofetear aqueles agressivos lábios de suvaco, empapar-lhe os ombros por conta de minhas lamúrias. Efe Agá, meu bom Efe Agá, explico o motivo de minha desilusão: li no jornal que a ex-atriz e ex-virgem Sandy - lembra dela? Aquela uma que tem um hamster de estimação chamado Junior - fez um show com Marcelo Bratke, um sujeito que se diz de formação clássica, onde teria cantado de Villa-Lobos a Cole Porter e Gershwin. Enfim, como diria o locutor das propagandas da Sessão da Tarde, uma rapaziada da pesada que aprontou as mais altas aventuras na música do século passado, e que costuma estar em uma órbita espacial muito além do que a navezinha da Sandy consegue chegar.

Confesso que não dormi desde então. Fiquei perambulando pela casa a vagar pelo assunto com a lamparina na mão, tal qual Diógenes. Diz Marcelo Bratke: "Escolhi a Sandy por diversos motivos: primeiro, porque é muito afinada. Além disso, ela tem um timbre de voz muito interessante. Quando ela interpreta It's Wonderful, de Gershwin, a sensação que dá é que estamos na Broadway na década de 1930" (leia a matéria completa, escrita por um repórter conhecido como notória fanchona no meio artístico).

Apertemos a tecla SAP da hipocrisia: Bratke escolheu Sandy porque ela dá ibope. Sandy, por sua vez, escolheu Bratke porque este daria a ela a chancela cult e, talvez, porque o Junior se enroscou no pescoço dela e não quis mais pensar em nada.

É por isso que eu comemoro a existência de Reginaldo Rossi, essa grande figura que faz o que convencionou-se chamar, entre meu grupo de amigos, de MPBM - Música Popular Brasileira Mesmo.

Reginaldo Rossi adorava uma flertadazinha marota com o erudito. Na canção Gênio Cabeludo, de 1972, acho, o Rei Ginaldo relatava um sonho que havia tido com Beethoven, onde este dava conselhos a ele sobre como fazer sucesso. "Beethoven também era cabeludo, desligado e ainda surdo, mas foi um grande campeão". A canção até se inicia com o PAN PAN PAN PAN que está para a música do compositor alemão assim como a marreta biônica está para o Chapolin Colorado: é a marca registrada.

Em outra canção, A raposa e as uvas, esta mais lírica, Reginaldo Rossi usa a fábula de La Fontaine (descobri isso muito mais tarde) para contar dos tempos em que ele freqüentava bailinhos com o intuito de dar um tapa na peruca da mulherada. "E tudo que a gente transava eram três, quatro cubas, eu era a raposa e você era as uvas, eu dentro do teu corpete querendo pular".

Reginaldo jamais se deu ao trabalho de pretender ser mais do que era, um cantor popular, brega e divertido, por mais que usasse referências ditas "cultas" em suas letras. E ser um cantor popularesco não faz dele uma figura ilegítima da música, muito pelo contrário. Ele faz bem o que propõe.

Sandy já não. Estava tudo bem enquanto ela cantava a tradução da primeira menstruação de Celine Dion - Eu cresci agora, sou mulher, tenho que encarar com muita fé. Era o água com açúcar que cativava as adolescentes virgens que sonhavam com príncipes encantados, e os garotos de 14 anos evangélicos que sonhavam junto ao travesseiro um dia tirar a pureza da Sandy.

Mas Sandy cresceu. Dizem até que não é mais virgem. E para mostrar ao público que ela ainda existe, enfia as cordas vocálicas onde não deveria. No fundo, é a mesma estratégia da Britney Spears que, no outono do pós-sucesso, tenta aparecer na imprensa se casando em Las Vegas uma vez por mês.

À Sandy restam as sábias palavras do filósofo Walter Benjamin: "Quem nunca come melado, quando come se lambuza". Nunca é demais ser modesto quanto a própria falta de talento.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

E ERA O SAPO DENTRO DO SACO, SACO CUM SAPO DENTRO, SAPO FAZENDO PAPO, PAPO FAZENDO VENTO



Gostaria de compartilhar uma observação científica absolutamente inútil.

Subia eu a Alameda Casabranca ao voltar do trabalho na noite deste domingo (poupem-me da piada marota de que estaria bolinando a rapaziada na calçada, por obséquio) quando, ao ouvir o coachar dos sapos dentro daquilo que - dizem - é um parque, o Trianon, tive um estalo acadêmico tal quando a famosa jaca pendeu na cabeça de Newton.

Explico. Não existem sapos num raio de algumas dezenas de quilômetros do Trianon, donde conclui-se que os anfíbios ali presentes o estão desde a criação do parque, lá se vão mais de 114 anos. É notório também que a quantidade de sapos existentes por ali não deve alcançar a casa de umas humildes centenas, todos cheios de lascívia a coachar com veemência para as fêmeas nestas noites suadouras de dezembro.

Aí me ocorreu a possibilidade de que todos essa sapaiada se acasalando entre si há mais de um século provavelmente gerou uma eugenia que deixaria Joseph Mengele orgulhoso. Deve ser um tal de comer a mãe, a irmã e a tia que Freud, Jung e outros punheteiros de renome se esbaldariam em teorias conspiratórias chatíssimas.

Por fim, gostaria de terminar este post a concluir algo profundo a respeito, mas não sou cientista, psicólogo nem nazista, donde conclui-se coisa alguma. Apenas gostaria de dizer que me aguçou a curiosidade de entrar neste parque para conhecê-lo, e isso mais uma vez não tem nada a ver com aquela rapaziada que fica mostrando a bunda na calçada, por favor. Se não confiam na minha proba sexualidade - sou um cara durão, um dos dos últimos machões à moda antiga - ao menos confiem no meu bom gosto.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

AS MELHORES RESPOSTAS PARA AS PIORES PERGUNTAS

14 de dezembro, data cabalística! Foi em um 14 de dezembro que Jundiaí foi fundada, foi em 14 de dezembro que nasceram Nostradamus, Malatesta e Michael Owen, foi em um 14 de dezembro que George Washington saiu da vida para entrar em uma notal de papel.

Em comemoração esdrúxula e absolutamente sem sentido sobre esta data que não quer dizer nada para ninguém - exceto, talvez, aos também falecidos filhos de George Washington, que por um bom tempo choraram as pitangas nesta data - deixo aqui um post publicado em outro 14 de dezembro, o de 2004. Preciso dizer que estou bêbado?

*Tudo o que você queria perguntar ao autor do blogue e que nunca mais vai ter coragem de publicar:

Pergunta: Como você é grande! Sua mãe dava fermento pra você quando era pequeno? Hahaha!
R: Na verdade eu nasci em Chernobyl. Eu era uma criança normal até aquele fatídico abril de 1986. Eu brincava no reator 4 da usina quando avistei um botão com os dizeres "не выдвиньте это". Só que eu nunca falei russo e apertei. Aí saiu um pozinho verde do reator e eu nunca mais parei de crescer.

Pergunta: Tanto tempo assim internado? Mas como você machucou seu joelho?
R: Foi na Guerra do Vietnã. Eu e os rapazes subíamos o delta do rio Mekong quando fomos surpreendidos por um grupelho de charlies mother fuckers. Tomei um tiro de UZI no joelho esquerdo que me rompeu o ligamento cruzado anterior. Passei um mês internado na Santa Casa de Hanói até ser transferido para a Beneficência Portuguesa, ali pertinho da 23 de maio.

Pergunta (no elevador): Tá calor hoje, não?
R: É verdade. Isso é ruim. Na última vez que fez tanto calor assim, os ratos começaram a sair da caixa d´água do prédio e invadir os apartamentos. Eu mesmo fui mordido três vezes ao tentar expulsar uma família inteira que tomou conta do meu bidê.

Pergunta: Mas então você é o caçula dos quatro irmãos? Aposto que é o mais mimadinho, não é? Hahaha!
R: Na verdade não. Eu fui adotado. Meu pai me achou numa lata de lixo lá no Glicério. Me levou pra casa dele, onde eu recebia comida em troca de trabalhos forçados. Não que me importasse em receber a comida por baixo da porta do porão no fim da noite, mas é que os cachorros estavam em maioria e acabavam comendo a maior parte.

Pergunta: É verdade que a Cásper Líbero é uma grande faculdade de Comunicação Social?
R: Mas é claro, por que a dúvida? Inclusive quando eu comprar um buldogão velho, faço questão que ele seja adestrado por certos profissionais da casa.

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

BATMACUMBA E Ê, BATMACUMBA Ê A


E o prêmio Gilberto Gil para a frase mais Gilberto Gil de 2006 vai para... o Ministro da Cultura Gilberto Gil, que cunhou a seguinte sentença no Estadão de sábado:

- Eu tô conversando com o presidente. O processo da vida é assim mesmo, porque o dia de amanhã não é o de hoje, tem de ser feito com o hoje, mas também com o que não está posto hoje. Ao mesmo tempo há o limite da máquina governamental, da máquina do mundo. Há tudo, muita coisa. É muito lúdico também, mas não é uma brincadeira.

Acredita-se que o ministro queira dizer absolutamente nada.

domingo, 10 de dezembro de 2006

A HISTÓRIA SE REPETE COMO FARSA

Santiago do Chile, 11 de setembro de 1973. Caos na cidade. As tropas do Ministro do Exército Augusto Pinochet tomaram as ruas e cercaram o Palácio de La Moneda, onde o presidente Salvador Allende está com seus últimos assessores. Os militares ganharam a batalha. Aos poucos, Allende pede para que seus amigos o deixem só no palácio. A partir daí existem duas versões para o que ocorreu: 1) Allende pegou a arma que ganhou de presente de Fidel Castro e cometeu suicídio, e: 2) Os gorilas de Pinochet invadiram o local e assassinaram o presidente democraticamente eleito.

Não é possível afirmar qual das hipóteses é a verdadeira. Certo mesmo só o fato de que, comunicado da morte de Salvador Allende após quase um dia de resistência, Pinochet declarou: "Limpem o palácio. Até pra morrer esse filhodaputa dá trabalho".

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São Paulo, 10 de dezembro de 2006. Um plantonista de um site chega mais cedo ao trabalho para resolver algumas das mil e quinhentas questões pendentes que ele tem para resolver até o fim da semana. Ao chegar no recinto, ele descobre que o ex-ditador chileno Augusto Pinochet resolveu acertar as contas com o Além. Não é possível afirmar qual a pena que o ex-ditador terá que cumprir no limbo. Certo mesmo apenas o fato de que o plantonista em questão enxugou o suor na testa e declarou: "91 anos de vida e ele vai morrer justo no meu plantão. Até pra morrer esse filhodaputa dá trabalho".

* Foto: Bolha de S. Paulo

terça-feira, 5 de dezembro de 2006

UM POST PRETENSIOSO, OU TUDO AQUILO QUE NIETZSCHE TERIA DITO SE PARASSE DE TENTAR COMER A PRÓPRIA IRMÃ


O opressor vive dentro do oprimido, disse certa vez o amigo ovino e folhudo Leandro Garfunkel Beguoci. Lembro que, quando criança, ensinei os dois dóceis cachorros de minha vizinha a abocanhar uma das galinhas que habitavam o quintal dela. Não me passava pela cabeça a hipótese de que o galináceo fosse um substituto em potencial do Frolic. Apenas pensei que seria legal os cachorros levarem as galinhas pela boca a passear por aí, vejam só que menino simpático eu era. Pois bem, os cachorros pegaram gosto pela coisa e acabaram comendo as duas galinhas do quintal em menos de 48 horas, e, logo a seguir, caçaram dois gatos da vizinhança, se é que minhas sinapses ainda estão conectando corretamente as informações da zona mais empoeirada da memória.

A cena que ficou comigo foi a visão da primeira vítima, uma galinha marrom, agonizando perto do porão, e um dos cachorros, com a cara meiga de sempre, lambuzada de sangue a abanar o rabo sôfrego para mim, com cara de missão cumprida.

Talvez a tênue linha que separar o opressor do oprimido seja a mesma de tantas outras linhas que separam opostos dentro de um mesmo alguém. O conceito de vencedor e perdedor, por exemplo. Já me passei por perdedor dezenas de vezes. As pessoas com quem convivo todas um dia foram perdedores. Aposto um dedo do meu office-boy Felipe Corizza se quem está lendo isso já não se considerou um derrotado, donde conclui-se que os vencedores não existem ou vivem todos a cavalgar pelo Mundo de Marlboro.

Aos 15 anos deixei a escola pública para fazer o colegial nesta entidade mística chamada Colégio Objetivo. A única vantagem de lá era a farta quantidade de mulheres bonitas - ou, como diria Maurício Savarese, existem duas coisas que a burguesia saber fazer: dinheiro e filhas.
Todo santo dia meu pai até lá me levava num Fusca verde 65 caindo aos pedaços, carro que é o xodó dele até hoje (sempre digo que, ao morrer, Papai Vives vai escrever no testamento: "Deixo meus quatro filhos para meu Fusca verde 65"). Pois bem, além da segunda marcha quase nunca engatar na primeira tentativa, o fusqueta tinha (e tem) mais um rude defeito: ao fechar a porta do passageiro, a portinhola do porta-luvas abre, fazendo o maior escarcéu.Tamanha era a vergonha que todo dia pedia para meu pai me deixar na quadra anterior ao colégio, para que não me vissem saindo de um besouro verde e velho cujo porta-luvas se abria ao fechar a porta.
Não guardo tanto remorso disso, eu tinha 15 anos. Um belo dia você acorda maduro o bastante para, poxa, finalmente entender que o seu pai foi bancário e professor de segundo grau depois de ter tido toda a chance do mundo de virar analfabeto quando criança, destino de boa parte dos que cresceram junto com ele. Logo, não seria o Fusca verde 65 que o transformaria em um derrotado.

Foi essa a história que lembrei ao sair do cinema depois de assistir Pequena Miss Sunshine, que já está para sair de cartaz. Ao que parece, todo mundo que assiste ao filme se lembra de alguma história similar da própria família, já que, pela primeira vez desde que freqüento cinema, o público aplaudiu ao fim da sessão como se fosse uma peça de teatro.

Do filme em si não digo nada. Qualquer comentário que fizer pode estragar o prazer de assistí-lo. E fica a certeza de que é preciso se permitir perder para ser um vencedor, seja lá o que isso queira dizer pra cada um. É isso que vai dar a dosagem entre o opressor e o oprimido dentro desse bicho estranho chamado ser humano.

Posta a conclusão que se fecha com o primeiro parágrafo tal qual redação de segundo grau, voltemos com a programação normal deste que é um blogue másculo e durão.

quarta-feira, 29 de novembro de 2006


Eu não vi, mas o aperobado Caio Quero me contou: Ilha das Virgens, cinema brasileiro genuíno dos 70. Jece Valadão, o ator principal, chega em ilha deserta onde há uma quantidade interessantíssima de mulheres nuas ao léu na areia. A câmera fita seus olhos. Ele olha para um lado, olha para o outro, e encara a lente:

- Comerei todas.

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Calou-se o ícone. Eu e todos os caras durões que ainda resistem à onda emo, ao metrossexualismo e ao São Paulo Futebol Clube campeão do mundo ficamos tristes e quase esboçamos uma lágrima - quase, porque caras durões não choram - com o deslize divino que tirou o ícone-mor de nossa cultivada canastrice masculina.

Jece Valadão remete a tempos gloriosos do cinema. Enquanto ele gigolotava as cachorras aqui na Latin America, Charles Bronson desbravava puteiros em Boca Ratón, o inspetor Beretta mandava a mulher parar de reclamar e esquentar a sopa e, acima de tudo, James Bond dava uns tapas em uma desconhecida de biquini que, ao fim da cena, invariavelmente dizia: "Oh James... I love you". Simples assim.

Eram tempos em que até desenho animado não queria saber dessas frescuras - pega no meu viés educativo e balança, oras. O Coiote enfiava uma espingarda na cara do papa-léguas e atirava, o pica-pau disputava com o jacaré para ver quem era o mais cruel e conseguiria enfiar o outro no forno, o Armando Bogus espancava as crianças de Vila Sésamo e, nos Trapalhões, o Mussum tomava um banho de pinga no domingo à noite após o Didi tirar a peruca do Zacarias e chamá-lo de "rapaz alegre".

Hoje, no cinema, só fuma quem for vilão ou perturbado. Os mocinhos têm o torso depilado e querem atrair as mulheres fazendo beicinho; James Bond se apaixona por suas bond girls, o que já anula metade de sua personalidade; moleques de 1.60 fazem o papel de briguentos, boxeadores ou mafiosos que antes só cabiam aos Robert de Niro da vida. E, acima de tudo, não há um só ator que vai logo tirando a cinta da calça toda vez que avista uma feminista querendo queimar um sutiã.

Getúlio Vargas que me perdoe, mas é Jece Valadão quem sai da vida para entrar na História. Provavelmente está comendo todas as virgens do paraíso e a tomar um whiscão vagabundo com o Charles Bronson nalgum puteiro do Além. Seu legado sobreviverá.

domingo, 26 de novembro de 2006

CAPÍTULO DAS FRUSTRAÇÕES


Falta um mês para o ano terminar e a minha vizinha de 70 anos provavelmente vai alugar meus ouvidos no elevador a dizer coisas como "Nossa, esse ano passou tão rápido...". O fato é que dezembro sempre remete às mesmas coisas: a instituição do chatíssimo amigo secreto, onde você é obrigado a dar uma caixa de bombons praquela pessoa cujo nome não se lembra - você só sabe que ela já deu pro chefe e que tem mau hálito. Tem também as promessas que todo mundo faz pro ano seguinte e que costumam durar até a segunda semana de janeiro. E sempre que tem aquela figura xarope-depressiva que te aluga n´alguma festa de fim de ano dizendo, aos prantos: "Esse ano eu prometo ser feliz". Enfim.

Particularmente o que me tem marcado nos fins de ano é a quantidade exorbitante de dinheiro gasto em bar. Porque sempre tem um amigo que concluiu TCC e chama pra beber. E tem a festa de fim de ano da turma do ginásio, da turma do jardim da infância, da turma do quartel, da turma do primeiro emprego, da turma dos alcoólicos anônimos, etc.

Ano passado eu pretendia aproveitar o 13º para comprar um sofá. Lá pelo dia 20 de dezembro notei que tinha um sincero default orçamentário: 700 reais gastos exclusivamente com bebida, e o mês nem tinha acabado ainda. Em outras palavras: bebi o sofá e, até hoje, um ano depois, uso colchões pra ver TV. Minha irritação com este fato é tamanha que não posso ouvir a palavra "sofá" sem sentir um ligeiro arrepio no fígado, de puro remorso.

Uma coisa é gastar dinheiro com um carro, por exemplo. Porque você gasta uma fábula mas, depois, você pode vendê-lo e recuperar parte dele. Não deixa de ser um investimento. Mas a bebida não: você bebe, paga e foi-se. Só a barriga cresce, exponencialmente, aliás. Sonho com um fundo de recuperação de dinheiro gasto em bar, uma espécie de Manguaça Esperança, onde você passaria um dia todo urinando tudo o que bebeu durante o ano e recuperaria parte do dinheiro investido. Só assim eu teria um sofá - e, diga-se, um senhor sofá, daqueles de cinco lugares em forma de "L" na quina da parede.

Lembro que comecei a beber porque achava legal o James Bond levantando as sobrancelhas cercado de mulheres a pedir um dry martini shaken but not stirren. Mas vou ao bar e normalmente a única coisa em minha volta é o meu office-boy Felipe Corizza, também conhecido pela alcunha de O Pavão Misterioso do Baixo Glicério, completamente mamado tentando passar a mão na minha perna. Eu sempre digo que respeito a opção dele mas que não compactuo com a coisa, o que o deixa completamente depressivo a patolar os garçons. "Não custa nada perguntar", diz ele.

Enfim, eu queria concluir com alguma lição de moral dizendo que não vale a pena beber, e que o bom mesmo é ficar em casa assistindo Emanuelle, a Rainha das Galáxias, lendo Senhor dos Anéis ou dormindo pra acordar cedo e passar a manhã na academia definindo o bíceps. Como diria Hegel: "É bom para o moral".

terça-feira, 21 de novembro de 2006

CINCO FILMES NACIONAIS

Chico Diaz, o Wellington Kannibal de Amarelo Manga

5 - CIDADE DE DEUS (Fernando Meirelles, 2002) - Nada como ir ao Espaço Unibanco e descobrir que os pobres existem. Gonçalves Dias escreveu que nossos bosques têm mais vida e nossas vidas mais amores porque não viu as cáries do Zé Pequeno. Moral para o tucano dos Jardins: "Não nasça preto. Se nascer, não nasça pobre. Se nascer preto e pobre, não diga que me conhece". Todo o resto você já sabe porque já assistiu. Destaque para a trilha que ressuscita Cartola com Preciso me encontrar.



4 - O PAGADOR DE PROMESSAS (Anselmo Duarte, 1962) - A sociedade do espetáculo através da notícia, ou tudo aquilo que o Guy Debord gostaria de dizer se não fosse tão chato. Além disso, apresenta três morais: 1) Não seja católico, 2) Não dê entrevistas e: 3) Nasça rico e compre uma F-1000 ao invés de um burro. Destaque para a riqueza de detalhes que se enlaçam ao enredo principal e que em muito contribuem ao final apoteótico.



3 - AMARELO MANGA (Claudio Assis, 2003) - O ser humano é estômago e sexo. E talvez Nietzsche tivesse razão, embora ele não fosse bom de garfo nem comesse ninguém, paradoxo que possivelmente explica a inviabilidade de tudo que está entre o Genesis e o Apocalipse. Matheus Nachtergaele, Chico Diaz e Jonas Bloch causam pesadelos existenciais; Dira Paes, sonhos eróticos.



2 - QUASE DOIS IRMÃOS (Lúcia Murat, 2005) - O Brasil que ia dar certo e que não deu. 506 anos de História em menos de duas horas. Um petardo na cabeça que causa um coma moral por semanas, meses. Deveria ser obrigatório nas escolas. Tão triste quanto saber que Caco Ciocler, depois deste papel, fez Olga e outros lamentáveis papéis sofríveis em novelas do Manoel Carlos. Destaque para a trilha composta por Naná Vasconcelos.



1 - O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS (Cao Hamburguer, 2006) - Já virou clichê dizer isso, mas é verdade: o mais argentino dos filmes brasileiros. O mundo de uma criança pode e costuma ser rico, o que só efetivamente vem à tona no cinema se ilustrado também de forma rica. Ao mesmo tempo, mostra o Brasil que deu certo (as pessoas) e o Brasil que não deu certo (as pessoas que mandam no país). Como fio da meada, o futebol. Um filme que felizmente gruda em quem o assiste.

terça-feira, 14 de novembro de 2006

FLAMINGOS DE CALÇA JEANS

A Vila Olímpia me fascina. Meu coração tem um orgasmo arterial toda vez que vejo aquelas pessoas glamourosas e seus carrões importados a buzinar para os mendigos saírem da frente com suas carrocinhas de papelão a duas quadras do cheiro esfuziante do Rio Pinheiros. Um "anda logo, porra" não é um simples "anda logo, porra" quando pronunciado na Vila Olímpia de dentro de um Honda Civic.

Pois digo que até os vira-latas da Vila Olímpia teriam um gingado pomposo a la Miami caso houvessem vira-latas naquelas ruas. Já causou-me extrema preocupação quando uma barata atravessou a calçada na minha frente com um remelexo arrebatador, um gingado superior e empolado que só outras baratas da Vila Olímpia podem ter igual. Cito aqui Nelson Rodrigues ao dizer que daquela barata pendia a baba elástica do narcisismo, como se olhasse para mim e dissesse: "Você não é absolutamente nada perto de uma barata da Vila Olímpia". Fui para casa com um rabo existencial entre as pernas, procurando as razões de minha falência enquanto ser vivo.

Mas o que acima de tudo me deixou estupefacto na fauna olimpiana foi, dia desses, ao chegar ao prédio onde trabalho, notar lá de longe que uma porção de flamingos usando calças jeans se apoderavam da fonte luminosa que dá para a calçada. Ao chegar mais perto, notei que os flamingos em calças jeans não eram flamingos e sim modelos. Foi quando descobri que trabalho no mesmo prédio que a Ford Models e que naquele instante estava havendo um peneirão de modelos para a agência. Sim, peneirão, como esses pra jogador de futebol que toda hora ocorrem na Vila Sônia. Só que de meninas de 14 anos de 1.90 de altura e pesando não mais que seus 18 quilos. Tinha uma ali que talvez chegasse a 20 quilos, mas estava meio deslocada da turma, deu para perceber que as demais a olhavam de soslaio como se dissessem "Ah, essa gorda...".
Subitamente me bateu um flashback. A cena congela e no fundo entra uma nova com as bordas clareadas típicas de novela: Jundiaí, anos 80. O menino Vives de mãos dadas com Papai e Mamãe Vives ao redor do lago do clube Caxambu em uma ensolarada manhã de domingo. Papai e Mamãe Vives dão ao pequeno um pacote com miolo de pão para que ele dê aos patos do lago. O pequeno Vives joga os miolos na beira do lago e dezenas de patos vêm felizes a grasnar e comer, a comer e a grasnar. O menino e seus pais ficam felizes, não mais que os gordos e saudáveis patos do clube Caxambu.

Fim do flashback. De volta à cena anterior, um catatônico Vives observa os flamingos em calças jeans ao redor da fonte luminosa. Ele tem um impulso fortíssimo de ir até a padaria mais próxima, na quadra seguinte, comprar um saco de pães para jogar sobre esses mal alimentados e pedantes flamingos gigantes, e depois ligar para seus pais a dizer "Pai, mãe, estou alimentando flamingos cadavéricos na Vila Olímpia, eis minha boa ação do dia".

Mas a vida não é doce nem bucólica. Saí do transe, observei mais uma vez aquela paisagem bulímica e resolvi ir trabalhar, lembrando de uma famosa chanchada dos anos 50 em que o Oscarito olhava aos céus e dizia: "Obrigado, ó Pai, pelo otários do mundo, que fazem minha alegria de viver".

segunda-feira, 6 de novembro de 2006

PRESENÇA DE SADDAM

Saddam Hussein matou criancinhas, sodomizou velhinhas, fez o diabo com os curdos e agora vai para a forca. É claro que George W.C. Bush fez o mesmo, mas, como diria a Fox News e a Veja, são detalhes tão pequenos entre eles dois, coisas tão pequenas que devemos esquecer. Já que ele está com os dias contados, reservo-me o direito de fazer-lhe uma homenagem mostrando ao distinto leitor que o ex-ditador também tem o seu lado elegante. Foram inúmeras aparições em público em que Saddam estava lá todo estiloso e retrossexual que já o tenho na conta de grande ícone fashion dos que nunca se preocuparam com os ícones fashion. Agora dê licença que eu vou exemplificar:
FIM DE EXPEDIENTE - Caras durões como o Saddam gostam de sair do trabalho e chegar no bar com o colarinho aberto, sem gravata, barba mal feita e apontado o dedo para as pessoas. A foto em questão é do julgamento e provavelmente representa Saddam dizendo ao juiz algo do tipo "Estivéssemos no bar do Munir lá em Falluja e juro que te quebrava a garrafa de whisky na cabeça e ainda comia a garçonete". Nota 7, diminuída pelo lamentável Grecin 2000 no cabelo.

EU QUERO UM CONHAQUE E O SEU SORRISO - Aqui, no melhor estilo Charles Bronson a chegar num daqueles puteiros de beira de estrada e pedindo uma dose pro garçom. A ausência da gravata novamente dá um ar informal que, aliada ao tom feroz com que se manifesta e o livro embaixo do braço, flerta com o tipo do esquerdista Jack Daniel´s que prega a revolução comunista num bar da Vila Madalena. Nota 9 pela expressividade.



RETRÔ - Aqui no melhor estilo John Scatman (na foto da direita), aquele cantor de músicas dance que embaralhavam o beiço nos anos 90. O detalhe testosterônico da figura é o fato de Saddam estar acionando o rifle com uma mão só, o que equivale a tomar dez doses de Cynar e permanecer de pé. Coisa de machão mesmo. Nota 9,5 pelo saudosismo de Scatman. Pa po pê paparapapapá parapipá po pê po parapipá po pê po parapa pá pá pá....
LUIZ MIGUEL DAS ARÁBIAS - Provavelmente as mulheres com 60 anos que lerem isso - certamente nenhuma - vão se apaixonar por esta foto, típica de capas de disco de boleristas latinos galãs. Se Saddam lançar um disco antes da forca, poderia usar essa foto, que já vem com espaço ao lado para inscrições com letra corrida em dourado com dizeres como "Hussein: un toque de amor", "Mil e una noches com Saddam Hussein" ou "Saddam: emociones". No fundo ele só quer transmitir que caras durões como ele também são sensíveis. Nota 9,5 porque me comoveu.

O DINHEIRO ESTÁ EMBAIXO DO FILTRO, SUA VADIA - Caras durões como Saddam não usam essas cuecas moderninhas e apertadas que ficam querendo entrar onde não devem. Caras durões também passam a noite com uma mulher que conheceu no bar e saem sem dizer nada pela manhã, fechando a porta do quarto para se vestir e se trocando na sala - vai que ela acorda e pede o telefone ou um beijo de despedida. Nota 10 pela filosofia de vida.

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

A MINHA PARTE DO HALLOWEEN EU QUERO EM PINGA

Guloseimas ou travessuras?


A hipótese de crianças gordinhas pedindo docinhos na minha porta todo dia 31 de outubro já seria motivo suficiente para comemorar não ter nascido nos Estados Unidos. "Guloseimas ou travessuras" é a frase mais estúpida que a humanidade já cunhou depois de "O Geraldo sem dúvida era a melhor opção", "Irã, Iraque e Coréia do Norte fazem parte do Eixo do Mal" e "Prometo colocar só a cabecinha". Infelizmente, o que há 15 anos era exclusividade de escolas de inglês das mais chatas virou parte do calendário brasileiro. Hoje fui trabalhar e a secretária gostosa estava vestida de vampira (espero sinceramente que no carnaval ela venha de cabrocha). Sem contar as inúmeras aranhinhas de brinquedo que forravam a redação.

Pois bem, reza a lenda que os Estados Unidos são detentores de uma cultura popular que tem par somente na brasileira. O problema é que, em termos de folclore do Tio Sam, o que me vêm à cabeça é essa coisa aborrecedora que convencionou-se chamar de Halloween, e aquele estranho hábito de vestir um capuz branco e pendurar uma cruz em chamas no quintal de uma família de negros. Creio que até o chupacabra, esse simpático exemplar do folclore popularesco tupiniquim, é mais saudável que os exemplos acima. Tem também aqueles caras que usam umas calças tão apertadas que devem ocasionar assaduras, e que ficam dançando música country com passinhos ridículos e segurando o chapéu.

Em verdade, prefiro entender a "riqueza da cultura popular" dos States como um fenômeno particular da música dos caras. Porque de música eles entendem pacas, quase tanto quanto a gente. Agora, se um dia vier um vizinho bater na minha porta no dia 31 de outubro perguntando por "guloseimas ou travessuras", juro que dou-lhe uma traulitada nos cornos tamanha que o cidadão vai bater na porta do próximo vizinho perguntando por "band-aid ou dorflex". A minha parte do Halloween eu quero em pinga.

domingo, 29 de outubro de 2006

PARTICIPAÇÃO ESPECIAL

Matheus Zangari Pichonelli é uma figura ímpar. Olhando para aquele moleque com cara de coitado com um santinho no pescoço, você jamais diria que ele já se safou de quatro sífilis e que não consegue dizer três frases sem acrescentar gratuitamente a palavra "rola" no meio de cada sentença. Não rola de rolar. Rola de pipi mesmo.

Pois bem, Matheus é um referencial que tenho em muitas coisas: literatura, política, futebol, amizade e tudo mais (ele é fã de Belchior, Legião Urbana e Engenheiros do Havaí, mas essa parte eu relevo). No primeiro turno, ele escreveu um texto que considero definitivo para as eleições deste ano, por mais que eu tenha definido votar no Lula às vésperas do pleito. Eu já falei demais no primeiro turno sobre o que achava das opções vigentes. Agora, nesta segunda e última etapa, publico aqui esse texto feito por ele, que já havia me mandado por e-mail, e que agora está em seu próprio blog.

Eis:

Confissão

"Durante algum tempo, relutei em tomar posição. Mas, se algo de interessante foi proporcionado nestes dias com a ida dos candidatos à Presidência da República para o segundo turno foi o acirramento e, consequentemente, a necessidade de se assumir posturas. Voto em Luiz Inácio Lula da Silva, com restrições. Passou longe de liderar o governo que dele se esperava, mas o asco que a sociedade, especialmente a paulista, guarda por ele é inaceitável. Faz lembrar o que foi o macarthismo nos EUA. Não foi um grande governo, poderia ser melhor. Mas não vou aceitar o discurso de um partido que se declara detentor dos votos ilustrados, enquanto o adversário se apóia na ignorância de um povo cego e com moedas na mão. Isso não é verdade.

Acho que houve avanços nestes anos. Desconfio que foram obscurecidos por retrocessos que, inegavelmente, ocorreram. Dizer que Bolsa Família é esmola só funciona pra quem nunca precisou.

O que foi Alckmin para São Paulo? Ele mente quando diz ter limpado as contas do Estado. Deixou um rombo de R$ 1,2 bi e, se não é fosse o Serra (que, restrições à parte, tem um abismo de distância em relação a ele), conseguiria levar até o fim a privatização de 20% das ações da Nossa Caixa (outros 29% o seu Geraldo já fez o favor de dar, a preço de banana, a um grupo espanhol).

Tem um grupo de aloprados, realmente, que chegou a Brasília em 2002. Atuou como se ainda estivesse no comando do sindicato. Mas os ministérios, como estão montados hoje, sem Dirceu e companhia, me deixam com esperanças de que esse pode ser um governo melhor. Dilma Roussef, Fernando Haddad, Guido Mantega são pessoas sérias e têm um projeto encaminhado.

Mais. Passei três anos sem que alguém sugerisse vender a Petrobras, a CEF, Banco do Brasil etc. Ninguém precisou vender nada para pagar dívida. Aliás, a relação dívida/PIB melhorou. O brasileiro come melhor. A renda aumentou. Muitos deixaram a pobreza e foram para a classe C. Gente que nunca pôde estudar hoje está na faculdade. Tem programa Brasil Sorridente e Luz para Todos que mudaram a vida de muita gente. O acesso ao crédito também hoje é mais fácil. Por onde Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) passou, aumentou o comércio com o Brasil. A Polícia Federal desmembrou dezenas de quadrilhas sem precisar dar um tiro.
Lula errou ao tentar governar um país com o apoio de quem não deveria. Pagou pedágio para ter propostas aprovadas, e isso é inaceitável. Me negaria a votar num presidente que quis criar o Conselho Federal de Jornalismo, mas me desaponto com as opções. Seria ótimo se tivéssemos, no segundo turno, uma opção à esquerda dele.

Alckmin mente quanto faz discurso social. Ele não tem projeto, passou a campanha berrando, sozinho. Alguém pode dizer algum projeto que ele tenha feito por SP em 12 anos (somado com o governo Covas). O que são as escolas públicas hoje? De que adiantou construir presídios?

O PT caiu sozinho, e isso não é mérito do tucano. Alckmin representa a farsa do pequeno-burguês: sorriso de bom moço com arrombos de autoritarismo. Em recente encontro com empresários, disse que a solução para a segurança pública era reforçar a dose da repressão. "Vai morrer gente, mas fazer o quê?", disse.

Ninguém perdeu o juízo a ponto de defender o que aconteceu no governo nos últimos quatro anos. A imagem do grande líder da nação estará para sempre comprometida pelas imagens de Delúbio e Silvio Pereira. Mas não quero retroceder e pedir para voltar ao tempo em que PSDB mandava e desmandava no país. FHC deveria ser banido do país. Cometeu o maior estelionato eleitoral da história ao esconder do país que tinha um acordo com o Tesouro americano para desvalorizar o real assim que reeleito, em 98. E assim o fez.

Durante algum tempo, me neguei a assumir minha posição. E me desencantei. Mas sei que aqui se paga um preço caro ao admitir que, sim, acho que o país é ruim com o PT, pior sem ele. Não temos terceira via.

O que resta é medir forças. E somar dois e dois. O resto é arrogância ou preconceito.

Conta a História que partido político no Brasil já nasce de uma estrutura burocrática do Estado: são apenas subdivisões de partidos que já estavam no poder. Quando o bolo é mal dividido, forma-se uma nova tendência e cria-se uma nova sigla _liderada por líderes insatisfeitos.

O PT, por sua vez, era um sonho. Dos trabalhadores, de alas da igreja e dos movimentos sociais. Hoje luta para existir. Enquanto for possível lutar, deve-se somar forças - pode ser difícil, mas é preciso tomar cuidado para não repetir o discurso que se vê nos jornais. Falar por ouvir dizer. Misturar alhos com bugalhos, mensalão com dólares na cueca. Noves fora, darei meu último voto de confiança a quem, acredito, é atualmente o único interlocutor de classes para quem nunca ninguém havia voltado os olhos anteriormente. Isso deve ser levado em conta, gostem ou não as mamães assustadas só fizeram passar os últimos quatro anos antentas aos programas vespertinos da televisão."

domingo, 22 de outubro de 2006

F. VIVES: AUTOBIOGRAFIA NÃO AUTORIZADA

Toda semana recebo centenas de cartas de fãs querendo saber mais sobre o autor de SorryPeriferia. Pois sacio a avidez mestiça dos leitores a meu respeito relatando aqui um trecho do meu livro F. Vives: vi, vim e esqueci, que está sendo lançado pela Editora Ibotirama (R$4.50 + um ovo grátis, se vier com acompanhamento de feijão). Aguardem a festa de lançamento. O Diogo Mainardi já está preparando resenha a respeito.

"Nasci na província de Omsk, antiga União Soviética, com o nome de Fernanditri Kalinichenko Vivensky. Cresci num reformatório da Juventude do Partido Comunista em Moscou, onde era obrigado a ajudar velhinhas a atravessar a rua enquanto cantava a Internacional Comunista. Um belo dia troquei tudo e fiz a velhinha dar com a cara no poste enquanto eu cantava In the Navy, do Village People, o que me obrigou a fugir porque a KGB ficou no meu encalço por anti-patriotismo. Fui preso no meu aniversário de 15 anos - tomei umas vodkas a mais na Birosca do Vadin, perto da Praça Vermelha, e quebrei tudo (o Vadin, a quem devia fiado, chegou a me visitar na cadeia pra cobrar a grana, o feladaputa).

Passei quase dez anos na prisão de Magadan-Kolyma, na Sibéria, onde fazia trabalhos forçados como quebrar pedras, soldar bigornas e fazer bolinhos de chuva para o Marechal Maricowsky, uma tremenda bichona que passava a mão na nossa bunda enquanto trabalhávamos. Um dia fiquei irritado com a patolada e meti-lhe a picareta nas partes pudentas, para delírio dos outros presos. Aproveitando a empolgação do momento, organizamos um motim. Quebramos tudo, mas o Coronel Ubiratanov entrou com os tanques e abriu fogo na rapaziada. Como as armas que ele utilizou datavam da Revolução de 1917, tamanha a dificuldade financeira pela qual já passava a URSS nessa época, ele acabou matando apenas o Stalin, nosso cão vira-lata que capturava umas ratazanas gordas escondidas que nos serviam de mistura nos almoços de domingo. O episódio ficou conhecido como "O massacre das 111 pulgas da Gulag Siberiana", já que elas foram as principais vítimas com a morte do cachorro. Mesmo assim, a rebelião me fez ídolo entre os detentos.

Retido, me jogaram para a solitária, onde passei o tempo todo apenas na companhia do livro Marimbondos de Fogo, coletânea de poemas escrita pelo então presidente brasileiro José Sarney. Este livro salvou minha vida na prisão. Primeiro, pelo conteúdo fascinante, onde aprendi a viver melhor e a encarar uma ferroada de marimbondo pelo viés poético. Segundo, e principalmente, porque comi o livro em um momento de desilusão estomacal - confesso que quase vomitei ao chegar na página 9. Quando um belo dia abriram a porta da solitária me oferecendo uma Coca-Cola - um tal de um muro não sei onde havia caído - eu já estava na terceira mordida da capa, a parte que restara do livro.

Livre e apaixonado pela obra que havia digerido literal e metaforicamente, resolvi abandonar minha terra natal e tentar vida nova no Brasil. Cheguei através de um porão de um navio cargueiro, sendo recepcionados pelos estivadores do porto de Santos. Eu olhava para eles e repetia as palavras "José Sarney! José Sarney!" sem parar. Eles logo deduziram que 1) Eu não falava patavinas de português; 2) Provavelmente eu era uma anta. Tais conclusões levaram os estivadores a me indicar para tentar a sorte no jornalismo.

Acabei entrando na profissão por vias indiretas. Comecei fazendo um teste para ser o modelo de abertura do programa do Fantástico. Eu saía da água e gritava: "É-FAN-TÁS-TI-CÔ!", mas a minha branquelíssima barriga de cerveja não caiu bem aos olhos do diretor, donde chamaram a Isadora Ribeiro para fazer tal cena que, registra-se, ficou bem melhor. Após uns bicos de figurante em Doris para Maiores (eu era um gringo asmático em uma esquete que se passava na praia do Leblon) e Malhação (professor de educação física odiado pelos protagonistas e que implicava com o Mocotó), consegui um frila para a Revista Veja no qual forjei um estudo da Universidade de Vladivostok, no qual dizia não haver mais pobres no Brasil desde a implatação do Plano Real. Quase fui premiado pelo texto.

Atualmente me dedico à literatura, área em que escrevi as obras Abelhas de Porre, Formigas Mamadas e Joaninhas Travadonas, todas coletâneas de poemas inspiradas livremente na obra Marimbondos de Fogo, de meu mestre José Sarney. Ganhei o prêmio de Plágio do Ano da Academia Amapaense de Letras em 1998 e a certeza de que tudo valeu a pena."

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

A REFORMA ZEN BUDISTA ADENTRA A MADRUGADA

E agora uma mensagem de paz: "Deu duro? Tome um Dreher"

São quatro e dois da manhã e há pouco eu lia em minha cama quando um pernilongo matreiro resolveu dar uma bitoquinha na minha orelha. Tentei dar uma porrada nele, mas os pernilongos constumam ser mais ágeis que os Vives, donde conclui-se que ele se afastou de mim como se estivesse rindo da minha incapacidade de vitimá-lo. Aí pensei que os budistas recriminariam minha atitude de tentar matar o desagradável inseto, uma vez que, na crença deles, quando uma pessoa morre, ela pode se transformar em qualquer bicho. Quem me garante que aquele pernilongo não é um ancestral meu averiguando de que maneira eu estaria honrando o sangue da família?

Foi aí que tive o estalo, tal qual uma jaca caindo na cabeça de Newton, e passei a querer matar freneticamente o pernilongo, assim como qualquer outro bicho que surgisse em minha frente. Vejam só, se aquele mosquito sacripanta for a encarnação de uma pessoa, nada melhor que matá-lo de novo para que ele tenha melhor sorte na próxima vez, podendo reencarnar desta feita na pele de um ganso, uma capivara e, talvez com sorte, em um porco ou chipanzé, todos estes bichos mais nobres que um pedacinho de carne chamado pernilongo.

Portanto, não sei se isso significa um novo horizonte para o budismo, mas caso ser uma espécie singular de dalai lama pós-moderno der dinheiro, me inclua dentro desta. Mas já vou logo dizendo que não me venham com esse papo de vegetarianismo, que, sem um coelho assado ao molho de cebola de vez em quando, ninguém segura esse rojão.

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

O LEGADO DE NOSSA MISÉRIA - parte 2

Eu não tenho a menor dúvida de que Evita Perón, durante aqueles jantares nababescos da aristocracia argentina, enfiasse o dedo nos dentes para arrancar o pedacinho da alface. Porque Evita veio da merda, do subúrbio, da lona. Era uma rampeira fudida que passou a vida decorando os talheres certos para o peixe e para a carne, represando o comer de colher e de boca aberta que a condicionaram na infância.

Evita pode ter passado a vida tentando provar para si mesma que ela não foi a suburbana vulgar que a julgaram quando nova, que mesmo vivendo dúzias de vidas não conseguiria. Você sai do gueto mas a merda do gueto inexoravelmente não sai de você. Você sabe que ele está lá, que ele pode ficar calado, escondido, fingindo-se de morto, e você passa toda uma vida a represá-lo, colando milhões de paralelepípidos em torno dele. Mas basta uma pedra se descolar para tudo aquilo vir abaixo e o gueto se mostrar para você, firme e forte a dar um tapinha nas suas costas, como se dissesse: "O valor insuportável desta lembrança toda continua pendurado na tua conta, é você quem vai pagar".

Não conheço um só sujeito que não tenha sua própria criptonita moral guardada consigo, lembrança de menino do pai bêbado lembrando o quanto você era custoso para a família, os moleques mais velhos da rua dizendo o quanto você era um bosta, a professora a rir do quão burro você era, o seu primeiro amor de adolescência dizendo que daria bola para o mundo mas não daria bola para você, o bonitão da classe te chamando de lambisgóia de água parada na frente das tuas amigas.

No fundo, mas lá no fundo onde o seu inconsciente não deixa você entrar, grande parte das tuas atitudes são todas para provar para toda essa gente que, sim, eles estão errados. Mas basta um detalhe dar errado que é o suficiente para a represa vir abaixo, desnudando o maldito gueto que não saiu e nem quer sair de você.

É então que começa tudo de novo, você passa a querer provar novamente que você não é aquilo que um dia te fizeram e que denegriu o sentido de você existir. Eis o grande nó do sentido humano: você sai do gueto, mas ele não sai de você, e você continua alimentando a sina tal qual o Sísifo da mitologia, condenado a passar o resto de sua vida a empurrar a pedra até o topo da montanha, sabendo que de lá ela vai rolar abaixo tudo de novo.

O sujeito que criou o Mito de Sísifo entendeu a maior parte do legado da miséria individual humana.

terça-feira, 10 de outubro de 2006

A DIALÉTICA DA TRUANICE


Ninguém pediu minha opinião sobre o blogue do Marcelo Hermano, vocalista da banda Los Camelos. Respondo mesmo assim.

A título de informação (esta é sem dúvida a mais legal de todas as expressões pedantes), Hermano escreve um hedbomadário virtual manuscrito. A não ser que você seja professora de primário (na lousa: "Hoje o dia está ensolarado") ou se dirija a um público que conheça a Pedra Roseta do Champollion, tal atitude não é recomendável.

Tal qual um Chico Xavier, psicografei alguns pensamentos entre os borrões do tal blogue para me concentrar apenas no conteúdo, e não no formato. Resultado: expressões como "o deslumbramento pelo novo", "o dogma do pensamento", "proposição absoluta" e "natural rejeição" que, juntas, não adquirem sentido algum, casam com o pensamento daquelas meninas carentes de 17 anos que são justamente as fãs da banda, que se consideram intelectuais porque leram o Código da Vinci e que choram ao ouvir Los Camelos, arrancam o sutiã no show deles e, na hipótese de serem lésbicas, querem deixar a barba igual a do Amarante.

Sugestões e veredicto:

1) Sugiro um caderno de caligrafia.

2) Na impossibilidade da opção 1, sugiro que a tal Anna Júlia devolva a gentileza e passe ela a transcrever o blogue, deixando assim de ser sempre um espinho no coração do dito cujo.

3) Como disse já disse Guy Debord em A Sociedade do Espetáculo: "quem nunca come melado, quando come se lambuza".

Agora voltemos à programação normal.


OBS: O tal blogue.

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

DOSSIÊ LULA: É MELHOR CAIR EM CONTRADIÇÃO QUE DO OITAVO ANDAR

Quisera eu ter votado neste sujeito aqui


Reza a lenda que ex-petista é como ex-gay: é melhor contar a do português. Provavelmente continuo sendo petista mesmo, foi o PT que se despetizou - estrutura frasal esta que tende a dar um nó nas nossas sinapses se tentarmos levá-la a cabo. Posso afirmar que há quatro anos convenci 15 pessoas a votarem no Lula, e a noite da vitória, na Paulista, me deixou os cinco dias subseqüentes completamente sem voz, recorde pessoal que provavelmente jamais vou quebrar.

Neste pleito (continuo odiando esta palavra), até a madrugada de sábado para domingo eu estava em dúvida quanto ao voto para presidente. Pensava em Heloísa Helena como protesto - a hipótese de, estando no inferno, abraçar o capeta. Mas ela realmente não conseguiu me passar nada além do pout-pourri de clichês da esquerda na base da gritaria. Não grite perto de mim, eu saio correndo. Falo baixo e prefiro ouvir do que falar.

Comecei a cogitar votar em Lula nesta semana, quando, em discurso em Porto Alegre, ele declarou: "Se a imprensa hoje tivesse 10% da leniência que teve no primeiro governo FH comigo, agora eu seria eleito com 70% dos votos". Ao mesmo tempo, FH, em São Paulo, declarou que Lula era o demônio - o petista havia dito dias antes que se até Jesus Cristo havia sido traído, o que dizer dele mesmo. No dia seguinte, a imprensa estampou a manchete: "Lula se compara a Jesus Cristo", e pau no sapo barbudo. Mas quando FH o chamou de demônio, aí pode, sem problemas, a opinião do sociólogo é coerente e sorbonnal.

Penso que o governo Lula foi de fraco para mediano, com doses de corrupção que beiram o nível dos oito anos tucanos de antanho. A política econômica seguiu refém de uma entidade mística chamada Mercado Financeiro. Não respire em tempos de crise, o Mercado está nervoso (se o Mercado tiver um filho, este terá sérios problemas psicológicos por conta da pressão sofrida em casa). Desde 1995, quem se dá bem no Brasil não é pobre, não é a classe média, não são os agricultores nem os industriais: são os banqueiros. Todo ano, os principais bancos anunciam que tiveram lucro recorde, e isso continua crescendo em progressão geométrica. Lula e Palocci aceitaram jogar o jogo que FH e Malan começaram, o de ajoelhar-se, baixar o zíper dos banqueiros especuladores e concretizar um voluptuoso felácio.

Dentro deste triste jogo, inegavelmente Lula soube jogar melhor que seu sucessor. O país não cresceu, mas a dívida com o FMI, por exemplo, foi paga. A herança maldita que veio por conta dos quatro últimos anos de Malan foi remediada. Ao mesmo tempo, os projetos sociais no interior do Nordeste, como o Bolsa-Família e que tais, produziram sim uma economia local, antes inexistente. O programa é assistencialista - se o governo deixar de dar o dinheiro, tudo volta como era antes - mas, for jesus, pessoas de alguma forma estão comendo e eu não me importo se elas dependem ou não do dinheiro que pago de imposto para isso.

Votei em Lula, mas não no Lula que eu queria. Apertei o 13 com os dedos da galhofa e as teclas da melancolia mal sabendo o que esperar deste conúbio, só para usurpar uma expressão do Memórias Póstumas de Brás Cubas, bem apropriado ao nosso tempo, diga-se. Votei contra a burrice da direita, do conservadorismo torpe que tem as Vejas e Folhas como porta-vozes, o purê de batatas moral, a digestão bem feita de São Paulo, a burguesia que fede mas que tem dinheiro para comprar perfume - e consegui juntar Mário de Andrade e Falcão numa mesma frase.

Lamento informar - e me desculpe se isto o incomoda, fino leitor - mas eu gosto de pobre. Eu queria o Lula de 89 que não existe mais. Votei no Lula sem criar a expectativa de beijar o sapo barbudo achando que ele vai se transformar no príncipe da justiça social. Mas guardo a certeza de que não havia opção melhor. Os tucanos ladram, mas a caravana há de passar.

sábado, 30 de setembro de 2006

DOSSIÊ GERALDO ALCKMIN: SEJA MODESTO QUANTO A SUA FALTA DE TALENTO

A melhor definição de Geraldo Alckmin veio até agora do vice de Heloísa Helena, César Benjamim. Quando a ele perguntaram se o PSOL teria problemas para mostrar um programa político em um minuto e quinze segundos na TV, Benjamim saiu-se com esta: "Problema mesmo tem o PSDB, que tem dez minutos para falar do Alckmin". 

Conversando às três da manhã na Augusta com o amigo homossexual Maurício Sudorese, entre uma péssima trouxinha de presunto e queijo do BH e outra, falávamos que Alckmin é um personagem que não chega aos pés de José Serra, muito mais profundo dentro do contexto tucano. Acontece que Serra é bem menos personagem que Lula, então imagine que a defesagem do Picolé de Chuchu para Lula é a mesma que separa Churchill do Tony Blair - e não estou comparando Lula com Churchill, por obséquio. 

Mas a falta de carisma do presidenciável tucano, como diria Mino Carta, é de conhecimento até do mundo mineral. Então falemos de assuntos mais delicados. 

Primeiro, o governo Lula submergiu em corrupção, isso é fato. Mas nada que não ocorresse nos anos anteriores de realeza tucana. Houve o mensalão petista, falha obtusa que causou comoção quase sexual no PSDB e no PFL. Só que os tucanos se esquecem que, para a reeleição do Efe Agá ser aprovada, em 1997, uma baciada de deputados e senadores receberam bufunfa governamental por baixo do pano, na ordem das 200 mil pilas por cabeça. 

Pouca coisa na história recente do Brasil - talvez nada - tenha sido tão corrupta como o primeiro governo tucano, de 95 a 98. As privatizações, por exemplo. Se quer privatizar uma empresa, que sejam as sucateadas que não dão lucro. Mas a gestão peessedebista vendia as que davam lucro e, pior, reformavam as sucateadas para vendê-las a grupos de empresários que, na maioria das vezes, tinham ligações excessivamente tênues com a cúpula governista. Em outras palavras: você investe dinheiro em uma empresa e depois a vende aos amigos, quando na verdade você deveria vender as empresas para que os novos donos fizessem os investimentos necessários, formando um novo e deturpado conceito de privatização pelo PSDB. 

Alckmin gosta de repetir que o Brasil precisa de um banho de ética e competência administrativa, um troço assim. Mas não parece lá muito ético embargar 69 pedidos de CPI pela bancada governista na Assembléia Legislativa de São Paulo durante sua gestão. Tampouco me parece administrativamente competente obrigar alunos da rede estadual a passarem de ano - um aluno repetente custa caro ao Estado -, assim como não foi muito feliz a gestão do Secretário de Segurança Saulo de Castro Abreu, que tomou um olé do PCC neste período. 

Além de tudo, vale lembrar que, pior que um tucano, só um tucano membro da Opus Dei, como Alckmin. Aliás, as reuniões da Opus Dei de Pindamonhangaba devem ser qualquer coisa de alucinógenas. 

Certa vez ouvi Geraldo, como gosta de ser chamado, dizer que falta a Lula sensibilidade administrativa. Talvez seja verdade. Mas para o tucano, que não tem carisma e não tem moral, é mais que isso: falta sensibilidade humana. Coisa que montar em jegue no Nordeste jamais vai resolver.

sexta-feira, 29 de setembro de 2006

OSSIÊ CRISTOVAM BUARQUE: I´M JUST A POOR BOY, NOBODY LOVES ME

A lábia do senador Cristovam Buarque (PDT) não é de se jogar fora, o que não quer dizer que ele consiga sair de seu mísero ponto nas pesquisas. Aliás, a pontuação dele nos ibopes da vida parece ser diretamente proporcional a sua capacidade de argumentação: Cristovam começou a campanha com 2% e, depois de dois meses de disse-me-disse no rádio, na TV e em todo lugar, caiu para um ponto. Pra quem só tem um projeto para a presidência - o de educação - tal pontuação não é rasa e não é funda, é apenas a parte que parece lhe caber deste latifúndio eleitoral. 

Cristovam tem um projeto de educação que, de fato, provavelmente ninguém tenha similar no país. Lembro que tomei contato com os projetos educacionais dele em uma entrevista que deu para a Revista Bundas lá se vão seis, sete anos. Eu, moleque de 18, 19 anos prestes a prestar vestibular e que vinha de uma escola pública que me obrigou a passar de ano, achei aquele careca de Brasília políticamente maneirão - porque fisicamente ele não faz o meu tipo, como todos os outros homens, aliás. O problema é que, com o passar do tempo, minhas sinapses se ocuparam de outras coisas que o projeto educacional de um senador do Distrito Federal, de modo que não me lembro dos argumentos que achei sensacional à época. Tinha algo a ver com a padronização do ensino no âmbito federal: Cristovam dizia que, se um banco estatal como o Banco do Brasil pode ter o mesmo atendimento em São Paulo e no Piauí, uma escola também poderia. 

O problema de Cristovam Buarque surge em todas as outras áreas: ele não tem projeto pra mais nada. Perguntaram para ele certa vez sobre suas intenções para melhorar o turismo no nordeste do país, e ele: "Precisamos elevar o nível educacional dos guias turísticos para atender os turistas melhor". Talvez algum desejo reprimido por alguma professora do ginásio explique a tara do pedetista - mas que fique claro, seria bom se outros políticos tivessem tal tara. 

A política econômica dos sonhos de Cristovam Buarque é de tirar a fome de um etíope: ele já disse mais de uma vez que ama de paixão o Pedro Malan, ex-ministro da Economia de FH e office-boy dos grandes bancos, chegando a declarar, nos tempos de presidência tucana, que, se eleito em 2002, Lula deveria manter a equipe econômica anterior - aquela uma que atolou o Brasil numa baita crise de populismo cambial às vésperas das eleições de 98, paralisando o país por quatro ou cinco anos. 

Logo, apesar de conseguir certa fama de bonzinho, Cristovam Buarque não é exatamente flor passível de uma fungadinha. E a insistência monotemática na educação e a pouca atenção destinada a ele pelos adversários me faz lembrar daquela música do Queen, Bohemina Rapsody, cuja uma passagem dá título a este post. Any way the wind blows.

segunda-feira, 25 de setembro de 2006

DOSSIÊ HELOÍSA HELENA: A HIPÓTESE DE, ESTANDO NO INFERNO, ABRAÇAR O CAPETA

Mistura de Garoto Enxaqueca com Beth a Feia, Heloísa Helena construiu a carreira política na base do corpo-a-corpo com as camadas mais marginalizadas da população, o que é bom, e na base de frases feitas, o que é ruim. Sempre se disse a favor do calote da dívida externa, da queda acentuada dos juros e da reforma agrária ampla, que são propostas da esquerda clássica, mas também adora uma conversinha de tiazona católica papa-missa, que não poucas vezes ultrapassa o limite do conservadorismo joãopaulosegúndico. Não pode ouvir falar em aborto, por exemplo, proposta básica das feministas que normalmente simpatizam com a esquerda. Quando candidata à prefeitura de Maceió em 1996, tentou processar a candidata rival, Kátia Born (PSB), por "conduta sexual inadequada" - reza a lenda que Kátia gosta que a chamem de Vantuir. Naturalmente, a processada foi a própria Heloísa Helena, que também tomou nabo no pleito - no bom sentido, é claro. 

Mino Carta define a candidata do PSOL como udenista. Faz sentido. Quando da cassação de José Dirceu no ano passado, um avalanche de discursos moralistas da oposição invadiu o Congresso, geralmente vindos do PSDB e do PFL. Mas entre estes estava a senadora HH. Não digo que Dirceu seja inocente, mas não havia meia prova contra ele para que fosse cassado, apenas a suspeita. Foi uma cassação política, caça às bruxas, um vexame republicano. O discurso de Helena pedindo a cabeça do petista foi digno de um Carlos Lacerda, de mera promoção política, quando um sujeito sensato votaria contra a cassação por falta de provas. 

Enfim, falta a Heloísa Helena profundidade e escrúpulos - eu ia dizer que falta estrógeno, mas isso seria maldade e portanto não vou fazer. A favor dela, é bom dizer que há gente boa no PSOL, e que o voto nela seria ao menos um sinal de protesto. Ou, como diz aquele sambão do Nelson Sargento: "Nosso amor é tão bonito, você finge que me ama, eu finjo que acredito".

DOSSIÊ SORRYPERIFERIA DE PRESIDENCIÁVEIS

                                        José Serra: "Meus assessores lêem SorryPeriferia" 

Há coisas realmente inesquecíveis em uma campanha eleitoral, e não é do rabo de cavalo do Osmar Lins "Peroba Neles" que estou falando. Veja, por exemplo, a sabatina que a Folha de S. Paulo - eleito o melhor jornal do mundo por uma convenção de marmotas com retardo mental do Vale do Jequitinhonha - realiza todo pleito (que palavra feia essa, pleito). O negócio tem lá o seu glamour, pois a tal sabatina nunca está solitária nas linhas do jornal - sempre conta com a companhia de ao menos um adjetivo pomposo como na expressão "a já tradicional sabatina de presidenciáveis", usada a torto e nunca a direito. 

Embora queira também dizer "debate", sabatina é uma palavra que costuma delegar algum poder a uma das partes envolvidas. Por exemplo: uma professora sabatina o aluno, o mestre o pupilo, o chefe os empregados. Mas a soberba folhuda é tão magnânima que o jornalão se dá ao luxo de sabatinar os candidatos à presidência da República, como se ela fosse, assim, porta-voz da sabedoria, senhora de todos os segredos do jornalismo, a Mister M da nação - a sabatina folhuda é nada mais que uma entrevista coletiva com o candidato realizada por jornalistas da casa. 

Como SorryPeriferia é um blog a serviço do Brasil, também ousa fazer coisa parecida com os quatro principais candidatos pleiteantes a sentar no trono do Planalto e na privada do Palácio do Alvorada. Não uma sabatina, já que o editor dele não é mãe de candidato, mas uma espécie de, aproveitando o gancho de momento, dossiê da candidatura de cada um. 

As Eleições 2006 prometiam ser as mais chatas desde que houve disputa pra eleger o síndico da primeira caverna coletiva de cro-magnons. Mas a tal compra do dossiê que não provou nem que José Serra é careca deu certa malemolência tropical à disputa, que andava em ritmo de Corcel 73 na Bandeirantes. 

Amanhã, neste espaço, um perfil de Heloísa Helena, a maior defensora de frascos e comprimidos da eleição. Nos dias seguintes, Cristovam, Alckmin e Lula, na ordem que me der na telha. 

SorryPeriferia: não dá para não ler. E você nem precisa da senha do UOL para isso.

segunda-feira, 18 de setembro de 2006

HOMEM É HOMEM, MENINO É MENINO, MACACO É MACACO E VIADO É VIADO

"(...) As afirmações de Freud escandalizavam cada vez mais o meio médico vienense e foram a razão por que vários de seus colegas abandonaram a Associação Internacional de Psicanálise. O principal motivo do escândalo era o modo desenvolto como Freud divulgava seu pensamento ainda mal acabado sobre o problema sexual das crianças, que ele afirmava serem sujeitas a desejo sexual e que o objeto desse desejo freqüentemente eram os próprios pais. Além do complexo de Édipo, em que o filho deseja sexualmente a mãe (na tragédia grega desse nome, Édipo se casa com sua mãe, sem o saber), Freud admitiu também o Complexo de Eletra, como a inveja que a menina tem do pênis do menino, e chamou a criança de um "perverso polimorfo". Distinguiu na sexualidade três fases pelas quais passa o seu desenvolvimento: as fases oral, anal, genital, que normalmente se sucedem nessa ordem, mas com casos de regressão e fixação. Sua reputação sofreu ainda mais quando publicou em "Fragmentos da análise de um caso de histeria", as perversões sexuais de uma jovem cliente, - na ficha médica "Dora" -, sem a sua permissão". 

quinta-feira, 14 de setembro de 2006

SONHOS

SONHOS 

Isto deveria virar uma seção fixa deste hebdomadário virtual. 

1. Sonhei que andava por um pântano desconhecido quando uma mosca branca gigante, do tamanho da palma da minha mão, horrenda, passou a zumbizar em meu ouvido. Dei-lhe umas traulitadas nos cornos e uma voz ou algo do gênero veio me dizer que eu tinha acabado de matar o deus das moscas, e que isso acarretaria mudanças profundas. Fiquei assustado, achando que todos os mosquitos do mundo iriam tentar se vingar de mim, e uma sobrancelha se levantou em preocupação. Imagine, nunca mais uma noite de sono bem dormida, logo eu que durmo 12 horas e reclamo porque preciso de mais. O fato é que as moscas na verdade tinham uma semelhança profunda com o candomblé e outra religiões africanas: ao invés de tentar a vingança, elas passaram a me adorar como o novo deus delas. A esquete sonífera termina comigo andando rápido tentando me desvencilhar da horda de moscas que me seguiam pelo pântano, assim, como seu eu estivesse fedendo. Acordei com três picadas de pernilongo. 

2. Sonhei que estava trabalhando à noite, como sempre faço, quando recebo um telefonema da Polícia Federal me convidando para trabalhar com eles. Um amigo - não sei quem - tinha me indicado, assim, como se trabalhar para a PF fosse jornalismo, onde se indica seus amigos. O problema é que no dia seguinte bem cedo eu teria que embarcar para a cidade de São Paulo de Olivença, no Amazonas, fronteira com a Colômbia, para fiscalizar o tráfico de drogas e a pesca ilegal de tilápias - aposto o dedo mindinho do meu office-boy Felipe Mucosolvan Corizza que não há uma só tilápia em todo o Amazonas, até porque deve ser peixe de mar (eu sempre como tilápia na praia). O sonho termina com meus pais procurando itinerários de ônibus urbanos em São Paulo de Olivença para que eu conseguisse chegar até os locais de trabalho sem maiores dificuldades. 

Como diria Aristóteles: é sonhando merda que se aduba a mente.

quarta-feira, 13 de setembro de 2006

Teresa era uma bela menina de dezoito anos que bebia, cheirava e gastava muito de dinheiro, pois seus pais eram ricos. De farra, decidiu ter uma filha, que chamou de Maria. Logo cansou-se do bebê, passou-o para os pais e foi viajar pelo mundo. Sentindo-se indesejada, Maria passou a irritar os avós, embora ela mesma não visse nada demais no seu comportamento. Quando fez oito anos, os avós a mandaram para outra filha no Rio de Janeiro. Esta, professora, casada com um rico homem de negócios, ficou muito contente, pois era infértil. Logo, porém, Maria começou a trocar os pés pelas mãos, a dizer coisas na hora errada, a atrapalhar a vida do casal de meia-idade. Antes de remetê-la de volta aos avós, os pais-tios da menina levaram-na a uma psicanalista. Esta não demorou muito para descobrir que Maria era uma bela menina, absolutamente normal e que apenas se sentia rejeitada, pois nunca fora amada por ninguém. Maria adora ir à psicanalista, que a trata bem. Outro dia, jogaram um jogo de cartas infantil - Maria tem dez anos - e a médica permitiu que Maria ganhasse todas as partidas. Num determinado momento, disse à menina: 

- Mas você é uma craque mesmo, hein, Maria? 

A princípio, a garotinha espantou-se. Depois olhou profundamente nos olhos da psicanalista até convencer-se de que ela falava sério. Então deu um largo sorriso e exclamou: 

- Eu sou uma craque mesmo, não é verdade? - Alçou os braços e começou a dançar pelo consultório - Eu sou uma craque. 

Ao fim da sessão, deu um beijo na psicanalista e, com lágrimas correndo pela face, pediu: 

- Será que a senhora poderia dizer para a titia que eu sou uma craque? 

Imagino que as crianças que pedem esmolas à noite pelas ruas sofram mais do que Maria. Por outro lado, a dor é incomensurável. Quando dói na gente, dói mais que todas as dores do mundo. Qual será a circunferência da dor de uma menina rejeitada prestes a ser abandonada? 

A Milésima Segunda Noite, Fausto Wolff.

domingo, 3 de setembro de 2006

O MOVIMENTO ESTÁ PARADO

Se você acreditou naquela teoria do Super Homem que o alemão bigodudo dizia, lamento informar que o Super Homem nunca veio. Era um devaneio de um sujeito que queria comer a própria irmã. O mais próximo a que chegamos do Super Homem foi o Christopher Reeve, que já morreu. 

Um tal de Diógenes certo vez saiu andando com uma lanterna acesa em plena luz do dia. Disse ele que queria iluminar o primeiro Homem que surgisse em sua frente na Grécia Antiga. Homem na essência da palavra. Mas ele não viveu pra ver a luz elétrica nem o shopping Frei Caneca, então o sentido do que ele queria dizer ficou entalado no porão da História. 

A guerra purifica a raça humana, pois só os mais fortes sobrevivem. A teoria do Humanitismo. Se dois grupos humanos atravessam uma plantação de batatas suficiente apenas para um deles, os dois grupos deverão se degladiar. Ao vencedor, as batatas. 

Ao vencedor as cabritas. Uma espécie de cabra das montanhas que vive no fiofó do mundo tem muito mais machos que fêmeas. Como estão mais valorizadas, na época do acasalamento, as cabras sobem correndo as montanhas mais altas e perigosas. Os machos se desembestam atrás. Alguns cansam e desistem. Outros caem e morrem. Outros não suportam ao frio. Mas sempre tem um que consegue chegar ao topo, no meio da neve, com quase nada de suas forças. E lá a fêmea enfim cessa seus caprichos e copula com o que dele restou. Como é humana a cabra das montanhas. 

O homem não possui instinto social. O homem é o lobo do homem. O homem busca sempre a vingança. É o único meio d´ele conseguir a superioridade ante o rival. O maior sofrimento que o homem pode ter é ser desprezado. 

E agora, uma foto de um homem passando o protetos solar em um porco: 

quarta-feira, 30 de agosto de 2006

TUDO QUE LHES PROMETI SERÁ COMPRIDO


Nos anos 20, a atriz Mae West, dentro de um decote que deixava seus seios brigarem entre si por espaço, dançava entusiasticamente com um rapaz empolgado, quando a ele perguntou: 

- Meu caro, você está com um revólver no bolso ou está tentando dizer que me ama? 

Cai o pano.

segunda-feira, 28 de agosto de 2006

AS DEZ MELHORES CANÇÕES DE CHICO BUARQUE

Quem trabalhou na Abril ou simplesmente foi criado lendo coisas por lá editadas acaba acostumando a ranquear tudo que aparece pela frente. Talvez este seja um costume pra lá de ridículo, mas é apenas mais na minha lista de costumes ridículos. 

Tentei organizar uma lista das músicas do Chico Buarque que mais gosto - eis como aproveitei meu domingo, o que considero muito bem aproveitado, diga-se. Separei apenas as músicas que considero sensacionais, excluindo as que ganharam a classificação "muito boa" para baixo. Fiquei com 27 em mãos, o que é só mais uma prova da genialidade do moço que ganhou o clichê "Ninguém entende as mulheres como Chico Buarque" como uma de suas boas definições. 

Eis o resultado: 

10) CONSTRUÇÃO (1971) - Fosse pra eleger as melhores músicas do Chico, essa provavelmente formaria uma trinca junto de Apesar de Você e Roda Viva. Mas como a lista é sobre as que eu mais gosto, entra em décimo lugar, porque é artisticamente impecável, mas não apaixonante como outras. Todas as frases da canção terminam com uma palavra proparoxítona de três sílabas. Essas palavras se alternam nas três partes da música, formando uma construção poética e musical de forte impacto. Como se não bastasse, é a história de um pedreiro que se achava importante demais em sua construção. Só que, ao cair da obra, ele morreu na contramação atrapalhando o sábado, grande lição sobre a relatividade da importância da própria vida. Coisa de gênio, sem dúvida. E fica ainda melhor agregada com Deus lhe Pague no final, relatando o desencarnar da alma do pobre coitado. 

9) GENI E O ZEPELIN (1977-78)- Canção para a peça Ópera do Malandro. Conta a história de uma secretária da beira do cais (pegou o eufemismo?) que dá para rigorosamente todo mundo. Mas eis que chega um zepelim disposto a destruir a cidade, que é um horror (sempre imagino Cubatão como cenário). O comandante, um sujeito boa pinta, desce e diz que só não vai explodir o local se aquela formosa dama lher servir. Essa dama é a Geni. Só que ela, que dá pra todo mundo, não se empolga com o sujeito, o que em muito explica o clichê do Chico realmente entender as mulheres como ninguém (isso é uma provocação, não joguem tomates na tela do PC). A cidade, que sempre joga pedra na Geni, vai aos prantos pedir pra ela passar uma noite com o sujeito. Ela cede aos apelos, mas no dia seguinte todo mundo volta a ralhar com ela. Uma crônica fantástica sobre a porção filhodaputa que mora nalgum canto dentro de todos nós. 

8) JOÃO E MARIA (com Sivuca, 1977) - Agora eu era o herói, e o meu cavalo só falava inglês, cantava Chico e Nara Leão. A melodia medieval composta pelo Sivuca mede a exata sensibilidade de letra de Chico. Um casamento perfeito, como o daquelas duas crianças do enredo da história que brincavam de rei e rainha, contada pelo narrador relembrando os tempos de nostalgia perdida - o tempo passou e ambos nunca mais se viram. Mulheres costumam se desmanchar com essa música. Chupa, Lionel Ritchie. 

7) ATÉ O FIM (1978) - Quando eu nasci veio um anjo safado, um chato de um querubim. Uma versão musicada do gauche da vida do Drummond, muito mais bem humorada. Vai ao fundo com o jargão "quando chove merda não garoa", já que nada dá certo para o protagonista. Mesmo assim, o jeito é continuar. E ele vai até o fim. Inesquecível. 

6) CAÇADA (1972) - Pouco conhecida, o que é uma pena. Foi composta para o filme Quando o Carnaval Chegar, do Cacá Diegues. Tem certa sonoridade de música medieval, como João e Maria, e conta a história de um caçador a espreitar sua caça, ao mesmo tempo que é extremamente erótica: a caça pode ser uma mulher. O jogo duplo é de arrepiar: De tocaia fico a espreitar a fera / Logo dou-lhe o bote certeiro / Já conheço seu dorso de gazela / Cavalo brabo montado em pêlo. O mundo do erotismo precisa conhecer essa música. 

5) O QUE SERÁ (1976) - Para o filme Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Bruno Barreto. A música é noventa vezes melhor que o filme, e pouco tem a ver com ele. É a música certa para crises existenciais, quando você fica triste por tudo de bom que poderia ter ocorrido nessa merda de país, e que você sabe que não vai mais ocorrer. E mesmo o padre eterno que nunca foi lá, olhando aquele inferno vai abençoar. Cantada com o Milton Nascimento, o que faz dela ainda melhor. 

4) MINHA HISTÓRIA (GESUBAMBINO) (Dalla - Palotino - versão de Chico Buarque em 1970) - Canção italiana com versão em português de Chico. Nunca ouvi a original, mas duvido que seja melhor que a em português. Um marinheiro deixou a minha mãe parada, pregada na pedra do porto, com seu único e velho vestido cada dia mais curto. O único sinal do marinheiro é a criança que ela dá a luz, o narrador da história. A mãe, frustrada com a ausência do homem que a amou por uma noite apenas, cria o filho no ambiente do cais e dá a ele o nome de Menino Jesus. Some o órgão ao fundo e vocais do MPB4, e você tem uma dos mais magníficos exemplos de sensibilidade humana. 

3) MULHERES DE ATENAS (com Augusto Boal, 1976) - Composta para a peça de mesmo nome, de Augusto Boal, histórico dramaturgo da esquerda brasileira, co-autor da música. Não estaria em nenhuma outra lista que não a minha. Tenho laços afetivos com ela. A melodia faça por si mesma, preenche todos os espaços de quem abre os ouvidos pra ela. Ao relatar a história das mulheres dos guerreiros da Atenas antiga, a letra é ora feminista, ora feminina apenas. Demoro uns bons vinte minutos pra me recompor ao ouvir esta música. 

2) APESAR DE VOCÊ (1970) - A mais singela homenagem ao ditador Emílio Garrastazu Médici. Samba clássico, aliado ao duplo sentido antológico da letra, que fala de um sujeito que tenta desencanar de um fora e que pode ser entendida como um "tua hora vai chegar" para a Ditadura Militar. Composta em 1970, passou pela censura e o single começou a vender horrores. Até que um militar menos burro entendeu que a coisa era com o Médici, e não só com um sujeito com dor de corno. Junção impecável de melodia, letra e relevância. Provavelmente a mais importante música de Chico Buarque de Hollanda. 

1) RODA VIVA (1967) - Composta para a peça de mesmo nome escrita pelo próprio Chico. Também casa com perfeição a música, e a letra com a relevância história. Um samba cíclico: por mais que as boas coisas simples da vida - o samba, a viola, a mulata, a roseira - tentassem se impor, eis que chega a Roda Viva, e carrega o destino pra lá. A Roda Viva, é claro, era a Ditadura Militar. Foi ao som dessa música que os mackenzistas idiotas do CCC - Comando de Caça aos Comunistas - se juntaram à polícia e invadiram o teatro Galpão, onde era encenada a peça, e bateram nos atores e destruíram o cenário. Roda Viva conta com a sempre bem-vinda participação especial do MPB4 nos vocais de fundo. Minha preferida desde pequeno, trilha sonora pras inúmeras rodas vivas que desde então a gente tenta jogar pra lá.