quinta-feira, 5 de outubro de 2006

DOSSIÊ LULA: É MELHOR CAIR EM CONTRADIÇÃO QUE DO OITAVO ANDAR

Quisera eu ter votado neste sujeito aqui


Reza a lenda que ex-petista é como ex-gay: é melhor contar a do português. Provavelmente continuo sendo petista mesmo, foi o PT que se despetizou - estrutura frasal esta que tende a dar um nó nas nossas sinapses se tentarmos levá-la a cabo. Posso afirmar que há quatro anos convenci 15 pessoas a votarem no Lula, e a noite da vitória, na Paulista, me deixou os cinco dias subseqüentes completamente sem voz, recorde pessoal que provavelmente jamais vou quebrar.

Neste pleito (continuo odiando esta palavra), até a madrugada de sábado para domingo eu estava em dúvida quanto ao voto para presidente. Pensava em Heloísa Helena como protesto - a hipótese de, estando no inferno, abraçar o capeta. Mas ela realmente não conseguiu me passar nada além do pout-pourri de clichês da esquerda na base da gritaria. Não grite perto de mim, eu saio correndo. Falo baixo e prefiro ouvir do que falar.

Comecei a cogitar votar em Lula nesta semana, quando, em discurso em Porto Alegre, ele declarou: "Se a imprensa hoje tivesse 10% da leniência que teve no primeiro governo FH comigo, agora eu seria eleito com 70% dos votos". Ao mesmo tempo, FH, em São Paulo, declarou que Lula era o demônio - o petista havia dito dias antes que se até Jesus Cristo havia sido traído, o que dizer dele mesmo. No dia seguinte, a imprensa estampou a manchete: "Lula se compara a Jesus Cristo", e pau no sapo barbudo. Mas quando FH o chamou de demônio, aí pode, sem problemas, a opinião do sociólogo é coerente e sorbonnal.

Penso que o governo Lula foi de fraco para mediano, com doses de corrupção que beiram o nível dos oito anos tucanos de antanho. A política econômica seguiu refém de uma entidade mística chamada Mercado Financeiro. Não respire em tempos de crise, o Mercado está nervoso (se o Mercado tiver um filho, este terá sérios problemas psicológicos por conta da pressão sofrida em casa). Desde 1995, quem se dá bem no Brasil não é pobre, não é a classe média, não são os agricultores nem os industriais: são os banqueiros. Todo ano, os principais bancos anunciam que tiveram lucro recorde, e isso continua crescendo em progressão geométrica. Lula e Palocci aceitaram jogar o jogo que FH e Malan começaram, o de ajoelhar-se, baixar o zíper dos banqueiros especuladores e concretizar um voluptuoso felácio.

Dentro deste triste jogo, inegavelmente Lula soube jogar melhor que seu sucessor. O país não cresceu, mas a dívida com o FMI, por exemplo, foi paga. A herança maldita que veio por conta dos quatro últimos anos de Malan foi remediada. Ao mesmo tempo, os projetos sociais no interior do Nordeste, como o Bolsa-Família e que tais, produziram sim uma economia local, antes inexistente. O programa é assistencialista - se o governo deixar de dar o dinheiro, tudo volta como era antes - mas, for jesus, pessoas de alguma forma estão comendo e eu não me importo se elas dependem ou não do dinheiro que pago de imposto para isso.

Votei em Lula, mas não no Lula que eu queria. Apertei o 13 com os dedos da galhofa e as teclas da melancolia mal sabendo o que esperar deste conúbio, só para usurpar uma expressão do Memórias Póstumas de Brás Cubas, bem apropriado ao nosso tempo, diga-se. Votei contra a burrice da direita, do conservadorismo torpe que tem as Vejas e Folhas como porta-vozes, o purê de batatas moral, a digestão bem feita de São Paulo, a burguesia que fede mas que tem dinheiro para comprar perfume - e consegui juntar Mário de Andrade e Falcão numa mesma frase.

Lamento informar - e me desculpe se isto o incomoda, fino leitor - mas eu gosto de pobre. Eu queria o Lula de 89 que não existe mais. Votei no Lula sem criar a expectativa de beijar o sapo barbudo achando que ele vai se transformar no príncipe da justiça social. Mas guardo a certeza de que não havia opção melhor. Os tucanos ladram, mas a caravana há de passar.

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