quarta-feira, 13 de setembro de 2006

Teresa era uma bela menina de dezoito anos que bebia, cheirava e gastava muito de dinheiro, pois seus pais eram ricos. De farra, decidiu ter uma filha, que chamou de Maria. Logo cansou-se do bebê, passou-o para os pais e foi viajar pelo mundo. Sentindo-se indesejada, Maria passou a irritar os avós, embora ela mesma não visse nada demais no seu comportamento. Quando fez oito anos, os avós a mandaram para outra filha no Rio de Janeiro. Esta, professora, casada com um rico homem de negócios, ficou muito contente, pois era infértil. Logo, porém, Maria começou a trocar os pés pelas mãos, a dizer coisas na hora errada, a atrapalhar a vida do casal de meia-idade. Antes de remetê-la de volta aos avós, os pais-tios da menina levaram-na a uma psicanalista. Esta não demorou muito para descobrir que Maria era uma bela menina, absolutamente normal e que apenas se sentia rejeitada, pois nunca fora amada por ninguém. Maria adora ir à psicanalista, que a trata bem. Outro dia, jogaram um jogo de cartas infantil - Maria tem dez anos - e a médica permitiu que Maria ganhasse todas as partidas. Num determinado momento, disse à menina: 

- Mas você é uma craque mesmo, hein, Maria? 

A princípio, a garotinha espantou-se. Depois olhou profundamente nos olhos da psicanalista até convencer-se de que ela falava sério. Então deu um largo sorriso e exclamou: 

- Eu sou uma craque mesmo, não é verdade? - Alçou os braços e começou a dançar pelo consultório - Eu sou uma craque. 

Ao fim da sessão, deu um beijo na psicanalista e, com lágrimas correndo pela face, pediu: 

- Será que a senhora poderia dizer para a titia que eu sou uma craque? 

Imagino que as crianças que pedem esmolas à noite pelas ruas sofram mais do que Maria. Por outro lado, a dor é incomensurável. Quando dói na gente, dói mais que todas as dores do mundo. Qual será a circunferência da dor de uma menina rejeitada prestes a ser abandonada? 

A Milésima Segunda Noite, Fausto Wolff.

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