
Não, esses são Junior e Sandy, e não um casal de pôneis
Eu fico triste. Seria capaz de encontrar com Fernando Henrique Cardoso na rua e, ao invés de esbofetear aqueles agressivos lábios de suvaco, empapar-lhe os ombros por conta de minhas lamúrias. Efe Agá, meu bom Efe Agá, explico o motivo de minha desilusão: li no jornal que a ex-atriz e ex-virgem Sandy - lembra dela? Aquela uma que tem um hamster de estimação chamado Junior - fez um show com Marcelo Bratke, um sujeito que se diz de formação clássica, onde teria cantado de Villa-Lobos a Cole Porter e Gershwin. Enfim, como diria o locutor das propagandas da Sessão da Tarde, uma rapaziada da pesada que aprontou as mais altas aventuras na música do século passado, e que costuma estar em uma órbita espacial muito além do que a navezinha da Sandy consegue chegar.
Confesso que não dormi desde então. Fiquei perambulando pela casa a vagar pelo assunto com a lamparina na mão, tal qual Diógenes. Diz Marcelo Bratke: "Escolhi a Sandy por diversos motivos: primeiro, porque é muito afinada. Além disso, ela tem um timbre de voz muito interessante. Quando ela interpreta It's Wonderful, de Gershwin, a sensação que dá é que estamos na Broadway na década de 1930" (leia a matéria completa, escrita por um repórter conhecido como notória fanchona no meio artístico).
Apertemos a tecla SAP da hipocrisia: Bratke escolheu Sandy porque ela dá ibope. Sandy, por sua vez, escolheu Bratke porque este daria a ela a chancela cult e, talvez, porque o Junior se enroscou no pescoço dela e não quis mais pensar em nada.
É por isso que eu comemoro a existência de Reginaldo Rossi, essa grande figura que faz o que convencionou-se chamar, entre meu grupo de amigos, de MPBM - Música Popular Brasileira Mesmo.
Reginaldo Rossi adorava uma flertadazinha marota com o erudito. Na canção Gênio Cabeludo, de 1972, acho, o Rei Ginaldo relatava um sonho que havia tido com Beethoven, onde este dava conselhos a ele sobre como fazer sucesso. "Beethoven também era cabeludo, desligado e ainda surdo, mas foi um grande campeão". A canção até se inicia com o PAN PAN PAN PAN que está para a música do compositor alemão assim como a marreta biônica está para o Chapolin Colorado: é a marca registrada.
Em outra canção, A raposa e as uvas, esta mais lírica, Reginaldo Rossi usa a fábula de La Fontaine (descobri isso muito mais tarde) para contar dos tempos em que ele freqüentava bailinhos com o intuito de dar um tapa na peruca da mulherada. "E tudo que a gente transava eram três, quatro cubas, eu era a raposa e você era as uvas, eu dentro do teu corpete querendo pular".
Reginaldo jamais se deu ao trabalho de pretender ser mais do que era, um cantor popular, brega e divertido, por mais que usasse referências ditas "cultas" em suas letras. E ser um cantor popularesco não faz dele uma figura ilegítima da música, muito pelo contrário. Ele faz bem o que propõe.
Sandy já não. Estava tudo bem enquanto ela cantava a tradução da primeira menstruação de Celine Dion - Eu cresci agora, sou mulher, tenho que encarar com muita fé. Era o água com açúcar que cativava as adolescentes virgens que sonhavam com príncipes encantados, e os garotos de 14 anos evangélicos que sonhavam junto ao travesseiro um dia tirar a pureza da Sandy.
Mas Sandy cresceu. Dizem até que não é mais virgem. E para mostrar ao público que ela ainda existe, enfia as cordas vocálicas onde não deveria. No fundo, é a mesma estratégia da Britney Spears que, no outono do pós-sucesso, tenta aparecer na imprensa se casando em Las Vegas uma vez por mês.
À Sandy restam as sábias palavras do filósofo Walter Benjamin: "Quem nunca come melado, quando come se lambuza". Nunca é demais ser modesto quanto a própria falta de talento.
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