sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

2007: O ANO QUE ACABOU

Há um conto do Jorge Luís Borges (isso é nome de funcionário público, não de contista) chamado A aproximação a Almostasín, do Ficções, de que já comentei por aqui. E logo chego com um adendo: a nova versão da Companhia das Letras exclui este conto do livro e o coloca em outro que não sei qual é. A edição de Globo do início dos anos 70, aparentemente com uma tradução chinfrim, contém o A aproximação a Almostasín. Foi essa que li há dois anos.

Este é um conto típico do Borges: aquela arrogância duplicada (primeiro, era argentino; segundo, era o Borges) vai suando pelas páginas ao relatar descobertas fantásticas de seus personagens sobre a História e a Filosofia. No fundo acho que ele só queria que o leitor se surpreendesse com o quanto ele próprio era genial, o que inevitavelmente acaba acontecendo.

Talvez (provavelmente?) não era intenção do autor, mas neste conto vi algo de uma beleza assustadora. O personagem principal está no fiofó da humanidade, onde tudo é horrível, todas as pessoas são tristes e carregam todas as chagas da humanidade (acho que o Borges conheceu o Parque São Jorge). No entanto, ele vê uma claridade em um dos homens do local - um jeito de olhar, uma expressão facial, um silêncio que não eram originários daquela pessoa. Provavelmente este um viu em outra pessoa, que pegou de outra pessoa e por aí vai. O personagem conclui que existe alguém que origina toda essa claridade, e então se impõe como meta de vida buscar, através da claridade que existe em cada um, este alguém que seja superior a tudo.

Na minha visão bem particular e que, creio, não teria o aval do Borges (reza a lenda que o bom da literatura é você tirar proveito da leitura da maneira que melhor lhe convir), a moral da história é tentar enxergar a tal claridade que o personagem apregoa nas pessoas ao redor. No fundo, é isso que fica. Às vezes a gente perde isso, mas sempre recupera no fim. Por diversos motivos, nem sempre dá, e quando não dá o jeito é deixar de esquentar a cabeça e chutar a bola pra frente, mas é daquelas crenças definitivas.

2007 foi daqueles anos psicologicamente bissextos, com o mundo caindo em quase todas as editorias da vida. Ele termino com o teclado da galhofa e as teclas da melancolia, mal sabendo o que esperar do conúbio de 2008 - e Machado de Assis deve estar dando coices frenéticos em seu caixão após eu vilipendiar essa frase. Resta acabar o ano bebendo junto dos amigos e cantando a música do Vinícius e do Carlinhos Lira que tenho como mantra nessas horas, a Marcha da quarta-feira de cinzas, e esperar pelos tempos melhores que estão no porvir.

Marcha da quarta-feira de cinzas, Vinícius e Toquinho é quem cantam:



Acabou nosso carnaval, ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações saudades e cinzas foi o que restou

Pelas ruas o que se vê é uma gente que nem se vê
Que nem se sorri e se beija e se abraça
E sai caminhando, dançando e cantando cantigas de amor

E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade

A tristeza que a gente tem qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir, voltou a esperança
É o povo que dança, contente da vida feliz a cantar

Porque são tão tantas coisas azuis
Há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar que a gente nem sabe

Quem me dera viver pra ver e brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais, que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

SINAIS DO DESENVOLVIMENTO





Ao que parece, um pessoal que passava pela Paulista manguaçando durante o alvorecer resolveu entrar no MASP e levar uns quadros pra pendurar no corredor que leva ao banheiro no puxadinho de um deles. Eu só não sabia que os retratos da Sílvia Poppovic e do Betão, zagueiro do Curíntia, valiam tanto.

Depois de todos esses tiroteios na periferia, finalmente um crime made in Brasil com glamour vai parar nas manchetes internacionais. Olha aí, seu Duque Estrada, nosso futuro espelhando essa grandeza.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

A PORTA DO BARRACO ERA SEM TRINCO

UM TOMATE E DUAS FOLHAS DE ALFACE

"As belas que me perdoem, mas a imperfeição é fundamental. O padrão estético é uma tirania, e olhem aí a anorexia espreitando, com requintes de sadismo, no espelho das agências de modelo.

Já visitou uma? É, acreditem, o tédio da uniformidade: aquelas loirinhas magricelas e de cabelos lambidos, todas iguaizinhas, lindas e sorumbáticas, pernaltas e insossas, sonhando com um hambúrguer e um petit gâteau enquanto terçam os talheres sobre um tomate e duas folhas de alface. Juro que ali ninguém atiça os nobres hormônios da masculinidade."

Nirlando Beirão, CartaCapital de 5 de dezembro de 2007.

Atesto em gênero, número e grau o referido acima - trabalho no prédio da Ford Models, a agência que recruta flamingos em calças jeans. A começar por este reles blogueiro, Nirlando Beirão escreveu exatamente o que muita gente gostaria de ter escrito, tanto em forma quanto em conteúdo..Há uma - este travessão é só para interromper o cacófato - música bem antiga, mas antiga mesmo, do tempo em que o jovem Oscar Niemayer arquitetava choupanas para se esconder dos mastodontes, chamada Chão de Estrelas. Há um trecho em que o cantor fala da singeleza da amada, onde ela pisava nos astros tão distraída. Rapaz, o que já ouvi de gente louvar este trecho... Manuel Bandeira chegou a dizer que é o verso mais belo da Língua Portuguesa.

No entanto, ao imaginar a moça pisando nas estrelas com desdém, tudo que visualizo é uma tiazona suada e descordenada a patinar em cacos, culminando num irremediável tombo ao fim da cena. Eu rebatizaria a canção como Tropicão de estrelas, donde o tropicão tem como único objetivo assassinar a última flor do Lácio, inculta e cada dia mais feia.

Eu já fui mais romântico.



P.S.: Letra completa da música que desprezo.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

UM TOMATE E DUAS FOLHAS DE ALFACE

"As belas que me perdoem, mas a imperfeição é fundamental. O padrão estético é uma tirania, e olhem aí a anorexia espreitando, com requintes de sadismo, no espelho das agências de modelo.

Já visitou uma? É, acreditem, o tédio da uniformidade: aquelas loirinhas magricelas e de cabelos lambidos, todas iguaizinhas, lindas e sorumbáticas, pernaltas e insossas, sonhando com um hambúrguer e um petit gâteau enquanto terçam os talheres sobre um tomate e duas folhas de alface. Juro que ali ninguém atiça os nobres hormônios da masculinidade."

Nirlando Beirão, CartaCapital de 5 de dezembro de 2007.

Atesto em gênero, número e grau o referido acima - trabalho no prédio da Ford Models, a agência que recruta flamingos em calças jeans. A começar por este reles blogueiro, Nirlando Beirão escreveu exatamente o que muita gente gostaria de ter escrito, tanto em forma quanto em conteúdo.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

DA SÉRIE: GRANDES VERDADES MINIMALISTAS

Duas certezas ficam ao vasculhar os fóruns da internet depois da queda do Corinthians à Série B:

1) Ninguém gosta do Curíntia;

2) Ninguém gosta de vírgulas.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

ODE À MEGALOMANIA

Quem não é jornalista talvez não esteja muito familiarizado com o tipo identificado como jornalistinha. Segundo a Enciclopédia Vives-Larrouse de Adjetivos Pejorativos, jornalistinha é aquele sujeito que entra na faculdade crente que vai derrubar um presidente, viajar para o Tibete para escrever uma grande reportagem literária e ter uma coluna na Ilustrada sobre bandas escocesas de garagem que ninguém conhece cujo baterista morreu de overdose em 1969. Normalmente ele não consegue nada disso e cria um blogue.

Ao jornalistinha, a megalomania cai tão bem quanto uma saia curta na Catherine Zeta Jones. É bom frisar que jornalistas não são os únicos megalomaníacos, porém. Provavelmente toda profissão que envolva remuneração alta ou alguma proximidade com o poder - o jornalismo só se encaixa neste último, e eventualmente - possuem grande número de pessoas que masturbam o pequeno argentino que existe dentro de nós.

Abre parênteses. Não tenho problemas em dizer que também sou um megalomaníaco enrustido, ou então jamais sonharia regularmente que estou salvando a humanidade, o país e um grupo de pessoas ou tentando evitar que os americanos joguem a bomba atômica no quintal da casa dos meus pais só porque minha tia-avó que já morreu não quer sair do telefone. Fecha parênteses.

Na verdade estes parágrafos introdutórios foram uma tergiversação para dizer que vi um filme de suspense/terror que é um afago no ego de todo jornalistinha primeiro-anista da ECA. Não revelo o nome porque contarei o final. Quem já viu, vai saber qual é. Quem não viu não sairá deste blogue no prejuízo.

No filme em questão, o filho do Diabo vem à Terra para fazer mal às pessoas, bater em criancinhas, estuprar velhinhas, dar nó no cadarço do papa enquanto este faz discurso na Praça São Paulo e outras coisas similares. Acho que dizer que o cara é um Maluf zoófilo dá a exata dimensão da coisa.

Eis porém que de repente surge o estupor da megalomania: uma jornalista da BBC que prometia ser figurante no enredo transa com o filho do duba-dubá e, no frigir dos ovos, dá uma apunhalada nas costas dele que faz a humanidade toda cantar "We are the champions" no fim do filme (mentira, elas só cantariam isso se o diretor fosse eu). A jornalista é quem salva a humanidade do mal.

Rezo para uma continuação disso. A sanha imperialista do diabo se desfaz, mas como fica a história da jornalista que passou uma noite de furor libidinoso com o diabo e depois o botou pra correr? Deixo aqui um esboço de meu roteiro: ela ficaria famosa, escreveria um best-seller de memórias intitulado "Eu e o Diabo: Relatos de uma Vencedora", ganharia um Prêmio Comunique-se pela reportagem na BBC, uma coluna num jornal - talvez pra falar sobre bandas escocesas de garagem que ninguém conhece cujo baterista morreu de overdose em 1969 - e seria amiga da Mônica Bergamo.

Anos depois, o declínio da salvadora. Uma ponta numa novela da Record aqui, uma entrevista no Ronnie Von ali, uma matéria secundária na Caras dizendo que ela está amicíssima da Bárbara Paz e, por fim, aos 50 anos, a volta por cima: uma inusitada atuação como protagonista num filme da Brasileirinhas intitulado Possuídas pela Diabo, com a especial participação de Haroldo Predador no papel do encanador Lúcifer, o cano mais endiabrado da cidade. Chupa, Sylvia Saint. Chupa, Miriam Leitão.

domingo, 18 de novembro de 2007

DA PRIMEIRA VEZ EM QUE FIQUEI BÊBADO

Eu ia dizer que lembro como se fosse ontem mas, como se não bastasse o clichê, é mentira. Fiz um esforço hercúleo para tirar da memória a primeira vez que fiquei bêbado. Localizada a sinapse, os fatos vieram à tona feito nhoque cozinhando na panela – a metáfora gastronômica surge porque é uma e meia da manhã e eu estou com fome.

Havia uma danceteria – não existia a expressão “balada” naquela época - em Jundiaí chamada “Dreams”. Reza a lenda que em muitas outras cidades o nome “Dreams” se refere a puteiros, o que faz mais sentido. Porém, na minha terra, “Dreams” era onde, por 15 reais, Whigfield, Alexia, La Bouche, Double You, Scatman John e outros ícones da batistaca invadiam os ouvidos ao mesmo tempo em que a fumacinha de eucalipto surgia na pista de dança. Se você queria ser um cara legal em Jundiaí em 1997 – Deus meu, que triste dizer isso - você tinha que ir à “Dreams”.

Naquele tempo, um dos meus poucos amigos era o Maguila. Não o original, e sim um sósia dele na minha sala do colegial. Maguila era o sujeito calado por excelência. No primeiro dia de aula, fiz duas perguntas quaisquer para ele, e tive como resposta: “Não sei”. Ficamos amigos. Era o único sujeito que falava menos do que eu – sintaticamente, todas as suas frases eram formadas por períodos simples, jamais compostos - e, de quebra, ria de absolutamente qualquer coisa que eu falava.

Eu e o Maguila combinamos uma semana inteira de ir à Dreams na sexta-feira. Eu passaria a pé na casa dele e juntos andaríamos um quilômetro até a danceteria, que batia muro com uma Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. A fila ficava na frente da igreja, o que me permitiu decorar o nome dela – e tive tanto sucesso nesta empreitada que hoje, dez anos depois, o escrevi inteiro neste parágrafo sem dar uma olhadela no Google.

O interior da Dreams era roxo, as luzes também era roxas e o fumacê de eucalipto da pista de dança me deixava um tanto confuso. Eu tinha o maior medo de pisar nas pessoas, o que de fato ocorria a torto e a direito. O que eu era xingado por meninas só porque pisava no salto agulha delas nas baladas não estava escrito.

Lembro que eu e o Maguila entramos, pisamos em alguns pés femininos, ouvimos alguns xingos e ficamos com cara de merda. Eu tinha vergonha de dançar porque era maior que todo mundo no recinto e as pessoas ficavam me olhando com as sobrancelhas arriadas, sem contar no espaço que eu gastava pra me mexer pros lados. Aí o Maguila teve a grande idéia: “Vamos beber”.

Saímos da pista de dança para entrar na fila dos drinques que eram feitos por um barman que era a cara do Eduardo Suplicy. Eu achei o máximo o Suplicy ali girando a coqueteleira como se fosse fácil. Por sugestão do Maguila, pedimos uma Pina Colada que, naquela idade, era uma coisa deliciosa, doce como todas as bebidas deveriam ser aos 16 anos. Depois pedimos ao Seu Suplicy um Curaçao Blue. Este sim era uma merda. Tinha gosto de bagaço de laranja.

Voltei para a pista de dança um pouco mais solto, me mexendo mais, para azar do resto das pessoas. Comecei a observar a liturgia do xaveco furado. Perguntei ao Maguila se ele não ia arriscar a fazer o mesmo com alguém, no que ele me respondeu que tinha vergonha e – frase clássica – tava “di boa”. Resolvemos sair de lá em definitivo para beber.

Como a fila de bebidas era enorme e bagunçada, o Maguila me ensinou um truque que ele havia visto em outra balada: “Era só chegar no balcão no meio das duzentas pessoas reclamando da demora, gritar “Cadê a minha cerveja, porra?” que o coitado do atendente deixava uma correndo na minha mão. Fiz isso com cervejas e caipirinhas, mas não lembro quantas.

Lembro do Maguila arriscando algumas orações com período composto a dizer que pretendia arrumar um emprego, o que não conseguiu até o fim do colegial – anos depois fui saber que ele trabalhava num lava-car, tinha um pit bull e duas tatuagens de rothweiller nos braços. Passamos o tempo pendurados no balcão falando mal das professoras, ranqueando as meninas gostosas da escola e outras coisas sobre a vida de dois adolescentes que não tinham muita intimidade com os holofotes.

Deixamos a Dreams às três da manhã e voltei pra casa bêbado fazendo a Dança da Manivela nas ruas. O Maguila, coitado, não parava de pedir pra eu parar porque poderia acordar a vizinhança.

Ao contrário do que possa parecer, eu me diverti muito naquela noite.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

O HOMEM QUE MATOU O ÓDIO COM A HERANÇA



Com insistente freqüência sou apontado como um sujeito ultrapassado. Ganhei a pecha por conta de algumas preferências, mas não endosso. Eu diria que sou um sujeito atemporal, que gosta de coisas sem se importar quando foram feitas (impressão minha ou esta frase soou arrogante? Não importa). O momento em que a obra foi realizada é sempre um dado que ajuda a interpretar um filme ou uma canção, não importa se é de ontem ou do tempo em que o Mar Morto ainda vivia. O tempo nunca pode ser parâmetro pra definir o que é bom ou ruim, a não ser quando algo é tão bom que sobrevive a ele.

Só existe uma coisa que, de fato, prefiro os de antigamente: carros. Eu gosto de carro antigo. Sou capaz de fazer um escândalo siciliano ao ver uma Romi-Isetta na rua e, no entanto, faço beicinho para uma Ferrari F50. Se alguém quiser me ver num momento infantil, debilóide mesmo, me leve a uma exposição de carros antigos.

Mas não é disso que eu queria falar.

Fiz o intróito para falar de dois filmes velhos, com cheiro de mofo, que provavelmente vai atacar as urticárias desse povo muderno de quem vivo levando espinafradas. O gênero é western ou, como diria meu falecido avô, filme de farweste, com muita morte, muito índio, muita puta mexicana e muito whisky vagabundo no gargalo.

Ontem revi o clássico Meu Ódio Será Sua Herança (The Wild Bunch), de 1969, época em que o gênero bangue bangue dava seus últimos suspiros. Eu queria observar o papel de William Holden (mais famoso por A Profecia 2), o personagem principal. Holden é o líder de uma gangue na fronteira dos States com o México. Ele é caçado por uma outra gangue liderada por um ex-amigo (Robert Ryan). Os dois são fodões, se respeitam e têm aquela ética que só os fodões que se respeitam têm.

Mais que isso: Holden é o típico herói de filme americano de antigamente: resolve os problemas dos outros, nunca os seus. Tem um código de ética severo, não se perdoa pelos erros e com demasiada freqüência é figurante na vida dos outros e nunca personagem principal da sua própria. É um personagem denso, mas cansativo demais para os que estão em seu entorno - até para ele mesmo, que sempre demonstra querer mudar tudo, mesmo sabendo que não consegue ser de outro jeito.

Mais forte que Meu Ódio Será Sua Herança é O Homem que Matou o Facínora (The man who shot Liberty Valance), de 1962, época em que o western ainda vivia grande forma. James Stewart é o advogado sensível e moderno da cidade grande que chega a Shinbone, um vilarejo mundo-cão, disposto a fazer justiça. John Wayne é um cara durão, vaqueiro local, que segue as regras do jogo e é respeito assim.

John Wayne não é o personagem principal ao mesmo tempo em que o é. Mais que isso: é o típico herói do cinema americano de antigamente: não tem passado, veio de lugar nenhum, carrega suas chagas consigo, chega para resolver o problema e vai embora da mesma forma com que entrou no enredo. As atitudes de Tom Doniphon, o personagem de John Wayne, são todas baseados no que é o correto, não no que ele gostaria. Terminada sua missão, ele volta, sozinho e com dor, para o lugar de onde veio, que ninguém nunca sabe onde é - nem ele.

Eu poderia recomendar os dois filmes, mas, na qualidade de ultrapassado, não o farei. Provavelmente vou cansar o fino leitor com tamanha quinquilharia em forma de película. Prefiro dizer que o Código da Vinci está aí nas locadoras para ser alugado. Asseguro que é bastante atual. E me deixem com meus farwestes em paz.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

O CANTO DOS CISNES DA ADOLESCÊNCIA

Eu tinha 15 anos e era noite de Natal - e esse começo mais parece o início do conto da rena do nariz vermelho. Juro que não tem nada a ver. Prossigo: como de costume à época, meu pai pegava o fusquinha verde e se dirigia para as casas de alguns amigos para desejar boas festas. Eu sempre ia atrás. Era sempre um motivo pra ele ver a rapaziada, contabilizar os que morreram naquele ano, falar de futebol e de política, beber e comer os quitutes que as mulheres dos amigos dele preparavam: a torta de palmito da Dona Marli, o rocambole da Dona Nice, a queijadinha da dona Não-lembro-mais-o-nome. A gente voltava umas dez da noite e era bom porque passávamos menos horas agüentando a infinidade de tias-avós lá em casa, a maioria das quais sempre reclamando do preço dos remédios e a dizer que aquele seria o última natal da vida delas.

Neste natal específico, lembro de chegar com meu pai à casa de um amigo e ser recebido pela filha dele, médica que era uns dez ou quinze anos mais velha do que eu. Ela ofereceu cerveja ao meu pai e perguntou se eu queria uma. Meu pai logo interveio: "Ele não bebe ainda". Lembro que ela arregalou os olhos e disse: "Seu Roberto, você acha que esse moleque não bebe? Olha essa cara de beberrão. Pega essa cerveja, menino. Se não bebe ainda, vai começar agora. Já passou da hora de um homem desse tamanho começar a beber".

Lembro de pegar a cerveja na mão e contemplar o infinito, vitorioso. As pessoas vinham encher o meu copo igualzinho como faziam com os adultos, e ainda perguntavam minha opinião sobre as coisas. Ali eu deixava de ser somente o filho do meu pai para ser também gente grande. Nunca mais parei de beber.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

SAUDADES DOS LÁBIOS DE SUVACO


http://www.sorryperiferia.blogger.com.br/fhc_3010_238.jpg

Lembro do tempo em que eu lia a Revista Bundas. E já abro parênteses logo de cara: fui educado pela Revista Bundas. Colecionei todas as edições dos dois primeiros anos e quis ser jornalista pra fazer as coisas que faziam o Ziraldo, o Jaguar, o Luiz Fernando Veríssimo, o Sergio Augusto, o Redi e, acima de todos, o Fausto Wolff, que anda fazendo cagadas, mas que será para sempre o meu ídolo-mor. Lembro das representações do então presidente FHC feitas pelo Aroeira, um dos grandes cartunistas do Brasil. O nosso guru sorbonal era inevitavelmente representado com os lábios enormes, como que atacados pelas aftas da vaidade. Acho que foi o Fausto quem o apelidou de "Lábios de Suvaco". Enfim, foi com o lema "Quem põe a bunda em Caras não põe a cara em Bundas" que eu aprendi a ser gente, sempre na hipótese de que tenha obtido êxito nesta empreitada.

Mas este intróito saudoso surgiu porque queria falar de Fernando Henrique (não sei se já disse isso, mas no dia em que eu tiver um cachorro, daqueles vira-latas bem feios e safados, certamente vou chamá-lo de Fernando Henrique). Os jornais desta segunda-feira estamparam manchetes dizendo que o antecessor de Lula considera uma grande insensatez um possível terceiro mandato do sapo barbudo. Reproduzo as aspas expelidas por FH no Estadão:

- Uma questão é a reeleição, que é uma coisa normal, existe na maioria dos países. Outra questão é a extensão do mandato. Iria no caminho de um mandato indeterminado, o que é antidemocrático.

Essa frase seria perfeita se não fosse dita justamente por Fernando Henrique, que se mostra detentor de um cinismo de filme inglês dos anos 60. Um terceiro mandato de Lula seguido seria sim um absurdo - e que o deputado petista Devanir Ribeiro, mentor da idéia, tenha sucessivas cãimbras nas partes íntimas caso continue com isso na cabeça - mas essa coisa de reeleição, da maneira como foi feita no Brasil pelo PSDB, foi como se crianças jogassem o Jogo da Vida e, no meio dele, decidissem mudar as regras para beneficiar aquele que já estava ganhando. Faltando pouco menos de dois anos para as eleições de 98, a bancada tucana comprou deputados, senadores (há quem diga até governadores) por valores bem altos em nome de mais quatro anos no poder. Para o caso de um país com a estrutura democrática aperfeiçoada, aprova-se a releição para o mandato seguinte. Mas como vivemos na Índia, FH se fartou com mais quatros anos, suficientes para implementar a quebradeira do país.

Mas o ponto alto da fanfarronice foi esta frase:

- Precisamos mesmo da CPMF? No passado, precisávamos. Não posso ser incoerente quanto a isso. Mostramos que era necessário. Mas, de lá pra cá, a situação fiscal melhorou. A arrecadação fiscal melhorou muito.

Estima-se que Fernando Henrique Cardoso queira dizer o seguinte: "Quando eu estava lá, podia. Agora que eu saí, não pode mais". Assusta o fato de o discurso de FHC de antigamente ser o muito próximo do de Lula hoje e vice-versa. Mas não vou cair em tentação de dizer que é tudo a mesma coisa. Ainda tenho certeza de que, apesar dos defeitos, o legado de Lula é algo que vá ficar por muito tempo.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

QUE MERDA



após um porre, soltei um "que porra" e resolvi ler bukowski. puta beberrão do caralho, eu teria que me identificar com algo desse cara. mas aí fui procurar a vida do sujeito e vi que, tirando a barba e o porre eventual que tomo, sozinho ou não, tenho nada a ver com o cidadão. que merda.

mas pra descobrir isso, além de ler o Crônica de Um Amor Louco, resolvi usar a internet pra fazer alguma porra inútil de pesquisa. Caí na wikipedia, essa enciclopédia escrita por alunos de quinta série que passam com nota C em conteúdo e forma.

eis um trecho do verbete de bukowski:

- Bukowski tem sido erroneamente identificado com a Geração Beat, por certos temas e estilo correlatos, mas sua vida e obra nunca mostraram essa inclinação.

aí o toupeirão aqui resolve clicar no link dos porras da Geração Beat e dou de cara com a seguinte inscrição:

- Capítulo à parte da literatura norte-americana pelo seu conteúdo iconoclasta, pelo método de criaçao incomum - nas coxas, pelo universo fictício mais denso e (grotesco, até) que qualquer outro escritor metido a marginal jamais conseguiria criar. Bukowski é injustamente (mesmo que a seu pedido) colocado à parte dos beatniks, (a maioria dos quais conhecia, quando nao admirava) porque morava em outra cidade, Los Angeles.

como é que eu vou confiar num troço que se nega tão bisonhamente em dois cliques? em homenagem à wikipedia deixo aqui um trecho da crônica máquina de foder, que cuja expressão transcedental dá nome a este post:

- quais as novidades, Tony? - perguntei.
- ah, uma merda - respondeu.
- isso não é nenhuma novidade.
- uma merda - repetiu Tony.
- ah bom, então tá, uma merda - disse o Índio Mike.
bebemos a cerveja.
- o que você acha da lua? - perguntei a Tony.
- uma merda.
- é - comentou Índio Mike, - quem já está fodido na terra também vai se foder na lua. não faz diferença.
- dizem que em marte é quase certo que não tem vida - continuei.
- e daí? - retrucou Tony.
- ah, que merda - exclamei - dá mais duas.

que merda.

AINDA SOBRE VEGETAIS

Volto ao assunto vegetais, mas não me considerem um obsessivo. A redação de SorryPeriferia foi inundada por cartas de papel reciclado vindas de veganos das mais variadas espécies após o penúltimo post, que relata a relação freudiana entre os restaurantes vegetarianos e a carne, esta última aqui apenas em seu sentido degustativo mesmo. Três adolescentes vegans declararam ter feito vudu contra mim, dando agulhadas em uma batata gigante, sendo esta uma representação de minha humilde pessoa. Por outro lado, um hare krishna diz ter encontrado a luz, estando internado há cinco dias em uma churrascaria da zona sul acossado por uma súbita vontade de comer maminha freneticamente. Chupa, Maharishi.

O fato é que o comentário da estagiária e aspira Juliana Canhestra naquele post alertou para minha ignorância quanto ao termo veganismo. Escrevi "vega" no Google quando o correto é "vegan", o que apenas é mais feio. Logo, os vegans cultuam os bichos de tal forma que não comem nada que derive deles, nem leite, nem ovos – e isso vai de encontro ao que então escrevi.

A correspondência da leitora vegana Henriqueta Zucchini foi uma das mais exaltadas: “Há 15 anos não consumo carne, ovos ou leite. Fui feliz casada com um nabo por sete anos até ele entrar numa receita alternativa de salada ceaser e cumprir sua missão na Terra. Estou tão anêmica que poderia participar dos Simpsons sem ter que me pintar de amarelo, mas considere que sou extremamente feliz com isso, seu onívoro deplorável”.

À senhorita Zucchini respondo que cada um sabe o que faz da vida. Porém, antes de tudo, este é um blogue que está aí para sacanear, não para explicar, de modo que gostaria de enxergar a situação pelo viés da bazófia.

Vamos simular uma cena que, do ponto de vista vegan, é degradante: um porco sendo abatido no matadouro. O bicho está lá, quieto, comendo sua lavagem, quando chega o assassino e seu avental branco todo sujo de vermelho – já havia matado 12 porcos naquela manhã. O porco ergue as orelhas, levanta a sobrancelha direita e pensa consigo mesmo: “Fudeu”. É quando o algoz pede a ele que se levante e, quando obedecido, dá-lhe um tiro no coração (os matadouros da minha imaginação são muito mais emotivos que os da vida real, onde provavelmente o algoz passa a faca no pescoço do bicho e estamos todos conversados).

Cruel? Talvez. Mas passamos para uma cena similar onde a vítima passa a ser um pé de alfafa. Lá está ele na horta, dialogando suas folhas com o vento, a organizar um balé com os mosquitos que nele vão pousar. Aí chega o mesmo algoz, com seu avental branco todo sujo de verde – já havia degolado 12 alfafas naquela manhã.

Perceba: por ser um animal, o porco ainda tem a chance de se defender. Ele pode atacar seu algoz, guinchar ou, na pior das hipóteses, morrer com dignidade. Dizem que, antes do fuzilamento, Che Guevara disse ao seu carrasco: “Saiba que está atirando em um homem”. O suíno bem poderia dizer: “Saiba que está atirando em um porco”, para depois cair com as patas no coração.

Mas e a alfafa? Imagine o desespero do vegetal. Vem o sujeito e amola a faca na frente dela, assobiando um sambinha do Nelson Sargento. E a alfafa sua. Sabe que vai morrer, mas não pode fazer nada: é só uma alfafa que não tem como se defender. E então o executor interrompe a atividade labial e crava o facão em seu corpo. Horror inenarrável. Qual morte é a mais cruel, a do porco revolucionário ou da alfafa que não tem como se defender? Eu voto na última.

Aguardo o próximo modismo gastronômico e, já de antemão, deixo uma sugestão: o veganismo mineral. Troca-se o leite e os ovos pelas pedras. Salada de soja com glúten e quartzo ao molho páprica. Chupa, Ferran Adrià.

P.S.: 68 animais foram maltratados durante a produção deste post.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

DAS COISAS QUE BUSCARAM NA INTERNET E CAÍRAM NESTE BLOG*

travesti jundiaí (três vezes)

patolada (duas vezes)

jogador do são paulo corno (duas vezes)

janelas austríacas típicas

marimbondos de fogo (duas vezes)

pólo aquático para surdos

corizza

sexo na periferia

jorge lafond

jornalismo carnavalesco

parapa pa pa pa pa letra

cabelereiro soho brigadeiro

historias que nossas babas nao contavam

* estatísticas referentes a busca no Google e Yahoo! desde julho, quando instalei o programa.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

ASSUMAM AS TIRIRICAS


Sopas, muitas sopas

Na primeira vez que vi uma tartaruga já fui logo pensando numa sopa. Há quem, em ocasião semelhante, tenha se extasiado com esta suposta maravilha da natureza. Alguns dizem que o bicho é lindo e querem ter um plantado na sacada do apartamento. Outros refletem que o bicho não mudou desde alguma era terminada em "zóica" e fazem um discurso emocionado sobre a evolução das espécies.

Eu não. Eu vejo uma tartaruga e logo penso numa sopa. Aproveitar aquele casco como cumbuca, rodelas de cebola e pimentão ao leite de coco junto das tirinhas do quelônio, tudo boiando na mistura. Moqueca de tartaruga.

Exemplifico minha reação com o réptil para dizer que tenho estranhado minha presença contínua em restaurantes vegetarianos. Há seis anos, quando cheguei a São Paulo, isso seria impossível. Mas hoje gosto, com restrições. Pois falemos então das restrições, porque é muito mais legal.

Há alguns dias almocei num restaurante vegetariano, como de praxe. Pedi, atônito, um suco de clorofila. O gosto é quase bom. Tomei dois copos e passei a tarde inteira fazendo fotossíntese. Me senti uma begônia de dois metros de altura. Recomendo suco de frutas mesmo e, sempre que possível, uma cerveja.

Mas o suco de clorofila não é a grande toupeirice vegetariana que se tem notícia. O que me incomoda em rigorosamente todos os restaurantes deste tipo em que fui na vida é a culpa em ser vegetariano. Explico melhor.

Raciocine comigo: o sujeito que vai a um restaurante só de vegatais já está ciente de que o único bicho que lá vai ver é o papagaio do hippie proprietário do estabelecimento. No entanto, a grande maioria dos pratos simula a existência da carne: hambúrguer de soja, estrogonofe de glúten, salmão fake e outras excentricidades. Juro que partirei para a ignorância no dia em que entrar no restaurante e um garçom vestido de gaúcho me disser, com sotaque de Passo Fundo: "Hoje o prato principal é acelga no rolete".

Veja bem, se você puder adquirir um quadro do Picasso pintado pelo próprio e uma imitação pintada por Fernando Vives, é óbvio que você fica com o original. Logo, entre um bife à parmegiana de contra-filé e um com bife de soja, fica-se com o primeiro. É de conhecimento até do mundo mineral que se vai a restaurante de mato para comer mato e não boi. Mas não, há essa culpa, essa necessidade de provar que o homem pode substituir a carne em sua vida e assim deixar os bichinhos em paz.

Aliás, este é outro ponto delicado de certas correntes do vegetarianismo: a de que o homem é, em sua essência, um herbívoro. Me disseram que são os vegas que dizem isso mas, nos 30 segundos que minha paciência permitiu pesquisar na internet, não achei nada a respeito. Então não acusarei os vegas desta toupeirice. O cérebro do homem só se desenvolveu tanto por conta das proteínas e coisas que se acha na carne, no leite e nos ovos. Se os restaurantes vegetarianos estivessem na moda durante a Era Antropozóica, talvez estivéssemos hoje disputando capim com os bois.

Mas isso não quer dizer que os vegetarianos são burros ou coisa que o valha. Não. Há quem não coma carne por ideologia que, se é discutível, ao menos é uma ideologia. Há os que simplesmente não gostam de carne. Pois eu digo então que os donos de restaurantes vegetarianos deveriam se libertar desta culpa quase católica na hora de elaborar os pratos. Se a meta é comer tiririca, pois que tenhamos então um prazer bovino em comê-las em pratos que não nos escondam que ali estão tiriricas, nada além de saborosas e nutritivas tiriricas.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

CAMPANHA PELA PROLIFERAÇÃO DO ROLEX EM PULSO ALHEIO E UM PROTESTO SEM SENTIDO

Ao que parece, um motoboy emparelhou o Luciano Huck numa esquina do Itaim e ficou com o relógio dele. Indignado, Huck mandou um texto ao seu jornal predileto reclamando das balas de caramelo que não tomou após o cafezinho. Para o caso de o Kaspar Hausen ler este blog e não saber quem é o Luciano Huck, digo que ele é uma espécie de Platão de Moema, até então com um Rolex no punho, agora apenas com a indignação na cabeça.

Eu não queria falar sobre a carta em questão, nem sobre a resposta do Ferrez, e sim do Rolex. Na hipótese de você, fino leitor, ganhar por mês uns 800 salários mínimos, peço por gentileza para sair às ruas de Rolex em punho. Cada vez que um bandido roubar um relogião desses nas ruas, umas quinze pessoas normais deixam de ser assaltadas, tamanho é o investimento que o bandido em questão acaba por fazer. É a distribuição de renda chegando também ao submundo do crime. Ou, como diria Leibniz, citado pelo próprio Luciano Huck nos sábados à tarde: "Loucura, loucura, meu".

Agora, o ícone Francisco Cuoco foi assaltado outro dia e ninguém fala, né? Aposto que quando o Agnaldo Rayol, nosso Pavarotti da Matriz da Sé, tiver um radinho de pilha roubado antes de entrar numa igreja para cantar no casamento, nem o Diário de S. Paulo vai dar uma notinha. Como diria a vizinha do Nelson Rodrigues, gorda, patusca e cheia de varizes: "Hoje ninguém mais valoriza o artista". A lamentar.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

O PAU-DE-ARARA MORAL

É estranho mas, quando doente - e, por consegüinte, entupido de remédios - urino em uma cor mais psicodélica que todo o David Bowie em 1972. E, falando em urina, queria falar sobre o Arnaldo Jabor.

Houve um tempo em que todas as colunas do Arnaldo Jabor no Estadão continham alguma pitada de sexo. Era uma ejaculaçãozinha aqui, um gozo ali, um prazer carnal encrustado nalguma frase sobre... o Congresso Nacional. Nada contra sexo, muito pelo contrário, ainda mais quando este vem nas páginas do Estadão - fico imaginando o Doutor Ruy a abrir o Caderno 2 e enrubecer por tamanha ousadia em seu próprio jornal. Na verdade o sexo ali é a parte boa, a parte ruim é que o ato vem acompanhado do Arnaldo Jabor.

Não sei se fui claro. Veja bem, há certas partes (o livro todo, na verdade) de Amor ao Natural, do Carlos Drummond, em que o leitor é tomado de um estupor hormonal sem par nestas matas. A Pfeizer poderia pintá-lo de azul e vendê-lo na forma de pílulas. Agora, quando você abre o jornal numa terça-feira pela manhã e dá de cara com o Krust do Jornal Nacional com arroubos de Lord Byron, a construção imagética tende a ser a pior possível.

Por exemplo: minha mente é varrida com a imagem de Arnaldo Jabor prestando uma homenagem a Deusa Onã em um banheiro minúsculo, fétido. Ele abaixa os suspensórios, afrouxa a gravata borboleta (imagino todo sujeito por quem nutro algum desprezo sempre de gravatas borboletas e suspensórios, como um Nhonho), bota pra fora sua parafernália sexual e trata de descabelar o palhaço. Uma gota de suor escorre-lhe pela testa. Suas axilas encharcam. E, perto do ato final, com o olhar sintilante, ele diz, sonhando: "Me beija, FHC".

Falei no Arnaldo Jabor mas era da Veja que queria falar - e que me perdoe o fino leitor, pois este é um post todo voltado para a escatologia. A edição desta semana da revista mais significativa do mundo desde que Joseph McCarthy deixou de emitir boletins com sua opinião tripudia sobre a morte de Che Guevara - eu poderia colocar o link para a reportagem aqui, mas não vou dar alguns cliques de lambuja para a revista. A reportagem toda já soa absurda - como é praxe na Veja, aliás - mas desta vez os editores e repórteres desceram ao esgoto. A revista conta que Che Guevara, diferente da imagem que passava, foi preso abatido e maltrapilho, tentou negociar sua vida com os algozes e - o filé mignon do texto - tripudia sobre o comportamento dele quando preso e torturado, subentendendo-o como covarde.

Veja bem, não sou do time que compra camisas com a cara do Che Guevara no shopping. Mas a bile correu solta. Fosse Che Guevara ou Adolf Hitler, é de uma imoralidade tacanha debochar de quem é vítima de tortura. Imagine se um estudante da Fefelete (desses com a camisa do Che Guevara, cabelo comprido e com um O Capital debaixo do braço) pegasse um editor da Veja e o pendurasse num pau-de-arara - imagino que muitos deles sonham em fazer isso. Então está lá o Eurípedes Alcântara de cabeça para baixo e bunda ao léu. Imagine também que o cabeludo da Fefelete cola um eletrodo no pipi do diretor de redação diretamente na bateria da Veraneio, que está ligada do lado de fora. Como será que o Vejudo reagiria? Opções: 1) Gritaria, tal qual um William Wallace da ultra-direta: "Perco o pinto para entrar na História!", ou 2) Imploraria chorando por sua vida, dizendo que faria qualquer coisa para pararem com aquilo.

Sim, é claro que existe uma diferença transcendental entre Che Guevara e Eurípedes Alcântara - o primeiro é, concorde ou não com ele, o símbolo de uma geração e de uma luta. O segundo é um cidadão comum que dirige uma publicação tão ruim que, imagino, até os cachorros dos assinantes evitam buscá-la no quintal no sábado à tarde. Mas é exatamente aí que eu queria chegar: sob tortura, não existem ídolos, não existem heróis. Mesmo que se delate até a própria mãe, ninguém é capaz mesurar a dor de quem é torturado.

Todo mundo sabe que o bom senso não é praxe na Veja. A revista hoje é referência menos por seu jornalismo que por seus descaminhos ideológicos. Mas a questão já está mais para a psiquiatria que para a ideologia.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

NÃO EXISTEM GAYS NO IRÃ



Mahmoud Ahmadinejad é um sujeito simpaticíssimo e machão - tão simpático quanto uma bomba atômica, é claro. Praticamente um Charles Bronson de burca. Declarou nesta semana, por exemplo, que no Irã, país que dirige, não há homossexuais. Nem um mísero e escasso viadinho. Sabe aquele seu vizinho quieto que tem um primo do interior chamado Tony? Então, lá não tem. Nem vizinhos quietos nem primos do interior chamados Tony.

O repórter Caio Quero teve a oportunidade de confirmar o que disse o viril Mahmoud quando foi cobrir um show de bandas indies em Teerã. Para quem não conhece, Caio é uma espécie de Zeca Camargo do Cangaíba. Pois nosso enviado percorreu os becos e bocas da capital iraniana e de fato não encontrou nada que remetesse ao homossexualismo. Aquela rapaziada que fica sem camisa na praça Voluntários de Alá durante a madrugada mexendo com os carros que passam, por exemplo, confirmaram que são todos héteros. Também o Mesopotâmia Desvairada Bar e Sauna, conhecido como o melhor banho turco do Oriente Médio, não tem o registro sequer de um mísero beijinho de bochecha entre seus integrantes.

Parece que houve um boato da existência de um homossexual perto da fronteira com o Turcomenistão, mas ele teria sido achado dentro da válvula de enriquecimento de plutônio da usina nuclear local. Foi uma forma de pedir perdão a Alá - porque, como se sabe, homossexualismo é coisa do demo.

Agora, sabe o que tem no Irã aos montes? Judeus. Aos borbotões.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

DUAS SOLUÇÕES DRÁSTICAS PARA O FUTURO DA NAÇÃO

Diz-se que todo marxista das antigas que se preze deve sempre ter o apontamento para a solução do problema, seja este a dívida externa ou a unha cravada. Se não der tempo de arrumar uma solução, ao menos um discursozinho tem que ser praxe.

Imagine a cena hipotética: o barquinho de um marxista de carteirinha afunda no oceano. Enquanto ele engole litros de água salgada e óleo – porque não existe mais água do mar sem óleo – um tubarão pinta na frente dele. No exato instante em que o bichão lambe os beições e a ele dirige um olhar de cobiça gastronômica, o marxista aponta-lhe o dedo na cara e diz, antes de ser devorado: “Você me come hoje, mas amanhã um japonês de pesqueiro clandestino há de vingar-me desta opressão”.

Confesso que sou tão marxista quanto a Patrícia Marx, mas adorei a idéia (nada contra o Karl Marx, muito pelo contrário, mas é que eu sou um burguês típico, lamentavelmente, apenas com um pouquinho mais de autocrítica que meus pares de Moema e Jardins). Para tal, passei os tempos em que sumi deste blogue meditando sobre o futuro da nação. Como um daqueles caras durões de filmes western, fui a um boteco fuleiro, bati com força no balcão, entornei uma dose de conhaque Presidente e meditei – chupa, Dalai Lama.

Ao término do ritual – dois minutos depois, um pouco mais, um pouco menos – achei a solução final para dois grandes problemas do Brasil - chupa Dalai Lama de novo. A boa notícia é que, se seguidas minhas sugestões, os jornais poderiam fazer o favor de estampar outras manchetes, porque essas já encheram minha humilde e mui sincera paciência:

CRISE AÉREA – Proíbe-se o avião no Brasil. Quem quiser viajar para o estrangeiro (adoro expressões de speakers do Repórter Esso), vai ter que ir até o Paraguai para tal. Veja bem, ir até o Paraguai compreende-se pegar aquele busão que um dia foi da Viação Cometa e que sai da Praça da República toda quinta-feira à noite rumo a Puerto Iguazu. Esse negócio de grooving passa a ser um problema exclusivo do General Lino Oviedo, que andou assassinando uns caras mas que agora tem tudo pra ser o presidente paraguaio de novo. Além de avião algum tentar mais parar no ponto da Avenida Washington Luís, a nova geração das Senhoras de Santana que pretendam fazer compras em Miami terão um free shops muito mais free, que é todo o Paraguai, conforme atestariam os japas coreanos do Stand Center. Nelson Jobim, sua besta, atente para o que eu estou dizendo.

CASO RENAN – Extingue-se o Senado Federal. Mas como o prédio do Congresso é bonitinho, mantemos apenas o Eduardo Suplicy ali dentro, que duas vezes ao dia cantaria Blowing in the Wind aos turistas gringos, que a ele jogariam umas moedinhas em contribuição ao Renda Mínima. Renan Calheiros poderia voltar para as Alagoas onde se tornaria garoto-propaganda da Schincariol, a cervejaria que, dizem, comprou a fábrica de refrigerantes dele a um preço superfaturado. Fica aí uma sugestão de propaganda: o Renan chega a uma birosca com pose de malandrão. Lá dentro, repórteres, procuradores-públicos e deputados tentariam fazer das bolas dele ovinhos de codorna de tira-gosto. Ele então abre uma Nova Schin e uma morenaça com decote vem para salvá-lo. Imagina quantas jornalistas de terceiro escalão o Renan não iria comer com o sucesso da propaganda.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

MATEM O BLOGUEIRO E CHAMEM O GARÇOM

Confesso que pessoas insistentes me aborrecem. Veja por exemplo o que me ocorreu na locadora no último sábado. Havia na prateleira o filme chamado Onze Homens e Um Segredo. Ao lado, a continuação Doze Homens e Outro Segredo, ambos que já tinha visto no cinema. Mas não contente com tantos homens e tantos segredos, eis que a Warner Brothers lança o Treze Homens e Um Novo Segredo, este último já praticamente uma fofoca, porque não há sigilo que agüente tanta gente e tanto rolo de filme assim.

Pois bem, caí na toupeirice de falar para o atendente que gostei dos dois primeiros, mas que não pretendia ver o último, no que ele começa um discurso tecendo loas ao estilo do filme e que, se eu gostei dos primeiros, teria que conferir o último no cinema e cousa e lousa e maripousa.

Pois confesso que a insistência da Warner Brothers e do atendente da locadora - um moleque de uns 15 anos com pinta de quem descabela o palhaço umas 18 vezes ao dia, ali na seção de filmes de baixaria - me fez refletir sobre o fenômeno da insistência humana enquanto erro, já diria um teórico de qualquer coisa. Por exemplo: não devo insistir em manter este blogue atualizado enquanto esta entidade mística chamada cansaço prosseguir apoiada em meus ombros, dando petelecos na minha orelha assim tão impunemente.

Há explicações, é claro.

Para os místicos, a interseção de Saturno com a Ursa Maior no meio das Três Marias causou uma massa de ar polar vinda do sul, o que tem causado chuvas e trovoadas a todos os jornalistas arianos com ascendente em tijolo - o legal do horóscopo é que o ascendente pode ser qualquer coisa, daí qualquer coisa se encaixar ao horóscopo de qualquer um.

Segundo um pragmático, as férias estão chegando, logo, o período que a antecede é sempre de cansaço, já que não se tira férias há muito tempo.

Para um psicólogo, no momento estou em um conflito edipiano deturpado, com inveja do falo da minha mãe e paixão por Freud.

De acordo com Chico Buarque de Hollanda, eu ando acendendo velas nos becos e falando alto pelos botecos, o que me impede momentaneamente de continuar a blogar. Mas, daqui algum tempo, mesmo o padre eterno que nunca foi lá, olhando este inferno irá abençoar.

Já para o meu lado empreendedor, me dedicarei agora a outros projetos, como os roteiros dos filmes porno cults Morte e Vida Cicciolina, Ditão Pé-de-mesa, o verdadeiro Mito da Caverna e o especial para zoófilos gays Confúcio e o bode na sala.

Segundo Fernando Vives, Pierce Brosnan, Clint Estwood, Kojak, Benício del Toro e outros caras durões, o melhor é deixar de frescura, dizer que não tá mais a fim de escrever por uns tempos e depois voltar, como tem ocorrido em todas as férias anuais que tiro deste hebdomadário virtual.

Portanto, voluptuoso leitor, este blogue pára por algumas semanas, talvez um mês. Ou, como diria o filósofo Evandro Mesquita: Falou, bróder, te vejo na 66.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

PEQUENA HOMENAGEM

Há pouco mais de cinco anos, tive uma infecção crônica em um dos joelhos que só não me tornou deficiente físico talvez por conta da piedade divina. Passei 44 dias dentro de um quarto de hospital absorto por uma rotina de antibióticos, exames, cirurgias e a certeza de que provavelmente não voltaria mais a andar direito.

Nessas horas algumas coisas pesam. Durante estes 44 dias, por exemplo, minha mãe esteve internada comigo. Não quis dormir nenhuma noite fora do hospital, não admitia deixar o filho sozinho numa situação daquelas. Era ela quem me ajudava a tomar banho, a comer, a pegar a comadre durante a madrugada e qualquer outra coisa que eu precisasse. Não adiantava insistir para ela dormir alguma noite fora de lá, em casa ou em algum lugar mais confortável. Ela simplesmente não conseguia. Foram 44 dias em que minha mãe viveu junto comigo, emagreceu junto comigo, dias em que eu via as minhas olheiras de cansaço estampadas nas olheiras dela.

Dois anos depois, fui a uma consulta definitiva ao médico que me tratou. O diagnóstico foi de happy end de final de novela: recuperação muito acima da média, caso para relatar aos alunos dele na faculdade como "exemplar", segundo as palavras dele. Naquele mesmo dia voltei para a província. Confesso que não ligava mais para toda aquela história - uma das maneiras de deixar de pensar nas merdas que ocorrem com a gente é minimizá-las ao ponto de quase esquecê-las.

Em casa, lembro que sentei no sofá com uma caneca de chá ou leite na mão. Minha mãe estava sentada na poltrona ao lado. Entre outros assuntos, disse que tinha voltado ao médico e contei que ele se assustara com a recuperação tão boa. Lembro que ela só disse "Que bom", e imediatamente abriu a comporta de um rio de lágrimas que eu não imaginava mais que estivessem represadas ali dentro. "Se você soubesse o quanto eu rezei para um dia ouvir isso...", disse ela, soluçando, mas soluçando mesmo. Pelo que me lembre, minha única reação foi abraçá-la e não dizer nada. Acho que não teria o que dizer.

Antes do incidente do joelho, era normal a gente brigar, dessas brigazinhas bestas que pais e filhos têm todos os dias. Depois daquilo, nunca mais tivemos meio desentendimento.

Nesta terça-feira minha mãe fez 58 anos. Para comemorar, no sábado quis trazê-la da província para passear em São Paulo. Almoçamos num restaurante alemão e passamos a tarde juntos falando besteira. Me diverti bastante, mas o importante era que ela se divertisse mais. E ela voltou pra casa feliz. Minha mãe é uma pessoa simples que age muito mais com o coração do que a razão. É dessas pessoas que mantêm o otimismo latente mesmo quando tudo insiste em dar errado.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

terça-feira, 7 de agosto de 2007

ALÔ, CRISTINA?

Você assume que tem algum tipo de retardo mental quando tenta ligar de sua casa para o Rio de Janeiro e acaba ligando para a Líbia.

Besouro, quando cai de costas, não se levanta nunca mais.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

NILO AMARO E SEUS CANTORES DE ÉBANO

Há algumas semanas, escrevi um post sobre a canção Leva eu, Sodade, cantada por um conjunto vocal dos anos 60 chamado Nilo Amaro e Seus Cantores de Ébano. Mas isso foi antes de um rapaz deixar nos comentários a dica do imeem, onde posso subir as músicas e lincá-las por aqui. Agora que faço usufruto deste programa com toda força - e também porque passei o fim de semana a ouvir o LP do conjunto - posto a música:



Os Cantores de Ébano adaptavam o som gospel dos negros do sul dos Estados Unidos para o cancioneiro popular brasileiro. Quem ouve até acredita que o Mississipi e o São Francisco não são tão distantes assim. Foram relativamente populares no início dos anos 60 e chegaram a gravar até pelo menos o fim da década seguinte. Leva Eu Sodade, Uirapuru, Romaria, Mulher Rendeira, Asa Branca e Guacyra, entre outras, foram gravadas pelo grupo (o LP que ouço é de 1979 e a viola é tocada por um jovem chamado Almir Sater).

Através deste texto do Luís Nassif descobri que Nilo Amaro morreu em 2004, em Goiânia. Uma pena. Juro que tentaria contato para uma entrevista ou algo do tipo.

Em tempo: fazia parte dos Cantores de Ébano o Noriel Vilela, que ficou famoso com o samba 16 toneladas, que ultimamente tem sido presença obrigatória em festas de bom gosto com som eclético.

Mais sobre Nilo Amaro e Seus Cantores de Ébano: http://www.luizamerico.com.br/fundamentais-nilo_amaro.php

Letra de Leva eu, sodade:

Toada

Tito Neto / Alventino Cavalcanti

Sólos de Nilo Amaro e Noriel Vilela ( grave )

* * * * * * * * * * *

Ô leva eu

(minha sodade)

Eu também quero ir

(minha sodade)

Quando chego na ladeira

Tenho medo de cair

Leva eu

Minha sodade.



Menina tu não te lembra,

(minha sodade)

Daquela tarde fagueira,

Tu te esqueces,

E eu me lembro,

Ai, que sodade matadeira,

Leva eu,

Minha sodade.


Na noite de São João,

(minha sodade)

No terreiro uma bacia,

(minha sodade)

Que é pra ver se para o ano,

Meu amor ainda me via,

Leva eu,

Minha sodade.

( Ô leva eu )

segunda-feira, 30 de julho de 2007

DO CLÁSSICO AO PASTICHE

Um belo dia disse Nietszche: "Deus morreu. Logo, vou tentar comer minha irmã e a mulher do Wagner, porque agora ninguém é de ninguém". Talvez exista mesmo alguma interpelação cósmica a que chamamos de Deus. Na maioria das vezes acho que ele não existe. É quando, por exemplo, paro para pensar na fome do Jequitinhonha ou nos lábios de suvaco do FHC. Mas eventualmente eu tenho a certeza absoluta de que há algo maior e mais bonito que tudo isso que está aí, só à espreita de a merda toda ir pro ventilador de vez para aparecer e fazer alguma coisa.

Estes últimos momentos são mais raros, porém. Costumam aparecer quando ouço determinadas músicas. Umas dez, no máximo. Uma delas é do tempo em que o Mar Morto ainda vivia: chama-se Tristesse, de um polonês de nome Fryderyk Chopin. Esse sujeito era tão romântico, mas tão romântico que, desconfio, tomava uns galhos da mulher. Confesso que ainda não entendi de onde vem tamanha inspiração, sobretudo se levarmos em conta o fato de que ele nasceu na Polônia, aquele quartinho de fundos que separava a Alemanha da União Soviética, onde as duas coisas mais interessantes são os campos de concentração desativados e a sopa de beterraba. Isso sem falar no papa com nome de mulher (isso foi uma piada, por favor não me processem).

Pois bem, Tristesse é daquelas músicas que fazem sair sol em meio ao dilúvio. Me faz pensar nas restrições que tenho àqueles desenhos japoneses em que monstrinhos tentam dominar a Terra. Que coisa mais chata isso. Se no auge dessas historinhas os japas botassem Tristesse pros bichos gigantes ouvirem, os monstros voltariam para casa cantarolando, arrependidos, e o Godzilla seria um sujeito agradabilíssimo. Enfim.

A título de curiosidade, subi no imeem - deixe-me falar que esse imeem é muito mais legal que o Orcutis - três versões para Tristesse, de Chopin.

A primeira delas é a clássica: Chopin at Live Earth (Cracóvia 1837) . Sim, é ao vivo. O auditório estava lotado, mas o show era para uma platéia de surdos-mudos e manetas, o que se explica a ausência de comentários, críticas, palmas ou pedidos de bis na gravação:



A segunda é a versão cucaracha: Tristesse virou Divina Ilusión, cantada aqui em espanhol pelo grupo Los Três Diamantes (meu pai tem um LP do Trio Los Panchos com esta canção). É o pastiche do bolerão dos anos 50: dá pra imaginar três caras vestidos de mariaches que surgem rebolando, por trás das cortinas, a sacolejar os chocalhos. Os mais velhos se emocionam com ela. Dá pra entender: apesar dos pesares, no fundo é um Chopin (o melhor é a assinatura da música nesta versão: Frederic Chopin/Enrique Quezada...):



E, por último, um clássico com gostinho de pastiche: a versão de Tristesse com José Carreras, o menos esculachado dos três tenores, em italiano:



Agora eu preciso deixar de fuçar na internet para ir dormir, antes que eu ache Deus por aqui, o que inevitavelmente acarretaria em uma D.R. sobre o Vale do Jequitinhonha ou os lábios de suvaco do FHC.

SOBRE OS JOGOS PAN-AMERICANOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Se você é homem, fatalmente vai se lembrar que, dos 10 aos 17 anos, não havia nada mais chato que as aulas de educação física. Sim, você adorava jogar bola, mas não fazer educação física. É que a gente queria jogar futebol, mas aí vinha a professora marombadona, com aquela bola de borracha invariavelmente marrom ou azul acoplada ao suvaco, para dizer: "Então, turminha, hoje nós vamos praticar um pouco de handebol". Não adiantava se fazer de desentendido e sair chutando a bola de hand. Ela parava e mandava começar tudo de novo, a sacripanta.

É disso que lembrei ao acompanhar em tempo integral o Pan do Rio. Aquele desfile de modalidades que ninguém pratica e o festival de narradores que disputavam entre si para ver quem tinha o gogó mais patriótico. E tinha o agravante que as Olimpíadas não têm: Estados Unidos e Canadá traziam a raspa do tacho de seus atletas. Os fodões ficaram em casa. Logo, a disputa era entre Cuba e todos os países mexicanos que nos avizinham: entre outros, os mexicanos da Argentina, os mexicanos da Colômbia, os mexicanos da Venezuela, os mexicanos de Porto Rico, os mexicanos do México e, é claro, os mexicanos do Brasil, porque, lá fora, todo mundo que mora aqui em Buenos Aires é mexicano.

Selecionei algumas modalidades para breves comentários desprovidos de delicadeza:

ATLETISMO - A pergunta é: como um sujeito descobre que é bom no salto em altura? Pulando no beliche quando criança é uma hipótese plausível. Quanto ao salto com vara, vou poupar o fino leitor das piadas óbvias.

BOXE - Um esporte que, apesar de ser praticado por caras durões, é de uma imbecilidade ímpar. Destaque para o brasileiro chamado James Dean Pereira, detentor de melenas à la Galeão Cumbica.

ESQUÍ AQUÁTICO - O Brasil levou ouro nesta modalidade. O atleta em questão bem poderia ganhar, além da medalha, uma pensão vitalícia por insalubridade, já que ele deve estar tendo pesadelos com coliformes fecais após as disputas na Lagoa Rodrigo de Freitas.

FUTEBOL - O Brasil levou nabo no masculino, mas compensou ganhando o ouro no semi-masculino. Destaque para as zagueiras Alcides Maitê e Ramona.

FUTSAL - É o futebol encaixotado. Melhor jogar baralho.

GINÁSTICA RÍTMICA - Lembra na quinta série quando as meninas brincavam com bambolê durante o recreio? Então, é por aí. Só falta o pogobol. Mas tenho certeza absoluta que elas tomam um doce antes de entrar no picadeiro. Nem Red Bull com pinga deixa alguém pulando daquele jeito. Se capricharem no anti-doping, vai todo mundo pra delegacia.

HANDEBOL - Exemplo clássico de tortura na educação física. Alguém cismou em jogar futebol com as mãos, e isso virou modalidade olímpica. É uma aberração que bem poderia ser chamado de Futebol de Chernobyl. Felizmente pouca gente gosta disso. Destaque para a goleira brasileira chamada Shana, que gerou todo tipo de piadinha durante os jogos.

HIPISMO - Educação Física para cavalo. Sugiro a medalha para o bicho e feno para o montador. Não é necessário dizer mais nada.

LUTA GREGO-ROMANA - É a desculpa perfeita para um gay patolar a rapaziada e ainda posar de machão. Eis um bom veredito para uma luta qualquer: "O lutador X venceu o oponente Y por uma chave, um gut wrench e um beijinho no pescoço".

PÓLO AQUÁTICO - Talvez jogar pólo seja legal, mas provavelmente é mais divertido assistir a um filme taiwanês da Mostra de Cinema do que a uma partida de pólo aquático. A câmera mostra a piscina com uma porção de cabecinhas se mexendo, com uma bola que, muito eventualmente, desponta. Parece mais um piquenique na praia. Falta só a avó de alguém levar a cesta de comida na beira da piscina. O nome da modalidade poderia ser "Banho em Paquetá" que ninguém perceberia a diferença.

SQUASH - É o tênis claustrofóbico.

TÊNIS DE MESA - O ping-pong. Aliás, os japas da China que disputam isso odeiam que chamem o ping-pong de ping-pong. O fato curioso foi o atleta argentino, que na verdade é um chinês que se naturalizou. Provavelmente uma espécie de pasteleiro arrogante (Yo quiero una empanada de quiejo e otra de palmito). Fora isso, é muito mais legal que o tênis de verdade.

Voto na inclusão do futebol de botão, da sinuca e do Super Trunfo no Pan de Guadalajara em 2011.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Sonhei - e isso é sério - que o Raul Cortez teve um tórrido affair sexual com o Vampeta antes de morrer.

Não me pergunte.

domingo, 22 de julho de 2007

MORRE ACM, ANTES TARDE QUE MAIS TARDE



Dizem que é falta de educação falar mal de alguém que acaba de subir ao telhado. Pois digo que falta de educação mesmo é Antônio Carlos Magalhães ter existido. Deus, sempre na hipótese de que Ele exista, carrega esta chaga em seu currículo.

Toninho Malvadeza talvez fosse a mais bem acabada ave da rapina da Ditadura Militar. Mais que transformar a Bahia em seu próprio quintal, ACM é o sujeito que distribuiu concessões de TV para a Globo nos anos 80 – pegando a retransmissora da Bahia para ele, é claro. Hoje a Globo faz o que quer no Brasil por conta disso. Em troca do favor, um ano mais de mandato para Sarney, outro que bem poderia ter a fineza de deixar de existir.

O que me deprime são as pessoas que pregam, pelo histórico do coronel, ter que respeitá-lo. Eduardo Suplicy declarou isso, entre muitos outros, provando que os galhos que a Marta colou-lhe na testa causaram seqüelas irreparáveis em sua mente. Ora, é justamente pelo histórico de quem fez política como quem cuida de um açougue é que temos que comemorar a ausência de Toninho Malvadeza desta dimensão.

ACM morreu. Espero que aproveite todos os banhos de enxofre que o inferno puder lhe proporcionar.

O REVERSO DA IMPRENSA TAMBÉM NÃO FUNCIONOU

Um dos filmes mais chatos que vi na vida foi Magnólia, aquele um que falava, entre outras coisas, sobre coincidências bizarras. O sujeito que se joga do terraço de um prédio e, ao passar pela janela do apartamento em que vivia, recebe um tiro sem querer da mãe ou do pai, que brigavam (deste ponto em diante o filme só tende a piorar, tal qual uma novela colombiana. Não alugue). A partir disso se constrói toda a filosofia das vidas dos personagens.

Lembrei disso no acidente de Congonhas desta semana. Um avião da TAM passa o limite da pista e se choca contra um prédio que é da própria empresa. A coincidência é bizarra mas não é única. Lembro também de João do Pulo, que sofreu um acidente de carro e perdeu a perna, a ferramenta que usava para trabalhar. Morreu amargurado e com problemas de alcoolismo. O tenor José Carreras sofreu leucemia e teve a voz afetada durante algum tempo - à época diziam que ele jamais voltaria a cantar. A vida às vezes não tem a menor graça.

Mas eis que o aeroporto de Congonhas é reformado e volta às atividades normais. Na segunda, um avião da Pantanal derrapa na pista. E, no dia seguinte, ocorre a explosão da aeronave da TAM.

Primeiro foi o Datena, na TV Bandeirantes, enquanto as chamas corroíam os destroços, a esgoelar que a culpa do acidente era do governo e da Infraero, que não haviam cuidado da pista como deveria. As pessoas mal sabiam o que tinha acontecido, e lá estava ele apontando o indicador.

Depois, todo o resto. A imagens dos parentes das vítimas ao receber a noticia da tragédia era de chorar junto da TV. E estas imagens eram intercaladas por comentários sobre a incompetência do governo e da ausência de Lula para comentar a questão. Todos, a Folha, o Estadão, a TV Cultura, a Miriam Leitão (alcunhada por José Simão de “economista de churrascaria”) no Bom Dia Brasil ao William Waack, que abriu o Jornal da Globo de quarta-feira perguntando o motivo de o governo federal não ter explicado as causas da tragédia passado mais de um dia inteiro.

Na quinta-feira, a própria TAM diz que a pista não teve nada a ver com o sucedido. Dois acidentes na mesma semana no mesmo aeroporto não passaram de coincidência, tanto como o fato deste avião da TAM que deixou o aeroporto e bateu num prédio da própria empresa. O governo não se manifestou porque não sabia o que havia ocasionado o acidente, e não tinha outra alternativa a não ser esperar. O Jornal da Globo deveria ter feito o mesmo. Não fez.

Veja bem, o governo não é tão defensável assim. É possível que a reforma em Congonhas não foi lá essas coisas. Pior: o lobby das empresas aéreas fez com que ela fosse concluída antes do previsto. O governo falha nesta questão e não é pouco, e deve ser cobrado por isso. Mas o acidente não foi culpa de Lula e de seus assessores, como foi amplamente divulgado por 48 horas seguidas pela imprensa.

A mídia se farta de reformas gráficas, de mudanças, de campanhas de publicidade. Porém, no fundo, a essência continua a mesma: jornalismo é como salsicha. Se soubessem como é feito, ninguém comprava mais jornal, nem lia revista, ou site, ou qualquer coisa do gênero.

domingo, 15 de julho de 2007

CAPÍTULO DAS VERDADES INEXORÁVEIS E MINIMALISTAS III

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.

João virou tucano, Teresa agora é lésbica,
Raimundo tornou-se porteiro no centro, Maria tem depressão da meia idade,
Joaquim morreu de cirrose e Lili está fazendo amor com outra pessoa, mas meu coração vai ser para sempre seu.

(Carlos Drummond e Alexandre Pires)

quarta-feira, 11 de julho de 2007

A GEOGRAFIA ATRAVÉS DOS MOTÉIS VAGABUNDOS

No bairro do Santa Cecília, ao descer a rua Martim Francisco, pode-se avistar a sacada do Hotel Bagdá, duas quadras antes do Hotel Nápoli que, por sua vez, está a dois quarteirões do Motel Montreal, na Apa. Todos estão a no máximo três esquinas do Hotel Edên, assim, com o acento errado no "e" errado, como se o léxico tivesse sido expulso do paraíso junto com Adão e Eva.

Não existe um Motel Jundiaí.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

CAPÍTULO DAS VERDADES INEXORÁVEIS E MINIMALISTAS II

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
Eu só fui campeão de futebol de botão da minha rua.
Bicampeão, aliás.
Fernando Pessoa, nem isso.

Chupa.

domingo, 8 de julho de 2007

NOSTALGIA DA MODERNIDADE

A adolescência é o período em que o sujeito convive atolando as frustrações na própria garganta mais que em outras fases da vida. Os mais velhos marejam os olhos ao falar de seus 15 anos, e se ouve falar todo dia o sobre o insofismável prazer de ser um adolescente. Porém, quando você tem 15 anos, reza toda noite para pular para os 18, talvez para os 25. Porque você é feio, ou porque lhe falaram que você é feio, porque você tem espinhas, porque você é péssimo ao escolher roupas, não entende nada de balada ou, provavelmente, porque você é um ser humano em formação e, portanto, cheio de defeitos - não que os adultos sejam perfeitos, muito pelo contrário. Defeitos estes que serão lembrados por seus semelhantes de sua idade, mais que por suas qualidades, porque eles tentarão a todo custo provar que são alguém, mesmo que para isso tenham que mostrar ao restante da humanidade que são melhores que você. Mas não se iluda, você não é vítima, é só parte da engrenagem, porque você faz o mesmo com outros adolescentes a quem crê piamente serem piores do que você. A adolescência é a arte de tratar a própria insegurança tornando o seu semelhante mais inseguro que você.

O ser humano é bicho e o bicho que vive em comunidade precisa de um líder. Todo mundo quer ser um líder de alguma coisa, e para sê-lo você precisa se justificar perante os outros, exatamente como age uma comunidade de babuínos. Triste é o momento em que um ser humano se compara a um babuíno. Porque, nas fases de euforia, o bicho homem só consegue enxergar o símio como um animal modorrento. É nas horas de angústia que você olha para a jaula do babuíno e o observa a descascar uma banana, descompromissado com qualquer coisa, e resmunga: “Esse filhodaputa é que é feliz, porque não tem o fardo da responsabilidade”.

Em algum lugar do passado, o homem e o macaco tiveram um ancestral comum, mas depois fizeram parte de galhos distintos da árvore genealógica. E então você se pergunta: “Eu peguei o galho errado. Tudo o que eu queria era estar descascando uma banana e caçando pulga na cabeça daquela fêmea da jaula 16, sendo observado por um idiota cheio de compromissos como eu”. Eis a derradeira decadência do mundo moderno: o homem foi à Lua, cravou a bandeira civilização para arder-se em inveja por seu parente selvagem distante.

Quando adolescente, você vai sofrer ao fazer merda, mas sempre haverá a válvula de escape da inexperiência, sempre haverá um consolo, um refúgio, uma rede de segurança ao cair do picadeiro. Mas e se você falhar quando adulto? E se você falhar quando não deveria, quem vai te segurar quando cair feito melancia da sacada um prédio? Então você vai ao limite para não virar esta melancia. Talvez você consiga. E se conseguir, no seu aniversário de 40 anos, alguém vai dar um tapinha em suas costas para dizer “Parabéns, meu caro. Você conseguiu. Passou boa parte de sua vida preocupado com coisas que não são suas. Mas a civilização é assim mesmo. Cravamos uma bandeira na Lua em nome disso. É o que nos destoa dos babuínos”.

Há alguma coisa muito errado nisso tudo, ou eu que estou completamente bêbado. Talvez uma coisa não exclua a outra.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

CAPÍTULO DAS VERDADES INEXORÁVEIS E MINIMALISTAS

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, estou bêbado.

(não foi Álvaro de Campos)

segunda-feira, 25 de junho de 2007

O TRAVESTI É O LOBO DO HOMEM

Cheguei a São Paulo há pouco mais de seis anos. Era então um menino assustado com essas coisas de cidade grande. Pessoas estranhas, sujeira, barulhos, pombas mirando nas cabeças por todos os lugares. Fiquei três dias para o trote na faculdade e voltei à Província, onde passaria o carnaval. Na Quarta-Feira de Cinzas à noite, apoiei a mala nas costas, entrei no ônibus rumo a São Paulo e fui pensando nos caminhos e descaminhos dessa vida. Na capital passaria o resto da vida, teria que fazer inúmeros adaptações, deixar os costumes do passado e planejar coisas de gente grande.

Ainda remoía as dúvidas existenciais ao sair do metrô Marechal Deodoro, na escadinha que vai dar na Avenida São João, quando dou de cara com dois travestis de dois metros de altura - eles sempre têm dois metros de altura. Um confidenciava ao outro:

- Menina, vou te contar, esse carnaval eu cansei de chupar pau e dar o cu!!!! Foi uma loucuuuuuuuuuuura!!!

Ergui as sobrancelhas e caminhei em silêncio na direção de minha casa. Tranquei a porta do apartamento, respirei fundo e desde então nunca mais tive uma dúvida existencial.

sábado, 23 de junho de 2007

segunda-feira, 11 de junho de 2007

DE QUE CALADA MANEIRA A RCTV FECHA ASSIM SORRINDO


Hugo Chavez, em pose Nacional Kid


Perguntam minha opinião sobre a canetada do Hugo Chavez, que deixou o povo venezuelano mais triste por não poder mais assistir as novelas da RCTV no horário nobre. Na verdade ninguém perguntou porra nenhuma, mas eu precisava começar o texto de uma maneira glamourosa. Não me aborreçam.

Primeiro, a CartaCapital da semana passada (não está mais nas bancas, me desculpem) veio com quatro ou cinco matérias de fôlego a comentar a influência da mídia na Venezuela, no Brasil, na França e nos States. Não concordo muito quanto ao que diz o texto sobre a crise do Renan Calheiros - o senador que engravidou uma "maria emenda", versão política das "marias chuteiras" que infestam os treinos dos clubes de futebol - mas o restante das análises poderiam ser bem utilizadas nas faculdades de jornalismo.

A questão é a seguinte: Hugo Chavez sofreu um golpe de estado em 2002, que teve apoio descarado da RCTV (acho que não preciso lembrar o ilustre leitor de que golpes de estado não faz parte da constituição de país algum). Assim que prenderam o presidente venezuelano, a tal emissora teceu loas ao novo governo. Mas, por uma série de detalhes que não vêm ao caso, Chavez iniciou um processo de retomada do poder que durou algumas horas, período o qual a RCTV não deu um mísero escasso boletim sobre a situação política do país. E, após a retomada do poder constitucional, a emissora foi tão simpática a ele quanto um oficial alemão dos anos 30 era para um judeu.

Há algum tempo atrás, conheci no bar alguém que visitou a Venezuela recentemente - não consigo lembrar quem era, provavelmente eu estava bêbado. Essa pessoa (acho que era mulher. Já é um começo) disse que a dita rede transmitia jornais em horários nobres com entrevistas com psicólogos que tentavam provar que Hugo Chavez tem problemas mentais sérios, e daí pra baixo (ai do Lula se a Veja descobre essa tática...).

Logo, a fronteira entre fazer oposição e incentivar o golpismo foi ultrapassada há muito tempo. A RCTV quer derrubar o governo de qualquer jeito, e não se deve renovar uma concessão pública a quem não aceita um governo legal vigente e o combate como se fosse uma guerra. Como bem lembrou a análise da revista, se fosse uma emissora de TV dos Estados Unidos que promovesse um golpe militar, teria sua concessão cassada na hora, sem grande furor.

Hugo Chavez tem lá seus problemas. Herdou alguns defeitos de Fidel Castro, fala demais e dá clara indicações de que pretende permanecer no poder por muito tempo. Porém, é o que de melhor ocorreu na Venezuela desde os tempos em que Bolívar dançava merengue na fronteira com as Guianas.

Agora, que a imprensa brasileira ia baixar o cacete no cancelamento da concessão você já sabe, sobretudo os donos dos veículos de comunicação, através de seus jornalistas favoritos. Mas o mais absurdo de tudo isso é ver os Repórteres sem Fronteiras se declararem contra o cancelamento da concessão. Mino Carta sempre diz que o Brasil é o único país do mundo em que jornalista chama patrão de colega. Pelo visto, o editorial dos Repórteres Sem Fronteira corrige o jornalista, provando que, além de não estarmos sozinhos na proliferação da cólera, malária, tuberculose e grande elenco de problemas sanitários, fomos pioneiros também na globalização de jornalistas puxa-sacos.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

A TÍTULO DE INFORMAÇÃO

Por gentileza - adoro expressões de falsa educação - alguém aí saberia dizer se é possível colocar links de áudio em blogue? Em caso positivo, como é que se faz? Quero enfiar músicas aqui até as gravadoras me atolarem em processos impagáveis. Só paro quando falir.

Ah, e não me refiro a algum sistema que toque a música logo quando o blogue é acessado (caras durões como eu não fazem esse tipo de coisa). Eu só queria botar a opção pra quem quiser apertar o Play mesmo.

Grato.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

DEUS MORREU



Dominada pelo sentimento de perda que o jornalismo tupiniquim teve após Octávio Frias de Oliveira, o publisher da Folha de S. Paulo, subir no telhado, a redação de SorryPeriferia mantém-se em estado priápico de abatimento. Os jornalistas de nosso hebdomadário virtual, os linotipistas, a tia do cafézinho, até o Nego Boiça (estagiário da faxina que cursa jornalismo em uma faculdade de nível mediano na Avenida Paulista), todos mostram-se solidários ao pesar dos veículos Folha da Manhã - reza a lenda que três frilas fixos do telemarketing da empresa quase estiveram se suicidando pela comoção de momento.

Foi então que resolvemos sair por aí entrevistando alucinadamente a maior quantia de pessoas possível em busca de frases de impacto sobre o bom velhinho, assim como faz compulsivamente a Folha de S. Paulo desde o domingo, republicada pelo UOL.

Eis o resultado de nossa coleta:

- O Jornalismo Literário se divide em duas partes: antes e depois das matérias sobre bandas de garagem do País de Gales que ninguém conhece, do Caderno Ilustrada, da Folha de S. Paulo.
Gay Talese, jornalista.

- Passei a fazer filmes após ler a coluna de José Sarney às quintas-feiras na Folha de S. Paulo.
Woody Allen, cineasta.

- Jamais esqueceremos a importância que Octávio Frias de Oliveira teve para a Guerra do Vietnã.
Robert McNamara, ex-Secretário de Estado dos States.

- Eu inventei a imprensa, mas o Tavão inventou o jornalismo.
Gutemberg, psicografado com a ajuda do espírito André Luiz.

- Eu só dancei Besame Mucho com Bernardo Cabral depois de treinar com Octávio Frias de Oliveira.
Zélia Cardoso de Mello, ex-ministra.

- Ninguém nunca foi tão fundamental para a cultura brasileira quanto Octávio Frias de Oliveira.
Rodriguinho, do Molejo.

- Sem dúvida, o maior incentivador do esporte no Brasil de todos os tempos.
Baloubet du Rouet, cavalo.

- Tavão, por você, eu dançaria tango no teto.
Frejat, cantor.

- Na cama era o maioral.
Cicciolina, atriz.

- I still feel the taste of your balls in my mustache. I miss you, Big Tave.
Boy George, cantor.

- Tavão? Gatinhuuuuuuuuuuuuuuuuuu!!!!!!!!!!!!!!!!! Beijaum no seu coraçaum!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Richarlyson, jogador do São Paulo Futebol Clube.

- O que é imortal não morre no final.
Sandy, cantora.

- A conduta de manter uma quantidade exorbitante de frilas fixos, que na prática é contratar gente sem pagar os direitos, foi e continua sendo um exemplo para todas as redações do planeta.
Jason Blair, ex-jornalista.

- E, à beira do Rio Jordão, Octávio turvou a água sagrada de Abraaão, pai de Jacó, genro do Oliveira, pai do Atanagildo, olhou para os vendilhões do templo e disse: "É muito mais jornal".
Carta de São Paulo aos coríntios.

- Perdi o meu maior cabo-eleitoral. Mas não conta pra ninguém.
José Serra, governador e mordomo de filme de terror.

segunda-feira, 30 de abril de 2007

COMO SI FUERA ESTA NOCHE DE MARZO LA ÚLTIMA VEZ


Pá pá rá, pá pá rá rá rá rááááááá rá

Descobri algo da mais obscura relevância neste fim de semana: Ray Conniff já fez um show em Jundiaí. Muito mais que isso: fez um show na noite em que nasci, um domingo, 29 de março de 1981. Foi como se descobrisse que meu pai não é meu pai, ou que fui adotado, ou então que fui achado numa lata de lixo. Este fato mudou completamente minha concepção sobre Jundiaí, sobre Ray Conniff e, é claro, sobre mim mesmo.

Contou a mamãe Vives que foi ao hospital na manhã daquele dia ao sentir dores ligeiramente mais fortes. No hospital, o médico que acompanhou toda a minha gestação deu um tapinha nas costas dela e disse: "Dona Maria, vai pra casa brincar com as outras criança, vai. Se continuar doendo, a senhora volta".

Deu-se então que minha mãe voltou pra casa e, enquanto meu pai assistia um GP de Fórmula 1 - ele odeia Fórmula 1 - ela ficou lá, brincando com as criança, que porventura venham a ser meus três irmãos. À noite, comecei a beliscar a barriga dela e a morder com veemência o cordão umbelical, numa clara indicação de que pretendia sair dali de qualquer jeito - eu não lembro disso, mas tento aqui acrescentar algum glamour ao meu nascimento, me dêem licença.

Foi então que, ao chegar de volta ao hospital - meu pai é tão certinho que parou em todos os sinais vermelhos, para desespero da minha mãe -, eis que um novato surge e diz: "Sou eu quem vai fazer o parto". E assim o fez.

No dia seguinte, véspera do 17º aniversário da Revolução Redentora de 1964, surge no quarto do hospital o médico que havia sumido:

- Sabe que é, dona Maria, eu tava no show do Ray Conniff lá na Esportiva. Não dava pra perder, né?

Logo, tem-se o seguinte quadro: o médico que acompanhou todo o penar de minha mãe, que tinha toda a ginga e malemolência de um F. Vives dentro dela, não estava lá na hora H, com o desentupidor de pia em mãos, para me tirar de dentro dela. Estava é no clube, com uma cerveja na mão esquerda e o dedinho para cima, apalpando as ancas gordas de sua esposa com a outra, embalado pela melodia de Besame Mucho.

Depois dessa, passo a me considerar um ser transcendental, algo entre o Walter Mercado e o Reverendo Soares. Esperem de mim que eu salve o mundo ou, mais provável, que contribua para terminar de levá-lo ao buraco. Se me perguntarem qual o meu signo, respondo, batendo no peito: "Áries, com ascendência em Ray Conniff". Agora entendo aquela vez que transformei água em Cachaça Pitu. Sou um enviado divino.

O melhor de tudo é que descubro tudo isso meses depois de colocar esta singela fotinho do Ray aí ao lado, com a peruca em cor diferente de sua barba, com um poodle no colo. Depois da Ibrahim Sued, é o mentor deste blogue. Ou, como não cantaria Bob Dylan: The answer my friend, is blowing in Jundiaí, the answer is blowing in Jundiaí.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

UM POST SÉRIO E OUTRO DA MAIS PURA FANFARRONICE

1) A sacanagem é roxa

Hoje um sujeito entrou numa universidade dos States, deu uns tiros, matou meio mundo e amanhã você vai (felizmente) esquecer da crise aérea. A notícia ruim é que a catástrofe de hoje vai pautar os jornais até que um novo evento deste porte ocorra. Ossos do orifício.

Lembro quando mataram o menino João Hélio. A direita se manifestou dando porrada na esquerda. Colunistas, blogueiros, jornalistas e jornaleiros, todos, até as capivaras de direita baixaram o cacete na esquerda. Motivo: o raciocínio que, segundo eles, é tipicamente esquerdista, que é compreender o assassinato dessa criança como um problema social.

Primeiro ponto, quem pensa deste modo é, de fato, uma anta inenarrável. Problema social é ser assaltado na Praça da Sé por um menino com uma faquinha de manteiga. Arrastar uma criança até a morte é delinqüência, e delinqüentes temos no Brasil, nos States, na Escandinávia, no Japão ou em qualquer outro lugar que exista polegares opositores e telencéfalos altamente desenvolvidos.

Eu disse faquinha de manteiga e repito: hoje em dia temos tanta razão em ter medo que uma criança pode assaltar você usando apenas um artefato deste tipo. Explico: na hora você vai titubear. Ele tem uma faquinha de manteiga, mas vai que tira do bolso uma bazuca dos Changeman... É melhor entregar a carteira logo de uma vez. Portanto, assalta-se ao se aproveitar do medo acumulado da violência que todos temos.

Porém, ao mesmo tempo, eu pergunto: quantas pessoas foram até a mídia dizer que o assassinato de João Hélio é um problema social, um problema advindo da omissão da classe média e afins? Muito poucas.

O que ocorreu em Virgínia hoje deve ter enfoque parecido naqueles jornalões dos States que estão mais à direita que a Nova Zelândia no mapa-mundi. Explico: sempre vai ter gente aproveitando o gancho para achar que isso é coisa de alguma preto muçulmano e bicha que tentou se vingar dos WASP felizes ("e ainda tinha gente que era contra a guerra no Iraque"). Foi assim com o atentado de Oklahoma, por exemplo.

Ou, como diria Roberto Baggio para si mesmo durante a decisão por pênaltis na final da Copa de 94: "O pior cego é aquele que não consegue enxergar". A lamentar.

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2) Tem gente que não bebe e está morrendo

Morreu a nadadora brasileira Maria Lenk, a primeira mulher sul-americana a participar dos Jogos Olímpicos (em Berlim, 1936). Nadava ela na piscina do Flamengo nesta manhã quando passou mal, o que a obrigou, a partir de hoje, a nadar nas águas da quarta dimensão.

Aí eu pergunto: quantas pessoas você conhece que morreram no bar? Não lembro de nenhuma. Aí a mulher vai dar suas braçadas matinais e passa mal (ela tinha 92 anos, é claro, mas isso não importa). É por isso que eu não pratico esportes, só bebo. Quem pratica esportes não imagina o risco que está correndo.

domingo, 8 de abril de 2007

OS MISERÁVEIS


Victor Hugo, o pai da criança, em pose de enxaqueca

Nada mais agressivo e arrogante do que um sujeito cético. Quando as coisas não dão certo, quando aqueles planos imaginados durante muito tempo vão pelo ralo, sempre aparece um que te assistia da arquibancada, com um sorriso amarelo, a levantar a plaqueta do "Eu já sabia". De um sujeito que é cético por natureza não se espera absolutamente nada além do ceticismo (e, por conseqüência, da frustração). Ele não constrói, apenas critica - com ou sem razão, tanto faz - quem tenta construir. E, quando não dá certo, ele vem soprar na tua orelha a arrogância absoluta do "Eu avisei".

Nunca li Nietzsche. Li sim, uma vez, um livro que explicava Nietzsche. Como não tenho a pretensão de me mostrar mais culto do que o real - isto aqui é apenas um blogue -, podem me corrigir se estiver errado: Nietzsche é de uma amargura inenarrável. Negava absolutamente tudo. O homem, para ele, era um mané em potencial. Nietzsche, Deus existe? "Morreu". Nietzsche, e o ser humano? "Um fracassado". Nietzsche, e a mulher do Wagner? "Uma vadia". Nietzsche, e o Curíntia? "Não tem estádio".

Imagino o menino Nietzsche ganhando um Ferrorama de Natal. Antes da mãe botar o peru na mesa, o rapazote já juntou os trilhos rumo ao abismo atrás do sofá. Quando a máquina se esfacela no chão, Friedrich acaricia o buço já volumoso e ri de própria miséria. É isso: uma máquina (foda-se a cacofonia) de Ferrorama aos pedaços atrás do sofá é um retrato de toda a teoria filosófica de Nietzsche (sou exagerado, nunca disse o contrário).

Digo isso porque acabo de reler Os Miseráveis. Nietzsche é o anti-Victor Hugo. O filósofo bigodudo transforma todos os sentimentos humanos em esterco, os bons e os ruins. O romancista francês vai amiúde entre os mais pobres, os rudes, os marginalizados e tira deles as mais sensíveis atitudes do bicho homem. É isso que eu queria dizer: Os Miseráveis é o que de melhor pode existir entre todos os sentimentos humanos. O pior dos homens guarda consigo a melhor das sensações, apenas não sabe como usá-los, porque a vida assim não permite. É o que faz de Os Miseráveis uma obra tão empolgante, tão cheia de vida e, por conseguinte, tão inesquecível: ela põe fé nas virtudes do ser humano em contraponto de suas fraquezas. Logo, acredita nele.

(alguém pode reclamar que estou colocando um filósofo e um romancista no mesmo barco, o que pode gerar distorções. E estou mesmo, uma vez que o que interessa aqui são os sentimentos humanos, e não a origem de onde elas são debatidas, seja no romance, na filosofia ou em qualquer outra área)

É aí que está a grande lição de Jean Veljean, o protagonista do livro. Eis o princípio do enredo: condenado a cinco anos nas galés (um sinônimo glamouroso de prisão) por roubar um pão quando faminto, Jean Valjean acaba preso por 19 anos, acumulados pelas várias tentativas de fuga. Ao sair, todos o repelem por ser ele um um ex-presidiário. É então que um padre bondoso o acolhe por uma noite. Asfixiado pelos calos das galés, João Valjean rouba os talheres de prata da casa de seu hospedeiro. Quando pego pela polícia, Valjean é levado até a casa deste mesmo padre, que diz aos policiais que a prataria não foi roubada, e sim que dera a ele. Quando soltam Jean Valjean, a lição do padre muda completamente sua vida e o transforma em um sujeito que leva ao extremo sua bondade e suas virtudes.

A hombridade talvez seja a maior das virtudes, porque dela vêm naturalmente muitas outras. Veja bem, quando falo de hombridade, não estou falando de chegar no bar, virar um litro de uísque e dar cadeirada em todo mundo. Não. Falo da macheza que independe do sexo da pessoa: aquele sentimento de se fazer a coisa correta na hora correta, por mais dolorosa que seja, e criar, cultivar e lutar por seus princípios. No fundo, é isso que fica. É o exemplo de Jean Valjean. É o que todos deveríamos seguir.

Sim, Os Miseráveis é um livro infanto-juvenil e contém todos os exageros e cacoetes que um herói pode proporcionar. Mas nada disso anula o âmago da questão: enquanto, por exemplo, Nietzsche rugia com os intestinos, Victor Hugo escrevia com o coração - e pode rir deste clichê. Que me perdoem os céticos e os patrulheiros da cultura excessiva, mas Os Miseráveis é um dos dez grandes livros que li na vida. Victor Hugo bem valheria um aperto de mão.

domingo, 1 de abril de 2007

OSSOS DO ORIFÍCIO

Domingo à tarde. TV ligada, Sbesteira insistindo no Domingo Legal. Na tela, videos caseiros de gente querendo ser famosa. Eis quando se apresenta uma morena de Porto Alegre:

- Oláááááá, meu nome é Fulana*, sou modelo, faço jornalismo, teatro e A-DO-ROOOOOO jantar.

Procurado por nossa reportagem, o jantar não quis prestar declaração.


*não gravei o nome da dita cuja, lamentavelmente.

quarta-feira, 21 de março de 2007

A MORFOLOGIA DA SINTAXE ENQUANTO GÊNERO GRAMATICAL E OUTRAS PATAQUADAS DO LÉXICO NESTE BLOGUE

Foi ao escrever o texto (teoricamente) jornalístico que escrevo toda semana que, ao final, uma sobrancelha minha se ergueu, calhando de me coçar a testa. Tal peculiaridade física é, no meu caso, sinônimo de estupefação. O assunto era bom, a causa era boa, mas o artigo ficou com cara de velhinha fazendo feira ao meio-dia, sob um sol saariano: ô dó. Faltaram duas coisas: tesão e vírgulas. Horror inenarrável.

Ocorreu-me então que tenho verdadeira comoção por vírgulas. Meu blogue por um aposto. Posso até escrever uma frase que, no fundo, ficaria mais fácil de ser lida caso não tivesse tantas vírgulas, mas, como de praxe, recheio-na com esses pontinhos que, intencionalmente ou não, dão a ela um ar aristocrático (e que, nesta frase que você acabou de ler, e que ainda está lendo, remete a uma crise de soluços, tamanha a quantidade de interrupções). Nada tão britânico quanto uma frase cheia de vírgulas, desde que, é claro, é sempre bom lembrar, as vírgulas sejam usadas com parcimônia, o que não é o caso deste parágrafo, conforme você pode perceber.

Minha adoração por vírgulas só tem paralelo ao estupor que me causa um travessãozinho matreiro ao fim de uma frase - mais ou menos como estou fazendo agora, só pra exemplificar. Esse travessão corresponde a um gesto involuntário que cometo em diálogos ao vivo e a cores: pego no braço do interlocutor quando quero acrescentar uma informação, ou então negar o que acabei de falar - e esta pegação é meramente sintática, não costuma ter conotação sequessual. Quase todos os posts deste blogue contêm estes travessões encerrando as frases - e o post abaixo deste é uma exceção.

Outra fator gramatical que, percebo, é abusado por mim, são os dois pontos para acrescentar uma informação: exatamente como estou fazendo agora. É batata: fucei a rodo neste blogue e não encontrei um mísero post que não contasse com informações colocadas após um intróito quase sempre inútil seguido por dois pontos. Este é o defeito que mais empaca texto, na minha modesta opinião: se você usar duas vezes os dois pontos muito próximos, em uma ou mais frases seqüenciais, tem-se uma quebra de ritmo brochante.

O fato é que, voltando ao primeiro parágrafo, faltou ao tal artigo o tesão e as vírgulas. Então percebi que ultimamente tenho que escrever cada vez mais rápido. As vírgulas são inimigas da velocidade. São como aquelas cabras que invadem as estradas de montanha e não deixam a gente passar, nos obrigando a fazer uma pausa pra curtir um outro ritmo, o ritmo delas. E quando você não tem tempo de curtir este ritmo? Passa por cima das cabras, é claro. Isso explica o meu desapego momentâneo às vírgulas.

Organizei então uma assembléia dos neurônios que cuidam do meu léxico. Em votação unânime, pediram a volta da pausa para respiração, da pausa para a reflexão e, conseqüentemente, da volta da utilização de vírgulas com parcimônia, como nos velhos tempos. É a esquerda cerebral, que ameaça com greve de sinapses caso as exigências não sejam cumpridas.

Porém, há o movimento oposto, o dos neurônios pragmáticos, que cuidam de outras funções e cuja facção no momento tem o poder. É como um neoliberalismo mental. Esta corrente pragmática é a mesma que me obriga a almoçar em dez minutos, a acelerar mais do que devia na 23 de maio, e não ir ao bar durante a semana para conseguir acordar no horário e, sobretudo, a fazer-me utilizar exclamações muito mais do que gostaria.

É melhor explicar. Odeio exclamações. Os pontos de exclamação são como cheerleaders de colégio americano no âmbito gramatical. Uma exclamação ao fim de uma frase é um pom-pom levantado, mãozinhas acenando, gritos histéricos para a arquibancada. Nada menos elegante do que pontos de exclamação. No entanto, a cada conversa minha por messenger, eis que me pego cada vez mais usando pontos de exclamação. O ponto exclamativo é o legado de nossa miséria gramatical, é a consagração do "blz" no lugar do antigo "beleza", ou a utilização do "flw" em vez do simpático e demodé "falou". Um "flw!!!!!!" como despedida no messenger dói mais que uma traulitada nos cornos.

O impasse prossegue. Mas, como diria Frank Sinatra para Tom Jobim momentos antes daquele famoso show em Nova Iorque nos anos 60: "Vai que vai".

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O assassino era o escriba

Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente.
Um pleonasmo, o principal predicado de sua vida,
regular como um paradigma da 1ª conjunção.
Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,
ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito
assindético de nos torturar com um aposto.
Casou com uma regência.
Foi infeliz.
Era possessivo como um pronome.
E ela era bitransitiva.
Tentou ir para os EUA.
Não deu.
Acharam um artigo indefinido na sua bagagem.
A interjeição do bigode declinava partículas expletivas,
conectivos e agentes da passiva o tempo todo.
Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.

Paulo Leminski