terça-feira, 13 de novembro de 2007

O HOMEM QUE MATOU O ÓDIO COM A HERANÇA



Com insistente freqüência sou apontado como um sujeito ultrapassado. Ganhei a pecha por conta de algumas preferências, mas não endosso. Eu diria que sou um sujeito atemporal, que gosta de coisas sem se importar quando foram feitas (impressão minha ou esta frase soou arrogante? Não importa). O momento em que a obra foi realizada é sempre um dado que ajuda a interpretar um filme ou uma canção, não importa se é de ontem ou do tempo em que o Mar Morto ainda vivia. O tempo nunca pode ser parâmetro pra definir o que é bom ou ruim, a não ser quando algo é tão bom que sobrevive a ele.

Só existe uma coisa que, de fato, prefiro os de antigamente: carros. Eu gosto de carro antigo. Sou capaz de fazer um escândalo siciliano ao ver uma Romi-Isetta na rua e, no entanto, faço beicinho para uma Ferrari F50. Se alguém quiser me ver num momento infantil, debilóide mesmo, me leve a uma exposição de carros antigos.

Mas não é disso que eu queria falar.

Fiz o intróito para falar de dois filmes velhos, com cheiro de mofo, que provavelmente vai atacar as urticárias desse povo muderno de quem vivo levando espinafradas. O gênero é western ou, como diria meu falecido avô, filme de farweste, com muita morte, muito índio, muita puta mexicana e muito whisky vagabundo no gargalo.

Ontem revi o clássico Meu Ódio Será Sua Herança (The Wild Bunch), de 1969, época em que o gênero bangue bangue dava seus últimos suspiros. Eu queria observar o papel de William Holden (mais famoso por A Profecia 2), o personagem principal. Holden é o líder de uma gangue na fronteira dos States com o México. Ele é caçado por uma outra gangue liderada por um ex-amigo (Robert Ryan). Os dois são fodões, se respeitam e têm aquela ética que só os fodões que se respeitam têm.

Mais que isso: Holden é o típico herói de filme americano de antigamente: resolve os problemas dos outros, nunca os seus. Tem um código de ética severo, não se perdoa pelos erros e com demasiada freqüência é figurante na vida dos outros e nunca personagem principal da sua própria. É um personagem denso, mas cansativo demais para os que estão em seu entorno - até para ele mesmo, que sempre demonstra querer mudar tudo, mesmo sabendo que não consegue ser de outro jeito.

Mais forte que Meu Ódio Será Sua Herança é O Homem que Matou o Facínora (The man who shot Liberty Valance), de 1962, época em que o western ainda vivia grande forma. James Stewart é o advogado sensível e moderno da cidade grande que chega a Shinbone, um vilarejo mundo-cão, disposto a fazer justiça. John Wayne é um cara durão, vaqueiro local, que segue as regras do jogo e é respeito assim.

John Wayne não é o personagem principal ao mesmo tempo em que o é. Mais que isso: é o típico herói do cinema americano de antigamente: não tem passado, veio de lugar nenhum, carrega suas chagas consigo, chega para resolver o problema e vai embora da mesma forma com que entrou no enredo. As atitudes de Tom Doniphon, o personagem de John Wayne, são todas baseados no que é o correto, não no que ele gostaria. Terminada sua missão, ele volta, sozinho e com dor, para o lugar de onde veio, que ninguém nunca sabe onde é - nem ele.

Eu poderia recomendar os dois filmes, mas, na qualidade de ultrapassado, não o farei. Provavelmente vou cansar o fino leitor com tamanha quinquilharia em forma de película. Prefiro dizer que o Código da Vinci está aí nas locadoras para ser alugado. Asseguro que é bastante atual. E me deixem com meus farwestes em paz.

Nenhum comentário: