terça-feira, 8 de julho de 2008

(...)Às vezes, na realidade, sonho que estou no inferno. Ou não sonho nada. Ou sonho que me castraram e que, com o passar do tempo, uns testículos bem miúdos, como duas azeitonas incolores, voltam a brotar em minhas virilhas e que eu os acaricio com um misto de amor e temor e os mantenho em segredo. O dia afugenta os fantasmas. Claro, não falo disso com ninguém. Preciso me mostrar forte. O mundo da literatura é uma selva. O preço que pago com minha relação com a carteira são uns tantos pesadelos, uns tantos fenômenos auditivos. Não é tão ruim assim, eu aceito a paga. Se tivesse menos sensibilidade, certamente nem me lembraria mais dela. Às vezes tenho até vontade de ligar pra ela, de segui-la em seu percurso diário e de vê-la, pela primeira vez, trabalhar. Às vezes tenho vontade de me encontrar com ela em algum bar do seu bairro, que não é mais o meu, e lhe perguntar sobre sua vida: se já tem um novo amante, se distribuiu alguma carta proveniente da Malásia ou da Tanzânia, se ainda recebe, no Natal, a gratificação dos carteiros. Mas não o faço. Só me conformo com ouvir seus passos, cada vez mais débeis. Eu me conformo em pensar na imensidão do Universo. Tudo que começa como comédia termina como filme de terror.

Os detetives selvagens, de Roberto Bolaño*. Um excepcional companheiro de viagem.

* Presente da querida Karen.

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