domingo, 13 de julho de 2008

AS ALGEMAS E A CIRROSE

Do enviado a Jundiaí

Ficar bêbado na cidade em que a gente nasce é alugar o próprio cérebro para uma sessão de cinema interna que passa pelos neurônios alucinadamente, às vezes sem sentido, e que acionam porres anteriores, amigos antigos, amores passados, festas, desilusões, as grandes coisas que você fez, as grandes coisas que você não fez e por aí vai. Tudo porque você voltou a andar bêbado pelas mesmas ruas que já te assistiram a fazer isso outras tantas vezes e que parecem te abraçar, como a um vizinho antigo, e dizer "Volte sempre".

Ficar bêbado num país que não é o seu te obriga a dar um Control+ALT+DEL no GPS da sua cabeça pois, ao pensar, no fim da noitada, "agora tenho que voltar pra casa", você cai na gargalhada, porque a sua casa está 8 mil quilômetros longe e seus pés não reconhecem aquelas ruas, sua bexiga estranha aqueles postes limpos e o Bar do Estadão está longe demais pra você amanhecer comendo um pernil.

Ficar bêbado no dia-a-dia é uma forma de deixar os problemas ali na esquina te esperando enquanto você entorna o caneco. Depois vocês dois vão juntos pra casa e no dia seguinte tudo começa de novo, só que com dor de cabeça e de estômago.

Para quem tem superego militarista, cair bêbado cotidianamente é uma competição acirradíssima entre o seu próprio superego e o seu fígado. É como o rochedo e o mar. No entanto, o superego tem a vantagem de só existir no campo das idéias, o que com o passar dos anos faz diferença, além de a cirrose e a hepatite lhe ser indiferente.

Ficar bêbado em tempos de lei seca para motoristas é desistir de sair, comprar bebida pra tomar em casa e ficar absolutamente emotivo com qualquer música, qualquer trecho de livro ou qualquer outra coisa que te faça recordar que o mundo lá fora é tão interessante, mas que, neste exato instante, você não está fazendo parte dele.

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