
Antoãine Dáoanel: Pedala, emo
Quem porventura já desceu a Augusta nalgum sábado à tarde sabe do que estou falando. É só passar na frente de um café que lá estarão pessoas gritando "O Trufô! O Trufô!". É um processo mental. É no cafézinho na frente do Espaço Unibanco, é na loja de discos, é o pipoqueiro, são os mendigos da calçada, todos com os dedos em riste e as sobrancelhas exclamativas a gritar "O Trufô! O Trufô!". É uma histeria coletiva, a coqueluche dos cults.
Pois vou contar minhas duas experiências com a Nouvelle Vague, gênero do cinema que tem o tal Truffô no mesmo patamar em que o Cinê Privê tem a Emanuelle e seus coitos intergalácticos.
A primeira foi há alguns anos, com o filme Acossado, de João Lucas Godard. O filme começa com o sujeito fumando e dando uns tiros por aí, pra depois sair correndo. Alguns dirão: "Mas é só isso!? Você não captou toda a angústia do homem moderno!". Pois respondo: captei sim. Fiquei tão angustiado que, tendo o controle remoto em mãos, botaria a fita pra correr.
Mas continuemos. Ainda no princípio do filme, o protagonista encontra-se com uma mulher e ambos resolvem brincar de Adão e Eva num apartamento. Porém, ao que parece, um dos dois manda muito mal, porque, ao término, a dupla acende um cigarro e ambos fazem cara de coitado para a câmera.
Aí vem o lamentável da coisa: um deles diz algo como "Você não me ama mais". Pronto, tem-se o início de uma D.R. de mais de dez minutos em uma mesma tomada de câmera. Horror inenarrável. O fumacê domina o ambiente. Ele ou ela diz: "Mas você não era assim", ou algo do tipo, e os cigarros queimam. Ao fim dos dez minutos, meus pulmões já tinham tragado toda aquela nicotina cinematográfica.
Sugestão para quando fizerem um remake: com cinco minutos de D.R., entra o Alexandre Pires no apê cantando "Tô fazendo amor com outra pessoá...." em francês. Um pouco de showbizz tropical e tudo seria diferente.
Minha segunda experiência nouvellevaguística deu-se nesta semana com Os Incompreendidos, do Trufô. Os cults gritavam pela Augusta "Antoine Dáoanel, Antoine Dáoanel!". Pois tomei coragem e aluguei o dvd pra conferir, e vou-lhes contar quem é o figura.
Antoine Dáoanel é, antes de tudo, um sujeito que corre. Aliás, é impressionante a obsessão desses diretores por pessoas que correm. O acossado corria já no início do filme. Dáoanel, o menino protagonista incompreendido, corre o filme inteiro. A mãe e o pai brigam e o menino corre. O pai do amigo dele chega em casa e o menino corre. O professor mala o repreende e o menino corre. Dizem que o Nouvelle Vague é uma resposta ao Neorealismo italiano. Pois digo que Antoine Dáonel é uma resposta ao Abebe Bikila, o maratonista etíope que, à época, zoava os cara nas competições internacionais.
O moleque corre tanto e na mesma proporção em que o sono domina o espectador. "Mas ele corre pra se libertar!", grita o cult, ali no fundo. Sim, de fato, donde conclui-se que a questão primordial da Nouvelle Vague era a falta de uma São Silvestre em Paris.
Mas há coisas boas no filme, sejamos realistas. A companheira Caren Kunsolo declarou que, pra ela, a cena que representa todo o cinema é uma na qual moleques embasbacados observam um teatro de marionetes. Uma cena bonita, de fato. Mas, como o único objetivo aqui é a difamação, enumero três grandes momentos do cinema que passam ao largo da Nouvelle Vague e que, para mim, sintetizam a sétima arte:
- CINEMA PARADISO - O velho Alfredo (Phillip Noiret) xinga, da sacada, o Totó, o menino mala, que se vira para ele e grita:
- Alfredo: vai tomar no cu!
- STALLONE COBRA - Diálogo entre o Detetive Monte e o Marion Cobretti, o Cobra (Sylvester Stallone), com a fantástica dublagem de canto de boca do SBT nos anos 80:
Det. Monte: - Muito bem, Cobra! Vamos pegar esses caras, enchê-los de balas, fazer picadinho dos miolos deles!
Cobra: - Hey... sabe qual o seu problema? Você é um sujeito muito violento. Deve ser essa goma de mascar que você usa.
BONITINHA MAS ORDINÁRIA - Fala de Edgard (José Wilker), o mocinho, ao patrão Doutor Werneck (Carlos Kroeber) e o vil Peixoto (Milton Moraes):
- Escuta, Doutor Werneck. E você também, Peixoto. (olha para Werneck). Eu não vou me casar com sua filha. Não vou, não! E saio do emprego. Você enfia os 11 anos, Doutor Werneck, a estabilidade, tudo! E fique sabendo: sou um ex-contínuo, e o senhor, um filhodaputa! (num berro maior ainda) : SEU FILHO DA PUTA!
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