sexta-feira, 3 de outubro de 2008

OVERDOSES PÓSTUMAS DE MACHADO DE ASSIS

Millôr Fernandes está cada dia mais babeta, porém ainda é um dos poucos gênios vivos da humanidade. Foi ele a primeira pessoa a ter uma interpretação absolutamente original de Dom Casmurro, o livro que todo mundo odeio aos 15 anos e passa a adorar quando completa 20.

A azeitona da empada da mais polêmica obra machadiana não é a suposta cornitude de Bentinho Santiago, diz Millôr. Na verdade isso poderia importar tão pouco - e sou eu que digo isso - que o autor não faz questão de confirmar ou desconfirmar os galhos premiados do protagonista, embora Millôr diga, na lata: Escobar deu um tapa na peruca da Capitu sim senhor.

Segundo ele, o grande lance do romance é que Bentinho é gay. E para provar tal teoria, o infelizmente colunista da Veja cita, de bazófia, vários trechos do livro que exemplificariam as peripécias libidinosas do menino Bento, seu amigo Escobar e, eventualmente, algum padre do colégio de ambos.

Por conta da sisudez do personagem, confesso que tenho dificuldade em pensar no Dom Casmurro como gay. Mas talvez eu esteja olhando a situação com os olhos do século 21, de quem vai ao cinema do Shopping Frei Caneca (Gay Boneca?).

Ou seja: o construção gay de Bento Santiago me faz imaginá-lo um quarentão de baby look (para ressaltar o pãozinho francês que se formou no lugar do bíceps por conta da academia), brincos na orelha e tatuagem na nuca. Óbvio que não são todos os gays que se encaixam neste perfil, mas este é um tipo facilmente visto por lá.

Desconfio que ser gay no Rio de Janeiro do século 18 deve ter sido um pouquinho diferente, mais ou menos como aquele vizinho do Kevin Spacey em Beleza Americana. A amargura pela não compreensão do amor proibido pela society carioca o faz se casar com a amiga de infância, represando as mágoas pelo resto de sua vida e achando o máximo quando Escobar, Capitu e o filho morrem (o século 21 me parece um pouco mais saudável...).

Escobar, portanto, seria uma espécie de Sergei da época: comeu o Bentinho, a Capitu, a cartomante, o Quincas Borba, Esaú, Jacó e todo o staff machadiano. Só não comeu a Janis Joplin porque esta não existia ainda.

Millôr Fernandes montou sua teoria por pura bazófia. Na verdade, o recado que ele quer dar é que Machado de Assis é um autor não tão grande quanto pensam, e que Dom Casmurro é um romance fraco, o que, modestamente, discordo - vale lembrar que a expressão "um tapa com ferradura de pelica" foi franca inspiradora da origem deste blogue (tanto quanto o próprio Millôr), dando origem à versão drogada e prostituida sob a foto acima.

O fato é que toquei no assunto para dizer que já encheu os pacovás esse povo a comemorar os cem anos de morte de Machado de Assis.

Primeiro, porque a expressão "Bruxo do Cosme Velho" está para a literatura assim como "futebol é uma caixinha de surpresas" está para o mundo esportivo.

Segundo, a overdose de informações recicladas das velhas apostilas de cursinho dos jornalistas é tão farta que estão fazendo do Machado quase uma Avril Lavigne. Deixem disso, pô.

Se continuarem neste toada, desconfio que, no próximo domingo, ao ligar na TV Gazeta para assistir ao Amigos do Forró, o ilustre Nerivan Silva vai apresentar o Belina Mamão a cantar uma versão forrozística de trechos Memórias Póstumas. "Amou-me por 15 meses, minha nega, e quinze contos de réééééééééééíssssss (tira o pé do chãããããããããão, galeráááááá)".

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- Eis malfadado artigo de Millôr sobre Dom Casmurro.

- Mais sobre a polêmica do Millôr.

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