terça-feira, 9 de setembro de 2008

FAUSTIN von WOLFFENBÜTTEL (1940-2008)



Nos anos 50, havia em Porto Alegre um menino que tinha certo gosto pelos livros. Certa vez ele entrou numa livraria em uma das avenidas movimentadas do centro. Apanhou um exemplar numa estante e, ao ver que o dono do recinto não estava olhando, saiu com o livro embaixo do braço. A partir de então, toda semana o menino visitava a livraria e, quando o livreiro se distraía, deixava o local com um exemplar escondido.

Repetiu o gesto por anos. Porém houve uma vez em que, antes de passar pela porta, o menino resolveu também embolsar um maço de cigarros, porque aos 12 anos ele e todos os seus amigos já fumavam. Foi quando certa mão puxou-lhe pelo braço. Era o livreiro, que lhe disse: “Livro pode. Cigarro não”.

Este menino chamava-se Fausto Wolff e contou a história no romance À Mão Esquerda, meu livro de cabeceira. É por isso que, desde sexta-feira, embora cheias, as garrafas de whisky jamais estiveram tão vazias. Nunca mais o Bunda de Fora verá os grandes porres, nem os ataques contra o governo em tom etílico, nunca mais ouvirá as grandes piadas inventadas de supetão. Foi-se o filho do barbeiro de Santo Ângelo, foi-se o jet-setter pobretão das altas rodas cariocas, o franco-atirador de Copenhague, o professor de Literatura que só tinha até a quarta série do primário. Já não existe mais aquele que foi talvez o maior jornalista da geração pé rapada que vinha da periferia e para a periferia escrevia.

Fausto Wolff e seu corpanzil de quase dois metros já não cabiam nestes anos 2000. Algumas mancadas no fim de vida e a insistência de ver o mundo sob o olhar dos anos 60 não cativavam como um dia já cativaram, é verdade, mas nada disso ofusca seus 68 anos de vida que foram tão intensamente vividos que pareciam ser muito mais. Foi para mim o exemplo máximo de inconformismo com as injustiças e do radical compromisso em ser bom enquanto ser humano.

Se eu me tornei jornalista, é porque queria ser Fausto Wolff. Se aprendi a destilar alguma ironia indignada, é porque lia o Fausto Wolff. Se blogo há seis anos ininterruptos, é porque quero escrever como Fausto Wolff. Se nutro algum respeito enquanto homem perante os meus próximos, devo grande parte disso a Fausto Wolff. Tornar isso público talvez seja a única forma de agradecer, mesmo que tardiamente.

Desde sexta-feira, todos os porres deste mundo perderam um pouco da graça. O acrobata que pedia desculpas enfim caiu.

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