domingo, 25 de fevereiro de 2007

FODA-SE A NOUVELLE VAGUE


Antoãine Dáoanel: Pedala, emo

Quem porventura já desceu a Augusta nalgum sábado à tarde sabe do que estou falando. É só passar na frente de um café que lá estarão pessoas gritando "O Trufô! O Trufô!". É um processo mental. É no cafézinho na frente do Espaço Unibanco, é na loja de discos, é o pipoqueiro, são os mendigos da calçada, todos com os dedos em riste e as sobrancelhas exclamativas a gritar "O Trufô! O Trufô!". É uma histeria coletiva, a coqueluche dos cults.

Pois vou contar minhas duas experiências com a Nouvelle Vague, gênero do cinema que tem o tal Truffô no mesmo patamar em que o Cinê Privê tem a Emanuelle e seus coitos intergalácticos.

A primeira foi há alguns anos, com o filme Acossado, de João Lucas Godard. O filme começa com o sujeito fumando e dando uns tiros por aí, pra depois sair correndo. Alguns dirão: "Mas é só isso!? Você não captou toda a angústia do homem moderno!". Pois respondo: captei sim. Fiquei tão angustiado que, tendo o controle remoto em mãos, botaria a fita pra correr.

Mas continuemos. Ainda no princípio do filme, o protagonista encontra-se com uma mulher e ambos resolvem brincar de Adão e Eva num apartamento. Porém, ao que parece, um dos dois manda muito mal, porque, ao término, a dupla acende um cigarro e ambos fazem cara de coitado para a câmera.

Aí vem o lamentável da coisa: um deles diz algo como "Você não me ama mais". Pronto, tem-se o início de uma D.R. de mais de dez minutos em uma mesma tomada de câmera. Horror inenarrável. O fumacê domina o ambiente. Ele ou ela diz: "Mas você não era assim", ou algo do tipo, e os cigarros queimam. Ao fim dos dez minutos, meus pulmões já tinham tragado toda aquela nicotina cinematográfica.

Sugestão para quando fizerem um remake: com cinco minutos de D.R., entra o Alexandre Pires no apê cantando "Tô fazendo amor com outra pessoá...." em francês. Um pouco de showbizz tropical e tudo seria diferente.

Minha segunda experiência nouvellevaguística deu-se nesta semana com Os Incompreendidos, do Trufô. Os cults gritavam pela Augusta "Antoine Dáoanel, Antoine Dáoanel!". Pois tomei coragem e aluguei o dvd pra conferir, e vou-lhes contar quem é o figura.

Antoine Dáoanel é, antes de tudo, um sujeito que corre. Aliás, é impressionante a obsessão desses diretores por pessoas que correm. O acossado corria já no início do filme. Dáoanel, o menino protagonista incompreendido, corre o filme inteiro. A mãe e o pai brigam e o menino corre. O pai do amigo dele chega em casa e o menino corre. O professor mala o repreende e o menino corre. Dizem que o Nouvelle Vague é uma resposta ao Neorealismo italiano. Pois digo que Antoine Dáonel é uma resposta ao Abebe Bikila, o maratonista etíope que, à época, zoava os cara nas competições internacionais.

O moleque corre tanto e na mesma proporção em que o sono domina o espectador. "Mas ele corre pra se libertar!", grita o cult, ali no fundo. Sim, de fato, donde conclui-se que a questão primordial da Nouvelle Vague era a falta de uma São Silvestre em Paris.

Mas há coisas boas no filme, sejamos realistas. A companheira Caren Kunsolo declarou que, pra ela, a cena que representa todo o cinema é uma na qual moleques embasbacados observam um teatro de marionetes. Uma cena bonita, de fato. Mas, como o único objetivo aqui é a difamação, enumero três grandes momentos do cinema que passam ao largo da Nouvelle Vague e que, para mim, sintetizam a sétima arte:


- CINEMA PARADISO - O velho Alfredo (Phillip Noiret) xinga, da sacada, o Totó, o menino mala, que se vira para ele e grita:

- Alfredo: vai tomar no cu!


- STALLONE COBRA - Diálogo entre o Detetive Monte e o Marion Cobretti, o Cobra (Sylvester Stallone), com a fantástica dublagem de canto de boca do SBT nos anos 80:

Det. Monte: - Muito bem, Cobra! Vamos pegar esses caras, enchê-los de balas, fazer picadinho dos miolos deles!

Cobra: - Hey... sabe qual o seu problema? Você é um sujeito muito violento. Deve ser essa goma de mascar que você usa.



BONITINHA MAS ORDINÁRIA - Fala de Edgard (José Wilker), o mocinho, ao patrão Doutor Werneck (Carlos Kroeber) e o vil Peixoto (Milton Moraes):

- Escuta, Doutor Werneck. E você também, Peixoto. (olha para Werneck). Eu não vou me casar com sua filha. Não vou, não! E saio do emprego. Você enfia os 11 anos, Doutor Werneck, a estabilidade, tudo! E fique sabendo: sou um ex-contínuo, e o senhor, um filhodaputa! (num berro maior ainda) : SEU FILHO DA PUTA!

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

SE O DIRCEU DANÇA, EU DANÇO



Recebi uma carta acalourada na redação de SorryPeriferia. A remetente é a leitora e fã Henriqueta Corazza, que disse o seguinte:

Voluptuoso Vives,

tenho tido sonhos eróticos com sua pessoa. Admiro-te incondicionalmente. Imagino todos os dias essas tuas mãos, com essa tez semi-albina, a acariciar minha pele; sonho com o calor compartilhado por nossos corpos, um doce frenesí ao imaginar o contato de tua barriga de cerveja junto da minha. Muito poderia dizer sobre a tua beleza, a tua sapiência, a tua virilidade. Mas o que mais lhe admiro é, sem dúvida, a tua insofismável modéstia.

Baseado em tudo isso, pergunto-lhe: anistiar ou não anistiar José Dirceu?

Daquela te cobiça,

Henriquetinha C.

OBS: Em anexo, uma foto com meu robe de chambre favorito. Deleite-se.



Respondo para a simpaticíssima correspondência.

Cara Henriqueta, o negócio é o seguinte: independente de gostar ou não do ex-Sr. Richfield do Planalto, tem-se um quadro jurídico peculiar. O ex-deputado e ex-gordo Roberto Jefferson foi cassado por falta de decoro que, neste caso, significou acusar a existência de um esquema denominado Mensalão sem ter conseguido prová-lo.

José Dirceu, por sua vez, teve o mandato cassado por comandar o tal esquema do Mensalão que, veja bem, não foi provado que existiu, tanto que o ex-gordo e ex-deputado foi cassado por acusação sem provas.

Aqui vale um adendo: pouca gente, tanto da direita quanto da esquerda, acredita que o tal Mensalão não tenha existido. Só que, sem provas, ninguém brinca de mocinho ou bandido. Então dá-se o seguinte: se Dirceu nunca organizou Mensalão algum, foi condenado injustamente e fim de papo. Mas se Dirceu tem culpa no cartório, tornou-se um mártir por conta da cassação injusta, tal qual um Saddam Hussein.

A conclusão é que a cassação de José Dirceu foi uma aberração jurídica, possivelmente o maior absurdo da história do Congresso Nacional na Nova República, depois, é claro, do escândalo de compra de votos para a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, há dez anos.

Independente de gostar ou não de Dirceu - tenho uma relação dúbia quanto a isso - o fato é que a anistia é necessária, já que a cassação foi, de longe, injusta. Me pego no direito de citar Kierkegaard para encerrar a questão: "Batuque na cozinha sinhá não quer, por causa do batuque eu queimei meu pé".


Sem mais,

Vives.


OBS: Cara Henriqueta: este decote primoroso formado pelas linhas do robe de chambre me causaram um estupor hormonal sem par nestas matas. Tens a minha simpatia que, como se diz, é quase amor.

domingo, 18 de fevereiro de 2007

A MALEMOLÊNCIA DO CROMOSSOMO Y AGREGADA AO JORNALISMO CARNAVALESCO



O ano, descobri agora, era 1991. Tinha eu dez anos, portanto. O Hans Donner dava um tapa na peruca da Isadora Ribeiro, que a esta altura já não estava mais saindo das águas todo domingo na abertura do Fantástico a cantar o famoso "A U U A! A U U A! É FAN-TAS-TI-CÔ!".

Isto quer dizer que Valéria Valença ainda não era a Mulata Globeleza, já que ela e o austríaco (que pensa ser o Kubrick das aberturas de novela, mas que é apenas um Hans Donner) com ela está até hoje - eles se conheceram ali nas gravações, na tela de TV no meio desse povo.

Não era nada disso que eu queria dizer. Assistia eu ao desfile de escolas de samba ao lado do meu pai, que sempre diz que tudo aquilo é uma tranqueira, mas que nunca deixa de acompanhar. A narração da TV Manchete era feita por Paulo Stein, um mangueirense fanático que também narrava jogos de futebol e que tinha um sotaque carioca a la Zeca Pagodinho.

Em um dado momento, o câmera da Manchete dá um close em uma mulata carnuda e rebolante. Não havia roupa. Havia sim, uma imperceptível tanga, um fio dental milimétrico a "proteger" - as aspas são necessárias - as partes pudentas. Não protegia, é claro. Via-se ali, ao vivo naquele princípio de madrugada carnavalesca, a primeira exibição ginecológica da TV brasileira. O útero era focado em close, os ovários sambavam, as trompas mandavam beijos para a câmera. E lembro de Paulo Stein e seu fiel escudeiro Fernando Pamplona, reféns dos próprios hormônios, a balbuciar algo como: "Taí... que maravilha... essa é a mulher brasileira! Manda o replay que eu quero ver de novo!"

Acho que foi no mesmo dia, mas não tenho certeza. Eu pensava que fosse na Beija-Flor, mas, ao buscar a foto aí de cima, descobri que foi na Império Serrano. O ator Jorge Lafond se encontrava no cume de um carro alegórico de uns 68 andares: digo 68 andares, mas talvez fosse mais. Era o próprio Word Trade Center em versão tropical e carnavalesca que atravessava a Sapucaí. E, como era um dia sem nuvens, via-se perfeitamente Jorge Lafond, que estaria como veio ao mundo não fosse a tonelada de purpurina que grudava em seu corpo.

Minto: como você pode observar pela foto, Lafond não estava totalmente nu. Além do coturno de meganha, vestia uma placa de trânsito que cobria sua parafernália genital. Mais que isso: a indicação vetorial da placa sugeria um pipi - digo pipi porque crianças podem achar este blogue no Google - marotamente apontada para o chão. O problema é que, assim como a mulata carnuda e rebolante do parágrafo acima, a placa de trânsito se mexia mais do que deveria quando o ator rebolava, de modo que os maracujás do cidadão ficavam expostos ao léu, para quem, com binóculos, conseguisse enxergar o topo do carro alegórico.

Aí entra em cena Paulo Stein: "Absurdo! Absurdo! Tirem pontos desta escola! Jorge Lafond está pelado! Pelado!"

Cai o pano.

* Foto: Bolha de S. Paulo

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

ADÃO NÃO TINHA COMPLEXO DE ÉDIPO



Minha capacidade de pensar sobre o nada quando sozinho em casa comoveria até um mordomo de filme de terror. Há pouco peguei-me encostado na janela fumando um cigarro existencial - eu que não fumo só trago cigarros que não existem. Eu era naquele momento o próprio canastrão fundamental de filme noir, pecando apenas pela ausência do fog emanando da calçada até minha janela.

Mas não era isso que eu queria dizer. Eis: são nestes momentos de extrema perplexidade quanto a minha capacidade em ser inútil que me permito divagar sobre alguns assuntos recorrentes. Exemplifico: por que o Sean Connery deixou pro imbecil do George Lazenby fazer o 007 à Serviço de Vossa Majestade, o mais importante filme de James Bond? Se fosse o Fernando Henrique a aparecer com uma sunga de crochê na praia, a Vigilância Sanitária continuaria a não fazer nada? Se parasse de beber, eu compraria não só a cama de casal king size como também um apartamento novo?

Mas estas são questões já batidas. Nelas não sentia mais a centelha do desafio. Foi quando ressuscitei uma dos grandes debates dos velhos tempos, sempre travados por mim mesmo, com a janela por testemunha: Eva. Veja bem, eu não disse Adão e Eva. Apenas a Eva. Só a mulher me interessava.

Talvez esteja exagerando. Em verdade era uma questão hormonal esta uma, que me surgiu durante a adolescência: seria Eva uma gostosa?

Pausa para reflexão. Desenvolvi duas vertentes de pensamento a respeito.

A primeira, a qual me considerava um adepto, já foi inclusive tema deste blog (leia aqui). Trata de Eva como a gostosa fundamental. Vejamos: fosse ela um tribufu, um portão do inferno ou o cruzamento de um tatu com um fusca, o inexperiente Adão não sentiria o despertar de seu corpo e continuaria a colher frutos pelos campos do Éden, tal qual um irritante cenário de novela das seis. Deus, sempre na hipótese de que ele exista, teve que caprichar na costela de Adão para que o próprio tivesse que ser útil ao criador e, portanto, perpetuar a espécie.

Porém, digamos que o inexperiente da trama não fosse Adão e sim Deus. É a isso que se apega a segunda vertente: Deus nunca havia concebido uma mulher. E de onde ele vai querer fazer? De uma reles costela. Veja bem, uma costela é um naco de carne e cartilagem abraçado a um osso simplório. Ora, não se faz de mortadela caviar, e Eva devia ter sido o que Machado de Assis singelamente definiu como "um bucho". Era o rascunho elevado à categoria de projeto principal. Eva teria sorte caso contasse com o nariz instalado abaixo dos olhos, e as orelhas no lugar das orelhas, e a boca no lugar da boca.

Veja que esta segunda teoria tem uma cláusula, sem a qual a humanidade fracassaria já em seu ponto de partida: Adão tinha que obrigatoriamente ser priápico, detentor de hormônios de adolescente. Imagine um Adão chochão, meio Panda, ao lado de uma Eva que mais parecia um chupacabra: não rolaria. É por isso que, indubitavelmente, segundo a teoria, Adão era daqueles moleques que misteriosamente acordam suados, com Deus sempre a dizer: "Pelo meu próprio amor, menino, pare de encoxar essa figueira!". Após judiar de suas mãos, das melancias e das cabras, Adão enfim tinha algo para fazer sua lambança, e este algo era Eva.

Saí da janela indeciso, sem resposta a curto prazo. A única certeza foi a de que, não importa no que a gente pensa, sempre acaba pensando em sexo. E Deus viu que era bom, já diriam as Escrituras.

* Charge achada em sites de busca. Não consigo achar a fonte. Estava no blog Vida Noturna , cujo link não abre nem por xamanismo.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

SONHOS

2. Todo o traquejo do homem nacional-socialista



Sonhei na última noite que estava em Rio das Ostras com meu pai. O velho Vives dirigia por uma via paralela à avenida beira-mar. Por uma aberração neuronial inexplicável de minha pessoa, todas as casas das ruas tranversais eram em estilo enxaimel, a arquitetura típica alemã. Foi então que o Papai Vives olhou para o seu filho dentro do carro, a dizer:

- Há uma coisa que você precisa saber sobre essas ruas - parou e limpou um pigarro imaginário - Nem todas essas casas são alemãs. Muitas delas são austríacas.

Levantei uma sobrancelha com ar de interrogação. Nada menos alemão, nada menos frio, nada mais malemolente do que Rio das Ostras. Como se dava aquela aberração enxaimel se dias antes eu passara por lá a constatar as casinhas típicas de beira-mar do litoral fluminense? O pater-família dos Vives prosseguiu:

- Vê esta rua? É alemã. Está vendo aquela outra ali da frente? - apontou para uma via idêntica à anterior, com as mesmas casas, os mesmos números, as mesmas folhas caídas no chão, mas com a única diferença de que contava, por toda sua extensão, com uma faixa pregada nas casas com três listas, vermelha, branca e vermelha, as cores da Áustria. E prosseguiu - Já esta rua é austríaca. A diferença entre a Alemanha e a Áustria é Hitler.

Aí vem a cereja do bolo: na esquina da rua austríaca, ninguém menos que Adolf Hitler aportava o traseiro na sarjeta. Ao ouvir a sentença "a diferença entre a Alemanha e a Áustria e Hitler", o próprio acenou nazisticamente para o nosso carro, esboçando um singelo sorriso. Assustei.

Na quadra seguinte, meu pai repetiu a dose: "Esta rua é alemã. Esta outra é austríaca. A diferença entre a Alemanha e a Áustria é Hitler". E na esquina austríaca seguinte, novamente o Hitler acenava para nós a sorrir o seu sorriso nazista.

Estupefacto, comecei a xingar meu pai por dizer tamanha besteira sem sentido e incomodado com a presença de, não um, mas dois ditadores alemães. E meu pai não me ouvia, me ignorava por completo. Nas esquinas seguintes, mais do mesmo:

- Esta rua é alemã. Esta outra, austríaca. A diferença entre a Alemanha e a Áustria é Hitler - e o próprio acena para nós, sorrindo.

Deu-se então o fenômeno da agulha da vitrola que enrosca no disco: todas as esquinas seguintes se alternavam entre alemãs e austríacas, estas últimas sempre com uma faixa vermelha, branca e vermelha por toda a extensão. E meu pai a repetir "Esta rua é alemã. Esta outra, austriaca. A diferença entre a Alemanha e a Áustria é Hitler", culminando com um Hitler maroto a nos acenar fanfarronicamente.

Irritado com a postura paterna, acordei suando o suor que só se sua em Rio das Ostras - e acabo de criar uma frase de efeito sonoro. Chupa Cruz e Sousa.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

SONHOS

1. A glande final da Terra Santa



Sonhei que estava em misteriosa expedição pela Terra Santa. Veja bem, eu disse expedição, agregada ao adjetivo "misterioso", porque não se tratava de uma reles excursão das Viagens Costa. Disse expedição porque eu andava pelo deserto a caráter, vestido como um expedicionário, um caçador ou, se você preferir torcer até enxugar por completo o glamour da coisa, como um garçom do Outback, com chapeuzinho, meiões até os joelhos e tudo mais. Patético, mas não mais patético que o amigo imaginário que me acompanhava: um sujeito que é a cara daquele australiano caçador de crocodilos que morreu com uma rabada de arraia no peito meses atrás. Pra quem não conhece, um misto de Rick Moranes com Richard Claydermann. Esse sujeito não existe, mas éramos amigos neste sonho, embora eu só o chamasse por "Hey, Mister".

Pois bem, andávamos pelo deserto até avistarmos as Colinas de Golã. No alto de um dos montes, uma elevação. Chamarei de glande, embora o correto seja cume (meu objetivo sempre é chocar os conservadores). Esta glande era feito de areia e tinha a forma de um barco. Eu e o "Hey, Mister" escalamos o monte e tivemos uma desabalada surpresa: a embarcação glandular tinha poltronas feitas também de areia, mais um cyber café no canto. Dentro, uma porção de velhinhos turistas gringos, com seus óculos de sol e câmeras fotográficas, e vários judeus ortodoxos vestidos com aquela roupa preta típica que nos faz suar só de olhar.

Perguntei a alguém (não consigo precisar quem, talvez um dos turistas) o que se passava ali, e tive como resposta

- Esta é a nova Arca de Noé, embora não tenhamos um Noé. Ela vai partir a qualquer momento.

Ri da situação, um barco de areia no topo do Monte Sinai, esses caras só podiam estar de brincadeira.

Sentei em um dos computadores do cyber café e vi a previsão do tempo em um site inglês. Nele, o videozinho apresentava uma moça a dizer algo como: "... e na Terra Santa, previsão de fortes pancadas de chuva a partir do fim de semana, que devem durar mais de 30 dias e 30 noites" (eu sei que o correto é 40, mas estou sendo fiel ao que sonhei). Assustado, olhei para o Hey, Mister e disse: "Rapaz, acho melhor a gente se instalar por aqui, porque tudo indica que o bicho vai pegar".

Aliás, falando em bicho, eu sei que havia uma porção de animais na Arca de Noé, mas nesta só teríamos uma porção de turistas senis e judeus ortodoxos, o que talvez dê a entender que meu inconsciente não acredita no futuro da humanidade.

Meus sonhos costumam dizer que sou um megalomaníaco frustrado, pois sempre há algo de natureza grandiosa que acontece comigo. Este não foi diferente. Ao instalar-me em uma das poltronas de areia, peguei para ler um jornal, vejam só, a Folha de S. Paulo. Dela puxei o suplemento Fovest, que fala de vestibular. Era uma edição especial, um manual do bixo da USP para este ano.

Rápidos parênteses para a vida real: prestei História na Fuvest. Fecha parênteses. Corri ao suplemento para ver se meu nome constava na lista dos aprovados e, o que não foi surpresa, não estava. Porém, qual não foi meu espanto ao ver que uma manchete interna do Fovest constava o seguinte:

"F. VIVES NÃO PASSA NO VESTIBULAR - Nota baixa na 1º fase eliminou chances do jornalista, que reclamou do tema de redação".

Ao lado da manchete, uma foto minha de relance, com semblante frustrado.

Como todo sonho típico, a história não tem desfecho. Lembro só de observar turistas velhinhos em confraternização com judeus ortodoxos e o "Hey, Mister", e mais outros pequenos detalhes sem sentido.

Amanhã pretendo contar o sonho que tive esta noite, em que eu e meu pai percorríamos as ruas de Rio das Ostras enquanto ele me apresentava uma estranha teoria entre a arquitetura local, a Alemanha, a Áustria e Adolf Hitler.