quarta-feira, 29 de novembro de 2006


Eu não vi, mas o aperobado Caio Quero me contou: Ilha das Virgens, cinema brasileiro genuíno dos 70. Jece Valadão, o ator principal, chega em ilha deserta onde há uma quantidade interessantíssima de mulheres nuas ao léu na areia. A câmera fita seus olhos. Ele olha para um lado, olha para o outro, e encara a lente:

- Comerei todas.

----------------------------------------

Calou-se o ícone. Eu e todos os caras durões que ainda resistem à onda emo, ao metrossexualismo e ao São Paulo Futebol Clube campeão do mundo ficamos tristes e quase esboçamos uma lágrima - quase, porque caras durões não choram - com o deslize divino que tirou o ícone-mor de nossa cultivada canastrice masculina.

Jece Valadão remete a tempos gloriosos do cinema. Enquanto ele gigolotava as cachorras aqui na Latin America, Charles Bronson desbravava puteiros em Boca Ratón, o inspetor Beretta mandava a mulher parar de reclamar e esquentar a sopa e, acima de tudo, James Bond dava uns tapas em uma desconhecida de biquini que, ao fim da cena, invariavelmente dizia: "Oh James... I love you". Simples assim.

Eram tempos em que até desenho animado não queria saber dessas frescuras - pega no meu viés educativo e balança, oras. O Coiote enfiava uma espingarda na cara do papa-léguas e atirava, o pica-pau disputava com o jacaré para ver quem era o mais cruel e conseguiria enfiar o outro no forno, o Armando Bogus espancava as crianças de Vila Sésamo e, nos Trapalhões, o Mussum tomava um banho de pinga no domingo à noite após o Didi tirar a peruca do Zacarias e chamá-lo de "rapaz alegre".

Hoje, no cinema, só fuma quem for vilão ou perturbado. Os mocinhos têm o torso depilado e querem atrair as mulheres fazendo beicinho; James Bond se apaixona por suas bond girls, o que já anula metade de sua personalidade; moleques de 1.60 fazem o papel de briguentos, boxeadores ou mafiosos que antes só cabiam aos Robert de Niro da vida. E, acima de tudo, não há um só ator que vai logo tirando a cinta da calça toda vez que avista uma feminista querendo queimar um sutiã.

Getúlio Vargas que me perdoe, mas é Jece Valadão quem sai da vida para entrar na História. Provavelmente está comendo todas as virgens do paraíso e a tomar um whiscão vagabundo com o Charles Bronson nalgum puteiro do Além. Seu legado sobreviverá.

domingo, 26 de novembro de 2006

CAPÍTULO DAS FRUSTRAÇÕES


Falta um mês para o ano terminar e a minha vizinha de 70 anos provavelmente vai alugar meus ouvidos no elevador a dizer coisas como "Nossa, esse ano passou tão rápido...". O fato é que dezembro sempre remete às mesmas coisas: a instituição do chatíssimo amigo secreto, onde você é obrigado a dar uma caixa de bombons praquela pessoa cujo nome não se lembra - você só sabe que ela já deu pro chefe e que tem mau hálito. Tem também as promessas que todo mundo faz pro ano seguinte e que costumam durar até a segunda semana de janeiro. E sempre que tem aquela figura xarope-depressiva que te aluga n´alguma festa de fim de ano dizendo, aos prantos: "Esse ano eu prometo ser feliz". Enfim.

Particularmente o que me tem marcado nos fins de ano é a quantidade exorbitante de dinheiro gasto em bar. Porque sempre tem um amigo que concluiu TCC e chama pra beber. E tem a festa de fim de ano da turma do ginásio, da turma do jardim da infância, da turma do quartel, da turma do primeiro emprego, da turma dos alcoólicos anônimos, etc.

Ano passado eu pretendia aproveitar o 13º para comprar um sofá. Lá pelo dia 20 de dezembro notei que tinha um sincero default orçamentário: 700 reais gastos exclusivamente com bebida, e o mês nem tinha acabado ainda. Em outras palavras: bebi o sofá e, até hoje, um ano depois, uso colchões pra ver TV. Minha irritação com este fato é tamanha que não posso ouvir a palavra "sofá" sem sentir um ligeiro arrepio no fígado, de puro remorso.

Uma coisa é gastar dinheiro com um carro, por exemplo. Porque você gasta uma fábula mas, depois, você pode vendê-lo e recuperar parte dele. Não deixa de ser um investimento. Mas a bebida não: você bebe, paga e foi-se. Só a barriga cresce, exponencialmente, aliás. Sonho com um fundo de recuperação de dinheiro gasto em bar, uma espécie de Manguaça Esperança, onde você passaria um dia todo urinando tudo o que bebeu durante o ano e recuperaria parte do dinheiro investido. Só assim eu teria um sofá - e, diga-se, um senhor sofá, daqueles de cinco lugares em forma de "L" na quina da parede.

Lembro que comecei a beber porque achava legal o James Bond levantando as sobrancelhas cercado de mulheres a pedir um dry martini shaken but not stirren. Mas vou ao bar e normalmente a única coisa em minha volta é o meu office-boy Felipe Corizza, também conhecido pela alcunha de O Pavão Misterioso do Baixo Glicério, completamente mamado tentando passar a mão na minha perna. Eu sempre digo que respeito a opção dele mas que não compactuo com a coisa, o que o deixa completamente depressivo a patolar os garçons. "Não custa nada perguntar", diz ele.

Enfim, eu queria concluir com alguma lição de moral dizendo que não vale a pena beber, e que o bom mesmo é ficar em casa assistindo Emanuelle, a Rainha das Galáxias, lendo Senhor dos Anéis ou dormindo pra acordar cedo e passar a manhã na academia definindo o bíceps. Como diria Hegel: "É bom para o moral".

terça-feira, 21 de novembro de 2006

CINCO FILMES NACIONAIS

Chico Diaz, o Wellington Kannibal de Amarelo Manga

5 - CIDADE DE DEUS (Fernando Meirelles, 2002) - Nada como ir ao Espaço Unibanco e descobrir que os pobres existem. Gonçalves Dias escreveu que nossos bosques têm mais vida e nossas vidas mais amores porque não viu as cáries do Zé Pequeno. Moral para o tucano dos Jardins: "Não nasça preto. Se nascer, não nasça pobre. Se nascer preto e pobre, não diga que me conhece". Todo o resto você já sabe porque já assistiu. Destaque para a trilha que ressuscita Cartola com Preciso me encontrar.



4 - O PAGADOR DE PROMESSAS (Anselmo Duarte, 1962) - A sociedade do espetáculo através da notícia, ou tudo aquilo que o Guy Debord gostaria de dizer se não fosse tão chato. Além disso, apresenta três morais: 1) Não seja católico, 2) Não dê entrevistas e: 3) Nasça rico e compre uma F-1000 ao invés de um burro. Destaque para a riqueza de detalhes que se enlaçam ao enredo principal e que em muito contribuem ao final apoteótico.



3 - AMARELO MANGA (Claudio Assis, 2003) - O ser humano é estômago e sexo. E talvez Nietzsche tivesse razão, embora ele não fosse bom de garfo nem comesse ninguém, paradoxo que possivelmente explica a inviabilidade de tudo que está entre o Genesis e o Apocalipse. Matheus Nachtergaele, Chico Diaz e Jonas Bloch causam pesadelos existenciais; Dira Paes, sonhos eróticos.



2 - QUASE DOIS IRMÃOS (Lúcia Murat, 2005) - O Brasil que ia dar certo e que não deu. 506 anos de História em menos de duas horas. Um petardo na cabeça que causa um coma moral por semanas, meses. Deveria ser obrigatório nas escolas. Tão triste quanto saber que Caco Ciocler, depois deste papel, fez Olga e outros lamentáveis papéis sofríveis em novelas do Manoel Carlos. Destaque para a trilha composta por Naná Vasconcelos.



1 - O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS (Cao Hamburguer, 2006) - Já virou clichê dizer isso, mas é verdade: o mais argentino dos filmes brasileiros. O mundo de uma criança pode e costuma ser rico, o que só efetivamente vem à tona no cinema se ilustrado também de forma rica. Ao mesmo tempo, mostra o Brasil que deu certo (as pessoas) e o Brasil que não deu certo (as pessoas que mandam no país). Como fio da meada, o futebol. Um filme que felizmente gruda em quem o assiste.

terça-feira, 14 de novembro de 2006

FLAMINGOS DE CALÇA JEANS

A Vila Olímpia me fascina. Meu coração tem um orgasmo arterial toda vez que vejo aquelas pessoas glamourosas e seus carrões importados a buzinar para os mendigos saírem da frente com suas carrocinhas de papelão a duas quadras do cheiro esfuziante do Rio Pinheiros. Um "anda logo, porra" não é um simples "anda logo, porra" quando pronunciado na Vila Olímpia de dentro de um Honda Civic.

Pois digo que até os vira-latas da Vila Olímpia teriam um gingado pomposo a la Miami caso houvessem vira-latas naquelas ruas. Já causou-me extrema preocupação quando uma barata atravessou a calçada na minha frente com um remelexo arrebatador, um gingado superior e empolado que só outras baratas da Vila Olímpia podem ter igual. Cito aqui Nelson Rodrigues ao dizer que daquela barata pendia a baba elástica do narcisismo, como se olhasse para mim e dissesse: "Você não é absolutamente nada perto de uma barata da Vila Olímpia". Fui para casa com um rabo existencial entre as pernas, procurando as razões de minha falência enquanto ser vivo.

Mas o que acima de tudo me deixou estupefacto na fauna olimpiana foi, dia desses, ao chegar ao prédio onde trabalho, notar lá de longe que uma porção de flamingos usando calças jeans se apoderavam da fonte luminosa que dá para a calçada. Ao chegar mais perto, notei que os flamingos em calças jeans não eram flamingos e sim modelos. Foi quando descobri que trabalho no mesmo prédio que a Ford Models e que naquele instante estava havendo um peneirão de modelos para a agência. Sim, peneirão, como esses pra jogador de futebol que toda hora ocorrem na Vila Sônia. Só que de meninas de 14 anos de 1.90 de altura e pesando não mais que seus 18 quilos. Tinha uma ali que talvez chegasse a 20 quilos, mas estava meio deslocada da turma, deu para perceber que as demais a olhavam de soslaio como se dissessem "Ah, essa gorda...".
Subitamente me bateu um flashback. A cena congela e no fundo entra uma nova com as bordas clareadas típicas de novela: Jundiaí, anos 80. O menino Vives de mãos dadas com Papai e Mamãe Vives ao redor do lago do clube Caxambu em uma ensolarada manhã de domingo. Papai e Mamãe Vives dão ao pequeno um pacote com miolo de pão para que ele dê aos patos do lago. O pequeno Vives joga os miolos na beira do lago e dezenas de patos vêm felizes a grasnar e comer, a comer e a grasnar. O menino e seus pais ficam felizes, não mais que os gordos e saudáveis patos do clube Caxambu.

Fim do flashback. De volta à cena anterior, um catatônico Vives observa os flamingos em calças jeans ao redor da fonte luminosa. Ele tem um impulso fortíssimo de ir até a padaria mais próxima, na quadra seguinte, comprar um saco de pães para jogar sobre esses mal alimentados e pedantes flamingos gigantes, e depois ligar para seus pais a dizer "Pai, mãe, estou alimentando flamingos cadavéricos na Vila Olímpia, eis minha boa ação do dia".

Mas a vida não é doce nem bucólica. Saí do transe, observei mais uma vez aquela paisagem bulímica e resolvi ir trabalhar, lembrando de uma famosa chanchada dos anos 50 em que o Oscarito olhava aos céus e dizia: "Obrigado, ó Pai, pelo otários do mundo, que fazem minha alegria de viver".

segunda-feira, 6 de novembro de 2006

PRESENÇA DE SADDAM

Saddam Hussein matou criancinhas, sodomizou velhinhas, fez o diabo com os curdos e agora vai para a forca. É claro que George W.C. Bush fez o mesmo, mas, como diria a Fox News e a Veja, são detalhes tão pequenos entre eles dois, coisas tão pequenas que devemos esquecer. Já que ele está com os dias contados, reservo-me o direito de fazer-lhe uma homenagem mostrando ao distinto leitor que o ex-ditador também tem o seu lado elegante. Foram inúmeras aparições em público em que Saddam estava lá todo estiloso e retrossexual que já o tenho na conta de grande ícone fashion dos que nunca se preocuparam com os ícones fashion. Agora dê licença que eu vou exemplificar:
FIM DE EXPEDIENTE - Caras durões como o Saddam gostam de sair do trabalho e chegar no bar com o colarinho aberto, sem gravata, barba mal feita e apontado o dedo para as pessoas. A foto em questão é do julgamento e provavelmente representa Saddam dizendo ao juiz algo do tipo "Estivéssemos no bar do Munir lá em Falluja e juro que te quebrava a garrafa de whisky na cabeça e ainda comia a garçonete". Nota 7, diminuída pelo lamentável Grecin 2000 no cabelo.

EU QUERO UM CONHAQUE E O SEU SORRISO - Aqui, no melhor estilo Charles Bronson a chegar num daqueles puteiros de beira de estrada e pedindo uma dose pro garçom. A ausência da gravata novamente dá um ar informal que, aliada ao tom feroz com que se manifesta e o livro embaixo do braço, flerta com o tipo do esquerdista Jack Daniel´s que prega a revolução comunista num bar da Vila Madalena. Nota 9 pela expressividade.



RETRÔ - Aqui no melhor estilo John Scatman (na foto da direita), aquele cantor de músicas dance que embaralhavam o beiço nos anos 90. O detalhe testosterônico da figura é o fato de Saddam estar acionando o rifle com uma mão só, o que equivale a tomar dez doses de Cynar e permanecer de pé. Coisa de machão mesmo. Nota 9,5 pelo saudosismo de Scatman. Pa po pê paparapapapá parapipá po pê po parapipá po pê po parapa pá pá pá....
LUIZ MIGUEL DAS ARÁBIAS - Provavelmente as mulheres com 60 anos que lerem isso - certamente nenhuma - vão se apaixonar por esta foto, típica de capas de disco de boleristas latinos galãs. Se Saddam lançar um disco antes da forca, poderia usar essa foto, que já vem com espaço ao lado para inscrições com letra corrida em dourado com dizeres como "Hussein: un toque de amor", "Mil e una noches com Saddam Hussein" ou "Saddam: emociones". No fundo ele só quer transmitir que caras durões como ele também são sensíveis. Nota 9,5 porque me comoveu.

O DINHEIRO ESTÁ EMBAIXO DO FILTRO, SUA VADIA - Caras durões como Saddam não usam essas cuecas moderninhas e apertadas que ficam querendo entrar onde não devem. Caras durões também passam a noite com uma mulher que conheceu no bar e saem sem dizer nada pela manhã, fechando a porta do quarto para se vestir e se trocando na sala - vai que ela acorda e pede o telefone ou um beijo de despedida. Nota 10 pela filosofia de vida.

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

A MINHA PARTE DO HALLOWEEN EU QUERO EM PINGA

Guloseimas ou travessuras?


A hipótese de crianças gordinhas pedindo docinhos na minha porta todo dia 31 de outubro já seria motivo suficiente para comemorar não ter nascido nos Estados Unidos. "Guloseimas ou travessuras" é a frase mais estúpida que a humanidade já cunhou depois de "O Geraldo sem dúvida era a melhor opção", "Irã, Iraque e Coréia do Norte fazem parte do Eixo do Mal" e "Prometo colocar só a cabecinha". Infelizmente, o que há 15 anos era exclusividade de escolas de inglês das mais chatas virou parte do calendário brasileiro. Hoje fui trabalhar e a secretária gostosa estava vestida de vampira (espero sinceramente que no carnaval ela venha de cabrocha). Sem contar as inúmeras aranhinhas de brinquedo que forravam a redação.

Pois bem, reza a lenda que os Estados Unidos são detentores de uma cultura popular que tem par somente na brasileira. O problema é que, em termos de folclore do Tio Sam, o que me vêm à cabeça é essa coisa aborrecedora que convencionou-se chamar de Halloween, e aquele estranho hábito de vestir um capuz branco e pendurar uma cruz em chamas no quintal de uma família de negros. Creio que até o chupacabra, esse simpático exemplar do folclore popularesco tupiniquim, é mais saudável que os exemplos acima. Tem também aqueles caras que usam umas calças tão apertadas que devem ocasionar assaduras, e que ficam dançando música country com passinhos ridículos e segurando o chapéu.

Em verdade, prefiro entender a "riqueza da cultura popular" dos States como um fenômeno particular da música dos caras. Porque de música eles entendem pacas, quase tanto quanto a gente. Agora, se um dia vier um vizinho bater na minha porta no dia 31 de outubro perguntando por "guloseimas ou travessuras", juro que dou-lhe uma traulitada nos cornos tamanha que o cidadão vai bater na porta do próximo vizinho perguntando por "band-aid ou dorflex". A minha parte do Halloween eu quero em pinga.