terça-feira, 28 de dezembro de 2004

ENQUANTO ISSO, NA SALA DE JUSTIÇA...

Jundiaí, 28 de dezembro de 2004. Manchete do Jornal da Cidade:


COXINHA MANDA CRIANÇAS PARA O HOSPITAL

As pessoas precisam ficar atentas ao que comem na rua. No final de semana, crianças que comeram coxinha de uma pastelaria tiveram de ser internadas.

Lar, doce lar.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2004

O INTERIORANO SÓ É SOLIDÁRIO NO ÓCIO

Não sei. Não lembro. Provavelmente estava de porre prolongado. Responda rápido: o que você estava fazendo nos cinco dias que separam o almoço de Natal da noite do Reveillon em outros anos? Achei que fosse só comigo, mas ao interpelar segundos, terceiros e quartos, a resposta não é diferente de "não sei", "não me lembro" ou "provavelmente estava de porre prolongado". Mesmo quando na praia, não consigo lembrar do que fazia, além de estar queimando essa cútis sensível sob o sol de Santos ou Itanhaém.


O fato é que estou nesse período inútil do ano sob júdice de meu ócio não criativo, me recuperando dos tufões de dezembro na capital e tentando por um fim no atual tufão da província. Eu devia era ser o moço do tempo. Mas o fato é que não tenho um puto no bolso e fico em casa inventando o que fazer. Pensei em jogar botão contra minha consciência: eu em frente ao espelho. Tête-a-tête. Mas temo que uma das partes roubasse descaradamente. Enxuguei a louça e lavei o carro. Meu pai tá me achando estranho. Eu também. Ontem, me peguei assistindo Pânico na TV, com o Inri Cristo na Noites do Terror do Playcenter. E adorei.

É então que proponho-me um desafio: ler um livro de Paulo Coelho. É isso. Ao terminar esse post, desço a escadaria desse Gabinete de Leitura, vou até a biblioteca e escolho o menor livro de Paulo Coelho que estiver disponível. Darei um desconto ao mago da barbicha: até o final do livro, não o chamarei de Pauno Coelho, nem seu livro de Diário de Um Bago e não duvidarei de sua masculinidade. Também vou fazer de conta que nunca ouvi falar dele. É como se pegasse o livro de um autor desconhecido. Come on, vamos considerar que algo de bom ele tenha feito. É o mesmo sujeito que ajudou Raul Seixas a compor Gità, uma das músicas mais bonitas que conheço.

Se gostar, digo com toda a sinceridade que gostei. Se for ruim, digo que é ruim, volto a chamá-lo de Pauno Coelho, a duvidar de sua masculinidade e bola pra frente. Por que estou fazendo isso? Primeiro, como falei, porque estou cansado dessa modorra e torcendo para que um maremoto ocorra no rio Jundiaí-Mirim e devaste essa cidade. Enquanto isso não ocorre, testo o Paul Bunny. Segundo, porque gosto de aparecer. Quando algum idiota me vir falando de Paulo Coelho e bradar: "Mas aposto que você nunca leu um livro dele", respondo: "Li sim", e sorrio um sorriso de satisfação, só porque gosto de aparecer. Sou o mesmo sujeito que há muito tempo atrás roubou um pote de mercúrio-cromo do banheiro da casa de um amigo meu, passou pela perna e saiu gritando dizendo que estava sangrando. A mãe dele, deselegante, me disse: "Fernando, deveriam mudar seu nome para Aparecido". Enfim.

Desse modo, daqui a alguns anos, vou ter como me lembrar do que eu fiz nos cinco dias inúteis que, em 2004, como em todos os anos, separam o almoço de Natal da noite do Reveillon. Agora chega de escrever. Já não lembro pronde mesmo que vou, mas vou até o fim.

sábado, 25 de dezembro de 2004

"Toda minha vida andei sobre uma frágil ponte feita de medo, falta de dinheiro, culpa e busca do amor. Quando tudo vai indo muito bem, faz-se uma cagada. Eu me sentia culpado por não amar Milena, por não sentir esta dor maldita que faz com que você queira estar vinte e quatro horas por um dia com uma mulher. E quando isso acontece, ambos tentam fazer a vida do ser amado a mais miserável possível. Tenho certeza de que se eu tivesse dado chance ao amor, ele acabaria vindo de modo discreto, sereno, elegante como um analgésico na veia e não como uma overdose de heroína, que acaba sempre confundindo o amor com desejo de morte. Quem tem medo, quem tem culpa, faz cagada. Entrei numa sucessão delas".


---------------------------------------------------------------------------


Fausto Wolff, À Mão Esquerda.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2004

QUEM É MESMO ESSA TAL DE MARY CHRISTMAS?

Reza a lenda que Papai Noel pousou seu trenó no Aeroporto Internacional de Mogadíscio, na Somália, e já foi logo cercado por dúzias de meninos somális que gritavam "êêêê... vamos ganhar presentes!!!!!!!". Mas Papai Noel já foi logo afastando o saco, e sentenciou:

- Nada disso. Quem não comeu direitinho durante o ano não ganha presente.

Feliz Natal.

terça-feira, 21 de dezembro de 2004

CUNHANDO EPÍTETOS

Certo dia, ao ler as ofensas que Felipe Corizza (um sujeito que insiste em raciocinar com os intestinos) me dirigia em seu gueto virtual, pensei: "Preciso cunhar-lhe um epíteto". Imediatamente, caí-me em verborrágica repetição: "Cunhar-lhe um epíteto". Quanta sonoridade! Minha língua atingiu a quarta dimensão dobrando-se plasticamente para pronunciar: "Cunhar-lhe um epíteto". Do ponto de vista técnico, isso nada mais significa que inventar um apelido para um sujeito cujo sobrenome já é por si só uma bazófia. Mas resolvi pensar exclusivamente com os ouvidos, repetir a expressão e viajar. "Cunhar-lhe um epíteto". Pode significar qualquer coisa. Imagino Felipe Corizza dando pulinhos floresta adentro, tal qual um flautista de Hammerlin, à cunhar epítetos. Mais: me ocorre uma desagradável cena em que o dito cujo está vestido de Papai Noel, com suas renas de narizes vermelhos - pelo vício da bebida -, aterrissando tropegamente entre as criancinhas pobres do Glicério. E as criancinhas, felizes: "Papai Corizza, o senhor veio aqui para nos dar presentes?". "Não, toupeiras, vim aqui para cunhar epítetos".

É quando fecho a página 237 do livro O Cunhador nos Campos de Epítetos, obra desconhecida de J.D. Salinger, e apanho no criado-mudo próximo uma edição sem capa e mofada de Chapeuzinho Vermelho. Nela, o diálogo:

- Vovó Corizza, que dentes grandes a senhora tem? - pergunta Chapeuzinho.

- É para cunhar seus epítetos melhor - , ouve da Vovó Corizza a pobre menina, antes de ir parar no estômago dela.

Dias depois, em uma certa manhã, ao acordar de sonhos intranqüilos, Felipe Corizza encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. O estágio no Cidade Alerta contaminara sua personalidade. Ele tentava se mover, mas a falta de habilidade com as seis pernas fazia dele um sujeito infeliz. Era a maldição do bispo, que pagava seu salário mixuruca e o obrigava a entregar o jornal no horário. E para se ver livre da maldição, somente o beijo resplandecente de um príncipe encantado. Pobre Felipe.

Foi quando Corizza, ainda lutando para se equilibrar nas seis pernas, avistou ao longe o homem que o destino lhe reservara. Chamava-se Boris e era chefe na mesma firma onde ele estagiava. Entradas elegantes na testa, cabelos brancos apartados para trás, terno cor-de-burro-quando-foge. Boris lhe deu um ligeiro aceno. Corizza devolveu abanando as anteninhas. "Por que não nos vemos essa noite? Um chopinho e, quem sabe, depois cunhamos alguns epitetozinhos carinhosos". Ambos se encontraram na bodega Baço Verde, na rua Aurora. Foi lá que a dupla de enamorados fez do karaokê um ninho de amor, duas mãos e seis patas entrelaçadas, ao som agudo de Strangers in the Night vindo de suas gargantas.

Horas depois, no Hotel-Ritz-Agora-com-TV-a-Cores, epítetos seriam cunhados e Felipe Corizza encontraria, finalmente, sua paz. E o mundo compreendeu, e o dia amanheceu em paz.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2004

FAUSTO WOLFF, SEMPRE ELE

"Como disse o rei, o pior já passou. Quem passou pelo pior passará pelo horrível e pelo insuportável tranqüilamente."

segunda-feira, 13 de dezembro de 2004

AS MELHORES RESPOSTAS PARA AS PIORES PERGUNTAS (ou tudo o que você queria saber sobre F. Vives e nunca mais vai ter coragem de perguntar)

Pergunta: Como você é grande! Sua mãe dava fermento pra você quando era pequeno? Hahaha!
R: Na verdade eu nasci em Chernobyl. Eu era uma criança normal até aquele fatídico abril de 1985. Eu brincava no reator 4 da usina quando avistei um botão com os dizeres "не выдвиньте это" (não aperte isso). Só que eu nunca falei russo e apertei. Aí saiu um pozinho verde do reator e eu nunca mais parei de crescer.

Pergunta: Tanto tempo assim internado? Mas como você machucou seu joelho?
R: Foi na Guerra do Vietnã. Eu e os rapazes subíamos o delta do rio Mekong quando fomos surpreendidos por um grupelho de charlies mother fuckers. Tomei um tiro de UZI no joelho esquerdo que me rompeu o ligamento cruzado anterior. Passei um mês internado na Santa Casa de Hanói até ser transferido para a Beneficência Portuguesa, ali pertinho da 23 de maio.

Pergunta (no elevador): Tá calor hoje, não?
R: É verdade. Isso é ruim. Na última vez que fez tanto calor assim, os ratos começaram a sair da caixa d´água do prédio e invadir os apartamentos. Eu mesmo fui mordido três vezes ao tentar expulsar uma família inteira que tomou conta do meu bidê.

Pergunta: Mas então você é o caçula dos quatro irmãos? Aposto que é o mais mimadinho, não é? Hahaha!
R: Na verdade não. Eu fui adotado. Meu pai me achou numa lata de lixo lá no Glicério. Me levou pra casa dele, onde eu recebia comida em troca de trabalhos forçados. Não que me importasse em receber a comida por debaixo da porta do porão no fim da noite, mas é que os cachorros estavam em maioria e acabavam comendo a maior parte.

Pergunta: É verdade que a Cásper Líbero é uma grande faculdade de Comunicação Social?
R: Mas é claro, por que a dúvida? Inclusive quando eu comprar um buldogão velho, faço questão que ele seja adestrado por certos profissionais da casa.

sábado, 11 de dezembro de 2004

MATEM O CANTOR E CHAMEM O GARÇOM

Em tempos de crise, qualquer idiota se transforma em um filósofo em potencial. É o que eu chamo de O Enigma Rasputin. Qualquer frase de efeito vira um dogma de cabeceira, qualquer fato similar que tenha acontecido à vizinha da prima da cunhada torna-se o exemplo a ser seguido, a luz no fim do túnel. O leiteiro vira Confúcio. O Confúcio vira leiteiro.


Em tempos de crise, qualquer factóide fora de seu contexto faz terceiros beijarem a lona do inferno. Napoleões de hospício são acusados de invadir a Prússia; Pastores-alemães são apontados na rua como colaboracionistas; Qualquer barba-bífida morenão é fichado como taleban. A rede de informação e contra-informação se instala. Fatos são mudados. Conclusões precipitadas são tomadas. Reputações são jogadas no lixo. Decapitem o czar! Castrem o tirano! Joguem bosta na Geni!


E como é típico de crises, cachorros mordem o próprio rabo até descobrir que o gato já sumiu faz tempo. Ninguém é de ninguém. Eis que em determinado momento, entre tapas, mordidas e arranhões, um olha pra cara de outro e pergunta: "Mas por que diabos a gente começou isso mesmo?". Então tome pés espalhando a pólvora do rastilho, Napoleões de hospício trazendo baldes d´água e brincando de bombeiro, sorrisos nervosos, lágrimas de alívio, tenores cantando Amigos para Siempre e e incômoda sensação de que tudo poderia ter sido evitado. "Vão-se os anéis, ficam os dedos", já diria a vizinha de Nelson Rodrigues, gorda, patusca e cheia de varizes.

Logo, matem esse maldito cantor desafinado e chamem o garçom. Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas sempre aprendendo a jogar.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2004

O LEGADO DE NOSSA MISÉRIA

Dulce Emma Monello Vives não foi uma pessoa feliz. Aos 16 anos de idade, após dar a luz ao segundo filho, Dulce deixou seu marido porque não queria uma vida em família. Entregou seus meninos para a avó deles e saiu pela cidade a se divertir. De longe a mais mimada entre três filhos, Dulce gastava o que não tinha com o aval do pai. Seu irmão era introvertido; sua irmã mais velha tinha um problema sério de joanetes nos pés que fez dela inválida antes dos 30 anos de idade.


Em algum momento dos anos 40, quando seus dois filhos começavam a se aventurar no léxico, Dulce os proibiu de chamá-la de Mãe. Afinal, ela era muito jovem para isso, e talvez esse fato afugentasse os namorados. O fato é que os dois meninos cresceram chamando-a simplesmente de Dulce enquanto moravam com a avó, longe da casa da mãe.


Dulce, que não era feia nem bonita, exorbitava-se. Cria ela ser dotada de uma beleza transcendental, divina. Gabava-se de suas pernas. Chegou a dizer inúmeras vezes para sua irmã inválida que ela, por ter os pés inchados e tortos, invejava suas pernas inquietantes. Vivia de amores efêmeros e maquiagem barata, não trabalhava e montou uma pequena pensão com a herança do pai. Perdeu tudo em pouco tempo. E assim cumpria seu destino vazio, sem comos, ondes ou por quês.


Dulce, cujo nome sugere doçura mas que nesse caso não passou de ironia do destino, nunca fez questão de saber das atividades dos filhos. Foi surpreendida quando o primeiro casou, da mesma forma que o foi quando ele morreu em 1978, vítima de complicações advindas da bebida. Quando soube da morte de seu primogênito, teve um surto. O vazio de não ter acompanhado o ciclo de uma vida que ela criou bateu fundo em sua alma.


Quanto ao caçula, talvez nem lembrasse que ele existisse. Em 1969, ele anunciou a todos que se casaria com uma paulistana sorridente e corada. Dulce emitiu um rugido de desdém. Era um sinal de que a velhice lhe batia à porta. Ela odiava a velhice. Não foi ao casamento dos dois e desdenhou de cada um dos quatro netos que iam nascendo daquela bem sucedida relação. Xingava constantemente a nora, talvez porque ela transmitia felicidade ao homem que ela negou que a chamasse de mãe. Fez sua nora chorar incontáveis vezes. Há dez anos não vê os netos.


Dulce não teve amigos. Chutou a família. Esnobou namorados com a mesma intensidade com que foi esnobada por outros amores. Passou a viver de uma mísera pensão do ex-marido (de quem nunca se divorciara oficialmente) e da ajuda do caçula, que lhe paga o convênio médico, comida e, agora, o asilo de qualidade em que está internada. Até há bem pouco tempo ela passava seus dias pregando que teve uma vida horrível. Dulce está completamente fora de sintonia com a realidade e desenvolveu o Mal de Alzheimer. Não sai mais da cama. Suas pernas outrora auto-cultuadas estão com as veias entupidas, e a trombose avança enquanto sua irmã inválida continua de pé. Sua nora, a quem odiava, é a pessoa que hoje lhe dá compreensão e comida na boca.


Dulce Emma Monello Vives morrerá em semanas, e seu neto caçula, que agora escreve esse epílogo, não consegue se lembrar de um mísero momento feliz que tenha passado ao lado da avó.

sábado, 4 de dezembro de 2004

HASTA LUEGO, PROFESSOR GIRAFALEZ

Comecei minha vida escolar aos 6 anos de idade. Afasto de mim esse cálice 18 anos depois. Mas um dia hei de voltar.


O Assassino era o Escriba

Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente. Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida regular como um paradigma da 1a conjugação. Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial, ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito assindético de nos torturar com um aposto. Casou com uma regência. Foi feliz. Era possessivo como um pronome. E ela era bitransitiva. Tentou ir para os EUA. Não deu. Acharam um artigo indefinido em sua bagagem. A interjeição do bigode declinava partículas expletivas, conectivos e agentes da passiva, o tempo todo. Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.

(Paulo Leminski)

A Tragédia da Matemática


Num certo livro de matemática, um quociente apaixonou-se por uma incógnita. Ele, o quociente, produto notável de uma família importantíssima de polinômios. Ela, uma simples incógnita, de mesquinha equação literal. Oh, que tremenda desigualdade. Mas como todos sabem, o amor não tem limites e vai do mais infinito até o menos infinito. Apaixonado, o quociente a olhou do vértice à base, sob todos os ângulos, agudos e obtusos. Era linda, uma figura ímpar e punha-se em evidência: olhar rombóide, boca trapezóide, seios esféricos num corpo cilíndrico de linhas senoidais. "Quem és tu?", perguntou o quociente com olhar radical. "Sou a raiz quadrada da soma dos quadrados dos catetos. Mas pode me chamar de hipotenusa" respondeu ela com uma expressão algébrica de quem ama. Ele fez de sua vida uma paralela à dela, até que se encontraram no infinito. E se amaram ao quadrado da velocidade da luz, traçando ao sabor do momento e da paixão, retas e curvas no jardim da quarta dimensão. Ele a amava e a recíproca era verdadeira. Adoravam-se nas mesmas razões e proporções no intervalo aberto da vida.


Três quadrantes depois resolveram se casar. Traçaram planos para o futuro e todos desejaram a felicidade integral. Os padrinhos foram o vetor e a bissetriz. Tudo estava nos eixos. O amor crescia em progressão geométrica. Quando ela estava em suas coordenadas positivas, tiveram um par: o menino, em homenagem ao padrinho, chamaram de versor; a menina, uma linda abscissa. Ela sofreu duas operações.

Eram felizes até que, um dia, tudo se tornou uma constante. Foi aí que surgiu um outro, sim, um outro. O máximo divisor comum, um freqüentador de círculos viciosos. O mínimo que o máximo ofereceu foi uma grandeza absoluta. Ela sentiu-se imprópria, mas amava o máximo. Sabedor desta regra de três, o quociente chamou-a de fração ordinária. Sentindo-se um denominador comum, resolveu aplicar a solução trivial: um ponto de descontinuidade na vida deles. Quando os dois amantes estavam em colóquio, ele em termos menores e ela de combinação linear, chegou o quociente e num giro determinante disparou o seu 45. Ela foi para o espaço imaginário e ele foi parar num intervalo fechado, onde a luz solar se via através de pequenas malhas quadráticas.

(Millor Fernandes)

quinta-feira, 2 de dezembro de 2004

VOCÊ DÁ PRA QUALQUER UM, MALDITA GENI

Smartville, Wyoming State, esta manhã. Um grupelho de pessoas se aglomerava na banca da Angelica Avenue (lê-se enjilica évenuí) com a Clays Lane (tecla SAP: Alameda Barros). "Um Ratinho da vida morreu ou aí tem mulé pelada dando autógrafo em Playboy", pensou um sujeito grande que se aproximava do local.

Mas não. Era a capa da Caras que chamava a atenção. Nela, uma mulher chamada Luma de (sobrenome) ao lado de seu novo namorado, um meganha. Caso você seja estrangeiro ou o Kaspar Hausen, te explico quem é a tal Luma de (sobrenome): trata-se de uma mulher cuja carteira de trabalho (se é que tem uma) está escrito "Profissão: Luma de (sobrenome)". Pois é. Ela não faz outro coisa da vida que não ser Luma de (sobrenome). E justamente por isso ela é figurinha tarimbada nas capas de revista. Imagino um fechamento pouco empolgante na Revista Flash. O diretor de redação Amaury Júnior, filho do famoso Amaury Sênior, está decepcionado com a matéria de capa, que caiu. Então ele grita pro estagiário:

- Ô muleque, liga pra Luma de (sobrenome) e diz que ela é bonita, aí ela vai soltar alguma bobagem. Depois dá pra mim o resultado que eu boto na capa.

Agora vamos fazer um exercício mental primário e tentar saber o que se passa na cabeça de nossa anti-heroína. Tire todos os pensamentos sobre cosméticos e plásticas. Não sobra muito, eu sei, mas vamos tentar:

LUMA DE (sobrenome) PENSANDO: Meu Deus... já fazem 6 horas que a RedeTV! não cita meu nome.... ai, eu preciso estar fazendo alguma coisa... já sei, vou fazer as unhas! É isso. Mas peraí... eu já fiz hoje de manhã e depois do almoço. Já sei, vou arrumar um namorado! É isso, um namorado! A mídia é MINHA NOVAMENTE!!! MINHA!!!!

Agora preste atenção na estrutura que Luma de (sobrenome) utiliza para arranjar um namorado. Primeiro foi um bombeiro. Agora um policial. A seqüência lógica é que o próximo seja um cara do resgate. No princípio ela discou 192. Agora discou 190. O próximo, com certeza, é o 194. O próximo passo é tentar os 0800 da vida. E então haverá o dia que o seguinte diálogo ocorrerá:

- Pizzaria, boa noite?

- Boa noite, aqui é a Luma de (sobrenome)!

- Pois não, Dona Luma de (sobrenome), o que vai pedir?

- Eu quero uma de pepperone e um entregador bem bonitão. Mas diga pra ele ligar pra imprensa e só chegar junto com ela, senão não tem gorjeta!