terça-feira, 8 de abril de 2008

A FÁBULA DA PLANTAÇÃO DE OVOS FRITOS


Flagrante da chegada de Padre Hernandez Vives na América Central (Óleo de Rugendas)

Foi no tempo da Inquisição. Ele era um homem bom e desceu da caravela fazendo o sinal da cruz, beijando o chão do novo mundo e xingando o maldito serviço de bordo, que passou os 45 dias da viagem servindo pão com picles para a rapaziada. Chamava-se Hernandez Vives, era da Companhia das Índias Ocidentais de Leão e Castela e, como já foi dito, era um homem bom. Tratou de colocar em prática sua bondade assim que chegou em terras guatemaltecas: abençoou os indígenas dóceis, fez amor com as indígenas meigas e mandou queimar quem duvidou que sua bondade fosse tão boa assim. Além disso, proibiu o picles por toda a América Espanhola.

Antes de entrar nos impressionantes fatos ocorridos neste cenário tropical, convém refrescar as sinapses do ilustre leitor com o contexto histórico. Guatemala, à época, era divida entre dois povos: os guatemos, índios guerreadores e arredios, e os malas, pacatos que eram vítimas de bullying dos primeiros. A guerra entre ambos se dava há muitas gerações: os malas ganhavam todas as competições de matemática existentes no continente. Em retaliação, os guatemos formavam catapultas de bolinhas de papel gigantes e destruíam as aldeias rivais. Foi em meio a esta guerra descabida que o Padre Hernandez Vives desceu em Guatemala e avistou um cenário de fome desoladora.

Certa manhã, depois de acordar e fazer suas abluções matinais, Padre Vives rezava quando foi tomado por um flash, um esboço de raio cósmico, uma espécie de luz divina. Foi tudo muito rápido. Logo a seguir, como se guardasse consigo esta idéia há tempos, saiu ele a procura de um ovo. Sim, um simples ovo. Ninguém entendeu bulhufas. Na cestinha em forma de galináceo em cima da geladeira não encontrou nada. No quintal, após chacoalhar insistentemente três galinhas, finalmente o padre castelhano conseguiu tirar delas um suado ovo. Cavou um espaço em meio às bromélias no jardinzinho e lá plantou o dito cujo. Todos os dias, ao acordar a ao pôr-do-sol, Padre Hernandez Vives religiosamente regava o seu xodó.

Duas semanas depois, para surpresa de todos que riam de sua excentricidade, uma reluzente planta tomava forma no quintal. E, no despertar da primavera, as folhas da tal planta se encorparam e deram vazão a um esplendoroso ovo frito. Ao ver tamanha benção, tanto os guatemos quanto os malas deixaram de adorar o deus sol e a deusa lua para adorar o deus ovo frito e seu legítimo representante na Terra, Padre Hernandez Vives.

Plantar ovos se transformou na grande coqueluche da época. Ao ver os povos outrora inimigos unificados contra a fome, Padre Vives se reuniu com os líderes tribais e declarou a frase que até hoje consta no hino nacional da Guatemala:

- Onde houver a clara, que eu leve a gema (em espanhol: Donde estará el blanco del huevo que ei de tomar la yema), declarando unificado o país.

Mas nem tudo era festa na Guatemala. Uma parcela considerável da população não gostou nada da plantação de ovos fritos: os galináceos. Outrora adoradas e bem mantidas, as galinhas passaram a migrar sem trabalho para as periferias. Mais que isso: todo sábado era uma carnificina, uma vez que muitas donas de casa matavam esses bichos para a galinhada em família no domingo.

As insatisfeitas aves trataram de mexer os pauzinhos para um contra-ataque na mídia local. O líder do motim foi um dono de granja que já havia sido muito influente no passado: o Senador Dom Álvaro Diaz.

Aproveitando-se de seus contatos na imprensa guatemalteca, Dom Álvaro Diaz divulgou um suposto dossiê onde se dizia que Padre Hernandez Vives sabia dos perigos do colesterol na dieta baseada em ovos fritos, mas que não os divulgava, e que isso era parte de um plano maior de aniquilação da população guatemalteca.

Em meio a esta nova tensão, para a sorte das galinhas e do senador, um surto de salmonela assustou o país. E, por fim, um grupo de vegetarianos vegans resolveu protestar contra o consumo do ovo. Atiraram exemplares da iguaria em Padre Hernandez durante uma festa de gala e distribuíram gemadas com ovos de soja para os transeuntes que passavam na frente da casa do castelhano. Virou moda.

A revolta política e gastronomicamente correta gerou uma tensão fortíssima no país, culminando na expulsão de Padre Hernandez Vives do território. Forte, corajoso e modesto, Vives não aceitou as condições e por lá permaneceu, até ser executado com uma melancia na cabeça por vegans enquanto regava seus pezinhos de ovos fritos no quintal onde o primeiro deles foi plantado.

Hoje, tudo que remete a Padre Hermandez Vives é tabu na América Central. O único resquício desta história é a famosa galinhada a la Hernandez Vives (a base de ovos, alecrim e azeite), muito apreciada nos principais restaurantes de Champerico, Puerto Quetzal e outras cidades do litoral guatemalteco, facilmente encontrável por não mais que 8 reais.


Moral da Fábula: ao plantar ovos, procure fazê-los com ovinhos de codorna, compactos e muito mais nutritivos.

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