domingo, 29 de outubro de 2006

PARTICIPAÇÃO ESPECIAL

Matheus Zangari Pichonelli é uma figura ímpar. Olhando para aquele moleque com cara de coitado com um santinho no pescoço, você jamais diria que ele já se safou de quatro sífilis e que não consegue dizer três frases sem acrescentar gratuitamente a palavra "rola" no meio de cada sentença. Não rola de rolar. Rola de pipi mesmo.

Pois bem, Matheus é um referencial que tenho em muitas coisas: literatura, política, futebol, amizade e tudo mais (ele é fã de Belchior, Legião Urbana e Engenheiros do Havaí, mas essa parte eu relevo). No primeiro turno, ele escreveu um texto que considero definitivo para as eleições deste ano, por mais que eu tenha definido votar no Lula às vésperas do pleito. Eu já falei demais no primeiro turno sobre o que achava das opções vigentes. Agora, nesta segunda e última etapa, publico aqui esse texto feito por ele, que já havia me mandado por e-mail, e que agora está em seu próprio blog.

Eis:

Confissão

"Durante algum tempo, relutei em tomar posição. Mas, se algo de interessante foi proporcionado nestes dias com a ida dos candidatos à Presidência da República para o segundo turno foi o acirramento e, consequentemente, a necessidade de se assumir posturas. Voto em Luiz Inácio Lula da Silva, com restrições. Passou longe de liderar o governo que dele se esperava, mas o asco que a sociedade, especialmente a paulista, guarda por ele é inaceitável. Faz lembrar o que foi o macarthismo nos EUA. Não foi um grande governo, poderia ser melhor. Mas não vou aceitar o discurso de um partido que se declara detentor dos votos ilustrados, enquanto o adversário se apóia na ignorância de um povo cego e com moedas na mão. Isso não é verdade.

Acho que houve avanços nestes anos. Desconfio que foram obscurecidos por retrocessos que, inegavelmente, ocorreram. Dizer que Bolsa Família é esmola só funciona pra quem nunca precisou.

O que foi Alckmin para São Paulo? Ele mente quando diz ter limpado as contas do Estado. Deixou um rombo de R$ 1,2 bi e, se não é fosse o Serra (que, restrições à parte, tem um abismo de distância em relação a ele), conseguiria levar até o fim a privatização de 20% das ações da Nossa Caixa (outros 29% o seu Geraldo já fez o favor de dar, a preço de banana, a um grupo espanhol).

Tem um grupo de aloprados, realmente, que chegou a Brasília em 2002. Atuou como se ainda estivesse no comando do sindicato. Mas os ministérios, como estão montados hoje, sem Dirceu e companhia, me deixam com esperanças de que esse pode ser um governo melhor. Dilma Roussef, Fernando Haddad, Guido Mantega são pessoas sérias e têm um projeto encaminhado.

Mais. Passei três anos sem que alguém sugerisse vender a Petrobras, a CEF, Banco do Brasil etc. Ninguém precisou vender nada para pagar dívida. Aliás, a relação dívida/PIB melhorou. O brasileiro come melhor. A renda aumentou. Muitos deixaram a pobreza e foram para a classe C. Gente que nunca pôde estudar hoje está na faculdade. Tem programa Brasil Sorridente e Luz para Todos que mudaram a vida de muita gente. O acesso ao crédito também hoje é mais fácil. Por onde Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) passou, aumentou o comércio com o Brasil. A Polícia Federal desmembrou dezenas de quadrilhas sem precisar dar um tiro.
Lula errou ao tentar governar um país com o apoio de quem não deveria. Pagou pedágio para ter propostas aprovadas, e isso é inaceitável. Me negaria a votar num presidente que quis criar o Conselho Federal de Jornalismo, mas me desaponto com as opções. Seria ótimo se tivéssemos, no segundo turno, uma opção à esquerda dele.

Alckmin mente quanto faz discurso social. Ele não tem projeto, passou a campanha berrando, sozinho. Alguém pode dizer algum projeto que ele tenha feito por SP em 12 anos (somado com o governo Covas). O que são as escolas públicas hoje? De que adiantou construir presídios?

O PT caiu sozinho, e isso não é mérito do tucano. Alckmin representa a farsa do pequeno-burguês: sorriso de bom moço com arrombos de autoritarismo. Em recente encontro com empresários, disse que a solução para a segurança pública era reforçar a dose da repressão. "Vai morrer gente, mas fazer o quê?", disse.

Ninguém perdeu o juízo a ponto de defender o que aconteceu no governo nos últimos quatro anos. A imagem do grande líder da nação estará para sempre comprometida pelas imagens de Delúbio e Silvio Pereira. Mas não quero retroceder e pedir para voltar ao tempo em que PSDB mandava e desmandava no país. FHC deveria ser banido do país. Cometeu o maior estelionato eleitoral da história ao esconder do país que tinha um acordo com o Tesouro americano para desvalorizar o real assim que reeleito, em 98. E assim o fez.

Durante algum tempo, me neguei a assumir minha posição. E me desencantei. Mas sei que aqui se paga um preço caro ao admitir que, sim, acho que o país é ruim com o PT, pior sem ele. Não temos terceira via.

O que resta é medir forças. E somar dois e dois. O resto é arrogância ou preconceito.

Conta a História que partido político no Brasil já nasce de uma estrutura burocrática do Estado: são apenas subdivisões de partidos que já estavam no poder. Quando o bolo é mal dividido, forma-se uma nova tendência e cria-se uma nova sigla _liderada por líderes insatisfeitos.

O PT, por sua vez, era um sonho. Dos trabalhadores, de alas da igreja e dos movimentos sociais. Hoje luta para existir. Enquanto for possível lutar, deve-se somar forças - pode ser difícil, mas é preciso tomar cuidado para não repetir o discurso que se vê nos jornais. Falar por ouvir dizer. Misturar alhos com bugalhos, mensalão com dólares na cueca. Noves fora, darei meu último voto de confiança a quem, acredito, é atualmente o único interlocutor de classes para quem nunca ninguém havia voltado os olhos anteriormente. Isso deve ser levado em conta, gostem ou não as mamães assustadas só fizeram passar os últimos quatro anos antentas aos programas vespertinos da televisão."

domingo, 22 de outubro de 2006

F. VIVES: AUTOBIOGRAFIA NÃO AUTORIZADA

Toda semana recebo centenas de cartas de fãs querendo saber mais sobre o autor de SorryPeriferia. Pois sacio a avidez mestiça dos leitores a meu respeito relatando aqui um trecho do meu livro F. Vives: vi, vim e esqueci, que está sendo lançado pela Editora Ibotirama (R$4.50 + um ovo grátis, se vier com acompanhamento de feijão). Aguardem a festa de lançamento. O Diogo Mainardi já está preparando resenha a respeito.

"Nasci na província de Omsk, antiga União Soviética, com o nome de Fernanditri Kalinichenko Vivensky. Cresci num reformatório da Juventude do Partido Comunista em Moscou, onde era obrigado a ajudar velhinhas a atravessar a rua enquanto cantava a Internacional Comunista. Um belo dia troquei tudo e fiz a velhinha dar com a cara no poste enquanto eu cantava In the Navy, do Village People, o que me obrigou a fugir porque a KGB ficou no meu encalço por anti-patriotismo. Fui preso no meu aniversário de 15 anos - tomei umas vodkas a mais na Birosca do Vadin, perto da Praça Vermelha, e quebrei tudo (o Vadin, a quem devia fiado, chegou a me visitar na cadeia pra cobrar a grana, o feladaputa).

Passei quase dez anos na prisão de Magadan-Kolyma, na Sibéria, onde fazia trabalhos forçados como quebrar pedras, soldar bigornas e fazer bolinhos de chuva para o Marechal Maricowsky, uma tremenda bichona que passava a mão na nossa bunda enquanto trabalhávamos. Um dia fiquei irritado com a patolada e meti-lhe a picareta nas partes pudentas, para delírio dos outros presos. Aproveitando a empolgação do momento, organizamos um motim. Quebramos tudo, mas o Coronel Ubiratanov entrou com os tanques e abriu fogo na rapaziada. Como as armas que ele utilizou datavam da Revolução de 1917, tamanha a dificuldade financeira pela qual já passava a URSS nessa época, ele acabou matando apenas o Stalin, nosso cão vira-lata que capturava umas ratazanas gordas escondidas que nos serviam de mistura nos almoços de domingo. O episódio ficou conhecido como "O massacre das 111 pulgas da Gulag Siberiana", já que elas foram as principais vítimas com a morte do cachorro. Mesmo assim, a rebelião me fez ídolo entre os detentos.

Retido, me jogaram para a solitária, onde passei o tempo todo apenas na companhia do livro Marimbondos de Fogo, coletânea de poemas escrita pelo então presidente brasileiro José Sarney. Este livro salvou minha vida na prisão. Primeiro, pelo conteúdo fascinante, onde aprendi a viver melhor e a encarar uma ferroada de marimbondo pelo viés poético. Segundo, e principalmente, porque comi o livro em um momento de desilusão estomacal - confesso que quase vomitei ao chegar na página 9. Quando um belo dia abriram a porta da solitária me oferecendo uma Coca-Cola - um tal de um muro não sei onde havia caído - eu já estava na terceira mordida da capa, a parte que restara do livro.

Livre e apaixonado pela obra que havia digerido literal e metaforicamente, resolvi abandonar minha terra natal e tentar vida nova no Brasil. Cheguei através de um porão de um navio cargueiro, sendo recepcionados pelos estivadores do porto de Santos. Eu olhava para eles e repetia as palavras "José Sarney! José Sarney!" sem parar. Eles logo deduziram que 1) Eu não falava patavinas de português; 2) Provavelmente eu era uma anta. Tais conclusões levaram os estivadores a me indicar para tentar a sorte no jornalismo.

Acabei entrando na profissão por vias indiretas. Comecei fazendo um teste para ser o modelo de abertura do programa do Fantástico. Eu saía da água e gritava: "É-FAN-TÁS-TI-CÔ!", mas a minha branquelíssima barriga de cerveja não caiu bem aos olhos do diretor, donde chamaram a Isadora Ribeiro para fazer tal cena que, registra-se, ficou bem melhor. Após uns bicos de figurante em Doris para Maiores (eu era um gringo asmático em uma esquete que se passava na praia do Leblon) e Malhação (professor de educação física odiado pelos protagonistas e que implicava com o Mocotó), consegui um frila para a Revista Veja no qual forjei um estudo da Universidade de Vladivostok, no qual dizia não haver mais pobres no Brasil desde a implatação do Plano Real. Quase fui premiado pelo texto.

Atualmente me dedico à literatura, área em que escrevi as obras Abelhas de Porre, Formigas Mamadas e Joaninhas Travadonas, todas coletâneas de poemas inspiradas livremente na obra Marimbondos de Fogo, de meu mestre José Sarney. Ganhei o prêmio de Plágio do Ano da Academia Amapaense de Letras em 1998 e a certeza de que tudo valeu a pena."

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

A REFORMA ZEN BUDISTA ADENTRA A MADRUGADA

E agora uma mensagem de paz: "Deu duro? Tome um Dreher"

São quatro e dois da manhã e há pouco eu lia em minha cama quando um pernilongo matreiro resolveu dar uma bitoquinha na minha orelha. Tentei dar uma porrada nele, mas os pernilongos constumam ser mais ágeis que os Vives, donde conclui-se que ele se afastou de mim como se estivesse rindo da minha incapacidade de vitimá-lo. Aí pensei que os budistas recriminariam minha atitude de tentar matar o desagradável inseto, uma vez que, na crença deles, quando uma pessoa morre, ela pode se transformar em qualquer bicho. Quem me garante que aquele pernilongo não é um ancestral meu averiguando de que maneira eu estaria honrando o sangue da família?

Foi aí que tive o estalo, tal qual uma jaca caindo na cabeça de Newton, e passei a querer matar freneticamente o pernilongo, assim como qualquer outro bicho que surgisse em minha frente. Vejam só, se aquele mosquito sacripanta for a encarnação de uma pessoa, nada melhor que matá-lo de novo para que ele tenha melhor sorte na próxima vez, podendo reencarnar desta feita na pele de um ganso, uma capivara e, talvez com sorte, em um porco ou chipanzé, todos estes bichos mais nobres que um pedacinho de carne chamado pernilongo.

Portanto, não sei se isso significa um novo horizonte para o budismo, mas caso ser uma espécie singular de dalai lama pós-moderno der dinheiro, me inclua dentro desta. Mas já vou logo dizendo que não me venham com esse papo de vegetarianismo, que, sem um coelho assado ao molho de cebola de vez em quando, ninguém segura esse rojão.

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

O LEGADO DE NOSSA MISÉRIA - parte 2

Eu não tenho a menor dúvida de que Evita Perón, durante aqueles jantares nababescos da aristocracia argentina, enfiasse o dedo nos dentes para arrancar o pedacinho da alface. Porque Evita veio da merda, do subúrbio, da lona. Era uma rampeira fudida que passou a vida decorando os talheres certos para o peixe e para a carne, represando o comer de colher e de boca aberta que a condicionaram na infância.

Evita pode ter passado a vida tentando provar para si mesma que ela não foi a suburbana vulgar que a julgaram quando nova, que mesmo vivendo dúzias de vidas não conseguiria. Você sai do gueto mas a merda do gueto inexoravelmente não sai de você. Você sabe que ele está lá, que ele pode ficar calado, escondido, fingindo-se de morto, e você passa toda uma vida a represá-lo, colando milhões de paralelepípidos em torno dele. Mas basta uma pedra se descolar para tudo aquilo vir abaixo e o gueto se mostrar para você, firme e forte a dar um tapinha nas suas costas, como se dissesse: "O valor insuportável desta lembrança toda continua pendurado na tua conta, é você quem vai pagar".

Não conheço um só sujeito que não tenha sua própria criptonita moral guardada consigo, lembrança de menino do pai bêbado lembrando o quanto você era custoso para a família, os moleques mais velhos da rua dizendo o quanto você era um bosta, a professora a rir do quão burro você era, o seu primeiro amor de adolescência dizendo que daria bola para o mundo mas não daria bola para você, o bonitão da classe te chamando de lambisgóia de água parada na frente das tuas amigas.

No fundo, mas lá no fundo onde o seu inconsciente não deixa você entrar, grande parte das tuas atitudes são todas para provar para toda essa gente que, sim, eles estão errados. Mas basta um detalhe dar errado que é o suficiente para a represa vir abaixo, desnudando o maldito gueto que não saiu e nem quer sair de você.

É então que começa tudo de novo, você passa a querer provar novamente que você não é aquilo que um dia te fizeram e que denegriu o sentido de você existir. Eis o grande nó do sentido humano: você sai do gueto, mas ele não sai de você, e você continua alimentando a sina tal qual o Sísifo da mitologia, condenado a passar o resto de sua vida a empurrar a pedra até o topo da montanha, sabendo que de lá ela vai rolar abaixo tudo de novo.

O sujeito que criou o Mito de Sísifo entendeu a maior parte do legado da miséria individual humana.

terça-feira, 10 de outubro de 2006

A DIALÉTICA DA TRUANICE


Ninguém pediu minha opinião sobre o blogue do Marcelo Hermano, vocalista da banda Los Camelos. Respondo mesmo assim.

A título de informação (esta é sem dúvida a mais legal de todas as expressões pedantes), Hermano escreve um hedbomadário virtual manuscrito. A não ser que você seja professora de primário (na lousa: "Hoje o dia está ensolarado") ou se dirija a um público que conheça a Pedra Roseta do Champollion, tal atitude não é recomendável.

Tal qual um Chico Xavier, psicografei alguns pensamentos entre os borrões do tal blogue para me concentrar apenas no conteúdo, e não no formato. Resultado: expressões como "o deslumbramento pelo novo", "o dogma do pensamento", "proposição absoluta" e "natural rejeição" que, juntas, não adquirem sentido algum, casam com o pensamento daquelas meninas carentes de 17 anos que são justamente as fãs da banda, que se consideram intelectuais porque leram o Código da Vinci e que choram ao ouvir Los Camelos, arrancam o sutiã no show deles e, na hipótese de serem lésbicas, querem deixar a barba igual a do Amarante.

Sugestões e veredicto:

1) Sugiro um caderno de caligrafia.

2) Na impossibilidade da opção 1, sugiro que a tal Anna Júlia devolva a gentileza e passe ela a transcrever o blogue, deixando assim de ser sempre um espinho no coração do dito cujo.

3) Como disse já disse Guy Debord em A Sociedade do Espetáculo: "quem nunca come melado, quando come se lambuza".

Agora voltemos à programação normal.


OBS: O tal blogue.

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

DOSSIÊ LULA: É MELHOR CAIR EM CONTRADIÇÃO QUE DO OITAVO ANDAR

Quisera eu ter votado neste sujeito aqui


Reza a lenda que ex-petista é como ex-gay: é melhor contar a do português. Provavelmente continuo sendo petista mesmo, foi o PT que se despetizou - estrutura frasal esta que tende a dar um nó nas nossas sinapses se tentarmos levá-la a cabo. Posso afirmar que há quatro anos convenci 15 pessoas a votarem no Lula, e a noite da vitória, na Paulista, me deixou os cinco dias subseqüentes completamente sem voz, recorde pessoal que provavelmente jamais vou quebrar.

Neste pleito (continuo odiando esta palavra), até a madrugada de sábado para domingo eu estava em dúvida quanto ao voto para presidente. Pensava em Heloísa Helena como protesto - a hipótese de, estando no inferno, abraçar o capeta. Mas ela realmente não conseguiu me passar nada além do pout-pourri de clichês da esquerda na base da gritaria. Não grite perto de mim, eu saio correndo. Falo baixo e prefiro ouvir do que falar.

Comecei a cogitar votar em Lula nesta semana, quando, em discurso em Porto Alegre, ele declarou: "Se a imprensa hoje tivesse 10% da leniência que teve no primeiro governo FH comigo, agora eu seria eleito com 70% dos votos". Ao mesmo tempo, FH, em São Paulo, declarou que Lula era o demônio - o petista havia dito dias antes que se até Jesus Cristo havia sido traído, o que dizer dele mesmo. No dia seguinte, a imprensa estampou a manchete: "Lula se compara a Jesus Cristo", e pau no sapo barbudo. Mas quando FH o chamou de demônio, aí pode, sem problemas, a opinião do sociólogo é coerente e sorbonnal.

Penso que o governo Lula foi de fraco para mediano, com doses de corrupção que beiram o nível dos oito anos tucanos de antanho. A política econômica seguiu refém de uma entidade mística chamada Mercado Financeiro. Não respire em tempos de crise, o Mercado está nervoso (se o Mercado tiver um filho, este terá sérios problemas psicológicos por conta da pressão sofrida em casa). Desde 1995, quem se dá bem no Brasil não é pobre, não é a classe média, não são os agricultores nem os industriais: são os banqueiros. Todo ano, os principais bancos anunciam que tiveram lucro recorde, e isso continua crescendo em progressão geométrica. Lula e Palocci aceitaram jogar o jogo que FH e Malan começaram, o de ajoelhar-se, baixar o zíper dos banqueiros especuladores e concretizar um voluptuoso felácio.

Dentro deste triste jogo, inegavelmente Lula soube jogar melhor que seu sucessor. O país não cresceu, mas a dívida com o FMI, por exemplo, foi paga. A herança maldita que veio por conta dos quatro últimos anos de Malan foi remediada. Ao mesmo tempo, os projetos sociais no interior do Nordeste, como o Bolsa-Família e que tais, produziram sim uma economia local, antes inexistente. O programa é assistencialista - se o governo deixar de dar o dinheiro, tudo volta como era antes - mas, for jesus, pessoas de alguma forma estão comendo e eu não me importo se elas dependem ou não do dinheiro que pago de imposto para isso.

Votei em Lula, mas não no Lula que eu queria. Apertei o 13 com os dedos da galhofa e as teclas da melancolia mal sabendo o que esperar deste conúbio, só para usurpar uma expressão do Memórias Póstumas de Brás Cubas, bem apropriado ao nosso tempo, diga-se. Votei contra a burrice da direita, do conservadorismo torpe que tem as Vejas e Folhas como porta-vozes, o purê de batatas moral, a digestão bem feita de São Paulo, a burguesia que fede mas que tem dinheiro para comprar perfume - e consegui juntar Mário de Andrade e Falcão numa mesma frase.

Lamento informar - e me desculpe se isto o incomoda, fino leitor - mas eu gosto de pobre. Eu queria o Lula de 89 que não existe mais. Votei no Lula sem criar a expectativa de beijar o sapo barbudo achando que ele vai se transformar no príncipe da justiça social. Mas guardo a certeza de que não havia opção melhor. Os tucanos ladram, mas a caravana há de passar.