segunda-feira, 29 de novembro de 2004

A JORNADA DE UM PSEUDO-SERENDIPITOSO*

* São Paulo é uma cidade de malucos. Há pelo menos 15 sanatórios cadastrados na lista telefônica da cidade, o que gera uma capacidade de atender a aproximadamente 5 mil pacientes, número irrisório frente a população do município. Enquanto isso, professoras de História da Arte sem qualquer resquício de juízo crítico dão aula impunemente em faculdades da Avenida Paulista.

* São Paulo é uma cidade de pessoas que ouvem canções românticas no disc-man no ônibus durante o trajeto para o trabalho. Há cerca de cinco pessoas sentadas ouvindo disc-man em cada ônibus lotado, e mais cinco em pé querendo sentar e ouvir canções românticas em seu próprio disc-man; Existem cerca de 23 versões de canções em português chamadas "Eu te amo", que variam de Chico Buarque a Adryana e a Rapaziada. A mais escutada no transporte público da cidade é a "Eu te amo" de Roberto Carlos.

* Em dia de trânsito normal, é possível escutar More Than This, do 10.000 Manics, sete vezes no trajeto do início da Avenida Angélica até a Estação de Pinheiros. Esse número pode variar de cinco vezes em dias de ruas vazias a catorze vezes em sextas-feiras em horário de pico.

* São Paulo é uma cidade de pedintes. Existem oito pedintes fixos no trajeto que compreende os 4,5 quilômetros da Avenida Paulista 900 a Avenida Angélica 177. Desses oito, um xinga quem não lhe dá ao menos uma moeda, uma corpulenta sempre pergunta: "Moço, me paga um sanduíche?" e uma magérrima, com um filho não menos magérrimo ao colo sempre diz: "Moço, eu realmente preciso dar de comer ao meu filho".

* São Paulo é uma cidade de ratazanas. Toda noite há um desfile de ratazanas na calçada da Estação Pinheiros, na Praça Marechal Deodoro, na Estação Jaguaré e no Terminal Rodoviário do Tietê. Enquanto as ratazanas da praça Marechal Deodoro são um pouco menores e acinzentadas, as da Estação Jaguaré costumam ser marrons e gordas, aspecto similar às do Tietê, embora essas últimas sejam mais velozes. As ratazanas da Estação Pinheiros costumam ser de todos os tipos, marrons ou acinzentadas, rápidas ou lentas, com o diferencial de que não se importam em enfrentar os seres humanos que porventura ali estejam; Há também ratazanas loiras na prefeitura municipal, que darão lugar a ratazanas calvas a partir de janeiro.

* São Paulo é uma cidade de migrantes gaúchos. Há dois tipos de trabalhadores do Rio Grande do Sul nesse município: os bem vestidos e os mal vestidos. Os bem vestidos são garçons de churrascaria; os mal vestidos são jornalistas (com a exceção do meu chefe, porque éle é um cara legal). Nunca ninguém conheceu um terceiro tipo de migrante gaúcho em São Paulo.

* São Paulo é uma cidade de homossexuais. Há homossexuais assumidos e orgulhosos, geralmente do meio artístico, que andam de mãos dadas no Shopping Frei Caneca com seus namorados e que freqüentam a Louca e shows do Edson Cordeiro; Há homossexuais assumidos e discretos, geralmente jornalistas, publicitários e relações públicas, que costumam freqüentar o Shopping Frei Caneca ao lado de um sujeito que é apresentado como "meu primo do interior"; E há os homossexuais enrustidos, geralmente engenheiros e profissionais da construção civil, que não freqüentam o Shopping Frei Caneca porque isso é coisa de viado mas que mantém forte empatia com os travestis da Rua Augusta.

* (ou o que pessoas não normais fazem quando se sentem abandonadas porque o TCC acabou)

domingo, 28 de novembro de 2004

DEUS NOS BEIJA NA BOCA TODOS OS DIAS


"Tudo acontece com o Vives", costuma vociferar um sujeito que não vale a pena ser citado aqui. Descendo do Cometão no Terminal Tietê, um dedo cutuca meu ombro. Era um moleque de 15 anos, que passou a viagem sentado ao meu lado, com um bilhete em mãos.

- Tó. É pra você.

Nele, em caneta vermelha:

ACESSE WWW.ESCOLADEFOGO.COM

ABRAÇO!


Chegando em casa, fiz o que me foi recomendado. Eu queria saber o que era e descobrir por que o pentelho olhou pra mim e pensou "preciso recomendar pra esse sujeito esse site". Eu teria cara do quê? Seria um site sobre pessoas grandes, sobre homens que andam de ônibus ou para jundiaienses que vão pra pra São Paulo no domingo a noite?

E depois de conferir, fui pra frente do espelho analisar minha cara de mané. Como dizia Oscarito, naquelas chanchadas dos anos 50: "Deus, conservai os otários no mundo, porque sem eles eu não posso viver ".

segunda-feira, 22 de novembro de 2004

SOCIEDADE PARA A CULTURA EXCESSIVA* APRESENTA: FESTIVAL JUNDIAIENSE DE CINEMA, LITERATURA, BINGO E QUERMESSE

Os responsáveis pela prefeitura do Principado de Jundiaí, durante ócio pouco-criativo, resolveram criar slogans que definem, ao mesmo tempo, tudo e nada sobre o município: Jundiaí, a cidade que mais lê no Brasil e Jundiaí, a Cidade do Novo Século. Eu até poderia dizer que Jundiaí é somente a cidade que mais lê Seleções no Brasil, ou que todas as outras cidades que chegaram ao ano 2000 habitadas também são do novo século, mas não farei isso. Pelo contrário, encamparei o odor galvãobuenístico que emana das axilas do poder local.


Por isso, resolvi financiar o Espaço Cultural Cida Marques, uma iniciativa que homenageia a representante jundiaiense mais ilustre (saibam todos que adoro apoiar a cultura porque os Vives estão para a Terra da Uva assim como os Borgia e os Médici estavam para a Florença Renascentista). Assim, o primeiro evento que o E.C.C.M. irá apresentar é o Festival Jundiaiense de Cinema, Literatura, Bingo e Quermesse, com espaço para apresentações de bandas e de filmes e promoções de livros e DVD´s.


Confira alguns destaques:


CINEMA:


AS LIXEIRAS DO CORREDOR (Direção: Gabriel Aveia Kwak. Com Eugênio Luís Magaiver, Rosepetta e Felipe Vlad). Suspense. Falado em jundiaiense. Dublado em jundiaiense. Legendas eletrônicas em jundiaiense. Um homem (Magaiver) mantém uma estranha relação de amor e ódio com as lixeiras de corredor, ao mesmo tempo que descobre que sua namorada (Rosepetta) o traiu com seu pior inimigo (Felipe Vlad). Dúvidas cercam sua mente: que lições as lixeiras do corredor tentam lhe transmitir? Por que Rosepetta o traiu? Eram os deuses astronautas? Um enredo envolvente onde as relações entre significante e significado pairam entre a concepção modernista e a estética do teatro de Ziembinski.


A XIMBICA DO AMOR (Direção: LM. Com Daniel Patife e eletrizante elenco de bixetes) . Pornochanchada. Patife é um jornalista recém-formado que se desiludiu por ter saído da faculdade. O mundo real não tem bixetes, o que o torna um tarado depressivo. Mas sua vida muda para melhor quando ele recebe de herança uma Brasília velha. Com ela, Patife parte atrás de bixetes e se envolve em grandes aventuras. Participação especial de Rita Cadillac.


PROMOÇÕES - 50% DE DESCONTO:

DVD


TRIO LOS ANGELES LIVE IN JURÉIA - A nova geração do famoso grupo se apresenta na reserva ambiental e canta os principais hits de seu álbum de estréia, Três Formas de Amar: Sex on the beach, A barraca está armada e Garras da oncinha em pânico. Banda de estilo performático em show nota dez.


AS MELHORES RECEITAS DE INRI CRISTO - Sem tocar as mãos nos ingredientes e no microfone, o famoso dublê de Jesus ensina as receitas que sua mãe, Dona Maria, o ensinou quando ele era pequeno (destaque para a Óstia Consagrada ao Molho Madeira e para as receitas light para períodos pós-jejum). Mas nem só de receitas vive essa obra única no gênero: Inri também dá dicas de como montar um banquete para doze convidados e um churrasco de cordeiro em homagem ao Todo-Poderoso. Apresentação de Amaury Júnior, filho do famoso Amaury Sênior.


LIVROS
MENGHELE E EU: O MÉDICO E A OVELHA (Leandro B.) - Em meio à discussão sobre os manuscritos do médico alemão Joseph Mengele, o estagiário vejudo lança seu livro com revelações surpreendentes: parte do ouro dos judeus estaria escondida em algum lugar entre o Manicômio de Franco da Rocha e o Lixão de Perus. Leandro B. conta detalhes de sua amizade com o Mr. Hide teutônico na nazista Caieras, com detaque às vezes em que ambos subiam juntos até o hospício francorrochense para fazer experiências científicas com enfermos. Para maiores de 18 anos.


* copyright SimCity 3000

sexta-feira, 19 de novembro de 2004

CARLÃO

Nova Iorque. Busão Pines-Aclimation, sentido Aclimation, oito horas da noite. Na subida letárgica da Theodore Sampay, um homem grande e descabelado encontrava-se sentado solitariamente no fundo do veículo. É quando uma moça pequena mas também descabelada e com cara de maluca ultrapassa a roleta e vai sorrindo em direção ao homem grande, que está com o disk-man tocando As the world falls down, de David Bowie.


O homem grande percebe, olha e não reconhece a figura exótica que se aproxima. Acha que não é com ele. Mas ela vem com tudo, tasca-lhe um beijo na bochecha e diz:


- Carlão, tudo bem?


O homem grande não move seu rosto, mas acompanha com os olhos a mulher maluca e descabelada sentar no banco ao lado do seu:


- (silêncio)


A familiaridade com a qual a dita cuja lhe trata o incomoda. É quando finalmente ela parece notar algo diferente com o "Carlão":


- Peraí... você é o Carlão?


- É a primeira vez que me chamam de Carlão, senhora... - respondeu o homem grande, ainda sem se mexer, acompanhando a mulher só com os olhos.


Se o coroinha da Catedral da Sé ficasse pelado durante uma missa lotada e gritasse "I need an exorcist!", o padre não ficaria tão constrangido quanto o homem grande e a mulher maluca ficaram naquele momento. Até o metrô mais próximo, a mulher maluca permaneceu sentada ao lado do homem grande, rindo e completamente desgostosa.


Revoltado, o homem grande continuou sem se mexer.

quarta-feira, 17 de novembro de 2004

VERTIGO

Era dia. Período um pouco mais que matutino, naquela hora em que o pão na chapa do Monet já é passado, e a imagem de um contra-filé suculento deixa o estômago embriagado. Alunos se encontravam na frente da Sala Biondinho, esperando o resultado da banca de certa aluna de uma renomada instituição. Ao fundo do corredor, um busto e uma janela que exibia orgulhosa um sol resplandecente. Tudo parecia normal naquela hora, exceto pela ansiedade da aluna em questão.
Mas eis que surge, das cinzas, um vulto. Minhas sobrancelhas ergueram-se. Era ele. Sim, ele, o taquigrafista da Santa Ceia, o estagiário de Gutemberg na primeira imprensa, o correspondente da Gazeta na Revolta de Beckman. E lá foi ele atravessando a imagem do sol na janela para ganhar a passos lentos o corredor.
Meus olhos sorriram com a imagem dele passando em frente a janela. Ele em frente a janela. Ele e a janela. Janela.

domingo, 14 de novembro de 2004

EDITOR DE SORRY PERIFERIA PROCESSA REI DA TAILÂNDIA

FV, editor do hebdomadário virtual Sorry Periferia, deve abrir um processo contra o rei da Tailândia a qualquer momento. A acusação é de plágio: Bhumibol, o Grande (nome do rei), escreveu um livro ilustrado onde narra a vida de sua cadela favorita, chamada Khun Tongdaeng. O problema é que há cerca de um ano o editor da mencionada publicação lançava em pílulas a obra Daniel Patife: Confesso que Encoxei (Editora Oásis, R$6,50 + suco grátis) no News Associados. Esta obra relata a saga do renomado tarado Daniel Patife, que varreu a Cásper Líbero com sua baba libidinosa por quatro anos seguidos, ludibriando homens, mulheres, cachorros e postes.
"A idéia de biografar seres irracionais é minha. Creio que haja um mal entendido, pois esse rei chinês não me pagou os devidos royalties. E se ele é o rei Bhumibol, 'o Grande', eu sou o príncipe Vives, 'o Maior Ainda' ", sintetiza Vives. Através de sua assessora de imprensa, Prof. Yung, o rei tailandês negou a acusação. "A idéia de biografar seres irracionais é de domínio público. O caráter inédito da obra do pseudo-biógrafo jundiaiense dá-se por ser aquela a história de um ser irracional e tarado", alega o Bhumibol, o Grande.
A cadela Khun Tongdaeng foi procurada e declarou apenas estar abatida com a polêmica e que prefere não entrar em detalhes. Já Daniel Patife fugiu do assunto e saiu-se com uma pergunta: "Pelo menos a cadela é bonitinha?"

sexta-feira, 12 de novembro de 2004

Há momentos na vida em que torna-se estritamente necessário enfiar a cabeça na privada e puxar a descarga.

quinta-feira, 11 de novembro de 2004

quarta-feira, 3 de novembro de 2004

AS ILUSÕES GANHADAS


Riviera Francesa, primavera de 2024. O famoso free-lancer F. Vives lê seu jornal enquanto mordisca um croissant na calçada do Café L' Spoir, em Nice. Após tomar nota sobre as notícias do mundo, Vives se levanta tentando esboçar em pensamentos a coluna que escreverá ao entardecer, e que será publicada em 12 jornais ao redor do mundo no dia seguinte. Mas nada lhe ocorre em mente. Veste seu sobretudo bege e ganha as ruas em direção ao Hotel Negresco, onde vive. E o que parecia ser mais um dia típico em sua rotina aconchegante torna-se uma enorme interrogação ao ouvir vozes do outro lado da rua:
- Vives!!!!!!! Vives!!!!!!!!!!! É você????
Ao notar que toda a rua olhava para o sujeito que gritava, e percebendo que toda ela inclinaria o pescoço para o outro lado a fim de saber quem é o tal Vives, o free-lancer aperta o passo e tenta passar desapercebido. Mas nada que resolvesse o caso.
- Vives, Vives, É você!!! Que mundo véio sem porteira!!!!
Ao ouvir tão rude expressão, Vives parou e ergueu as sobrancelhas. Qual não foi a surpresa ao notar que o dito cujo que gritava vestia uma roupa obtusa, uma camisa branca sob jaleco verde, chapeuzinho de Robin Wood, saiote britânico cinza e vermelho, deselegantes meias brancas até os joelhos e um par de tamancos de madeira nos pés. Era L. Beguoci, um antigo conhecido dos tempos de Brasil.
- Cara, o que você tá fazendo aqui? - perguntou a exótica figura.
- Eu é que pergunto: o que você está fazendo na Riviera? - retrucou Vives.
- Ah, agora eu pertenço a um grupo católico que prega que Jesus está voltando. Lembra do Cornelius Horan, o cara que se meteu em frente ao brasileiro na Maratona dos Jogos Olímpicos de Atenas? Então, meu guru. Juntos fundamos a PJC: a Pastoral Jesus is Coming.
- Peraí, quer dizer que você agora invade maratonas? - perguntou Vives, lançando um olhar atônito.
- Não necessariamente. Invado qualquer evento pra mostrar o cartaz Jesus is coming. Look busy. Tâ aqui de olho na Volta da França.
- E aquela sua namoradinha, que fim levou? Como era mesmo o nome dela? Bromélia, Azálea...
- Hilda. Casamos e tivemos mais quatro filhos. Lembra do Lucas? Então, se formou ano passado em Relações Públicas pela Cásper. A gente se dá bem, mas ele me reprime por minhas atividades. E depois dele vieram a Natércia, o Vantuir, o Jordão e o Eric Estrada.
- ERIC ESTRADA?
- É sim - respondeu a ovelha - Não te contei: assim que terminei a faculdade, virei fã da série Chips e montei um fã-clube. Cornelius também era fã da série e nos conhecemos pelo Orkut. Aí ficamos amigos e juntos fundamos a PJC. Mas os outros nomes foi minha esposa quem escolheu.
Nitidamente envergonhado, F. Vives resolveu cortar a conversa, pois todos apontavam na rua para os trajes vergonhosos da ovelha transviada e o cartaz que ela carregava, com os dizeres: Jesus is coming. Look busy.
- Bem, assim como Jesus, ando um pouco atarefado ultimamente. Prazer revê-lo.
Ambos apertaram as mãos e Vives voltou-se para o caminho do Hotel Negresco. Pelo menos naquela tarde o free-lance já teria assunto para sua coluna.