segunda-feira, 27 de setembro de 2004

O DIA DO CAÇADOR

"Faz mais de um ano que eu não vejo uma barata". Esta foi a frase que me ocorreu às cinco e meia da manhã do último sábado, após sair do banho, acender a luz do quarto e dar de cara com um coleóptero enorme entrando no vão da janela. Eu voltava de uma balada e, com a toalha ainda enxugando o pescoço, sentia o álcool em excesso fazendo efeito. Eu só queria a minha cama. Mas ao ver aquele bicho ali, quieto, só com as antenas em movimento, passei a olhar catatônico para ele em busca de alguma idéia genial. A preguiça veio em primeiro lugar. Pensei com minha toalha (na falta de botões, já que eu estava sem camisa): 

- Ok. Não há nenhuma mulher aqui. Agora eu faço de conta que não vi, apago a luz e deito na cama. O bicho se manca, dá meia volta e sai pela janela. E se não fizer isso, qual o problema? A barata não passa de um besourão um pouco maior. 

Negativo. Veja aquelas pernas traseiras. Incrivelmente grandes e peludas. Besouros não tem pernas grandes e peludas. Na mesma hora me surgiu em mente a figura do bigode da atendente do Monet, similarmente peludo. Meu estômago revirou, dei meia volta e fui buscar uma vassoura. 
A partir daí senti os três momentos que os psicólogos dizem ser os naturais em situações extremas: primeiro, não acreditei que havia um bicho daqueles na minha frente. Segundo, perdi o controle. Xinguei até a quinta geração daquele exemplar coleóptero que posava despreocupado na minha janela e reafirmei minha anti-crença em Deus, porque se ele existisse e fosse bom, não botaria uma barata no meu quarto depois de um porre, quando tudo o que eu queria era dormir na minha cama enorme. E, terceiro, a superação: 

- Eu vou matar essa feladaputa. 

Peguei um tênis Nike no armário, tamanho 44. Deixei de usá-lo quando deixei de calçar 44, há muito tempo atrás, mas não joguei fora. Sabia que um dia poderia ser útil. E fui pra cima dela, com um tênis na mão e a vassoura na outra. Imaginei a cena patética, alguém me surpreendendo na porta do quarto, tirando foto de mim naquela pose ridícula típica que só os bêbados espreitando baratas de madrugada fazem. Minha testa começou a suar. Sempre a maldita testa. No menor sinal de situação adversa, ela já desanda a pingar. Que conste nos autos: eu odeio a glândula sudorípara da minha testa. Cheguei perto do bicho e assustei. Se eu disser que ele era do tamanho da minha mão, por muito pouco não seria uma mera hipérbole. Foi quando fiz tudo errado: joguei o tênis, errei o alvo e o bicho correu pra debaixo da escrivaninha. 

Começa a odisséia. Tirei tudo de cima da mesa, espirrei o Raid por baixo, arranquei gavetas e nada de achar o baratão. Virei a mesa e nada. O bicho certamente chispara para a quarta dimensão ou para a cabeça do John Malkovich. Padre Quevedo não explicaria. Meia hora depois da caça, bandeira branca amor, não posso mais. Peguei meu travesseiro, minha colcha, minha dignidade e fui dormir na sala. 

Lá, após deitar no sofá e notar os primeiros raios da manhã, percebi que tudo me olhava. As estatuetas dos cavalos em cima do piano riam de mim. A samambaia americana no teto me olhava de esguio. O buda na estante apertava as bochechas pra esconder a galhofa. E, desprovido de qualquer juízo crítico, levantei e ganhei o corredor de volta me sentindo o próprio Marechal Montgomery durante a invasão da Normandia: 

- Ninguém tira a minha cama no sábado pela manhã. 

No quarto, arremessei a escrivaninha longe, o que fez a barata correr para o outro lado. Peguei o tênis Nike e o arremessei à longa distância, pegando o bicho em cheio. Foi o ploft mais prazeroso de minha vida. Com o barulho, as luzes dos outros quartos acenderam e ouvi passos. Enquanto eu contemplava sereno a barata em estado líquido sob o tênis, a matriarca dos D´Angelo Vives adentrou o recinto:

- Se você está tendo dificuldades em ser útil a esta hora da manhã, eu posso lhe dar algumas sugestões. 

Mas a bronca já não importava. Os sabiás já cantavam em minha homenagem. Aquiles, Sansão, Spartacus e William Wallace, a honra dos grandes guerreiros estava salva. Cara no travesseiro e boa noite.

sexta-feira, 24 de setembro de 2004

PARAOLÍMPICAS

- Inverídica a informação de que o exame anti-doping das provas de basquete em cadeira de rodas consiste em checar se as cadeiras têm motorzinho. 

- Na prova de hipismo ocorrida ontem, um dos cavalos teve um piripaque, soltou um "ai!" e caiu morto. O cego que tava em cima caiu de cara no chão. Os cavalos também são paraolímpicos. 

- Jundiaí Paraolimpic Games 2012: em terra de olho, quem tem cego errei.

segunda-feira, 20 de setembro de 2004

PELO DIREITO DE NÃO SER NERD

Não tenho o hábito de falar de mim aqui, mas hoje abro uma exceção. Tive uma discussão com um amigo meu que iniciou uma frase "nós dois que somos nerds...". A resposta veio árida: 

- Nós, você diz, você e sua mão esquerda? 

Então deixemos uma coisa bem clara, de uma vez por todas: não sou nerd. Tenho muitos amigos que se auto-intitulam nerds e nada tenho contra quem o seja. Mas me incluam fora dessa e, no caso do nerdismo ser um frustração em sua vida, não a desconte em mim. Em primeiro lugar, não sou fã de nenhum seriado obscuro que passa na TV a cabo nas madrugadas de terças-feiras, a única banda nerd que gosto é o Weezer, acho Harry Potter o típico moleque em que eu tacaria bolinha de papel o tempo inteiro na escola e, se tivesse que classificar Senhor dos Anéis em uma só palavra, esta seria "aborrecedor". Não tenho nada contra quem gosta, você não vai me ver debochando de quem gosta, mas me reservo o direito de não gostar, não ler o livro, não ver o filme e não me sentir um ET por não gostar de um moleque de 12 anos que faz mágicas em vez estar jogando bola por aí, comprando Playboy escondido da mãe ou assistindo filmes de James Bond. Acho A Guerra dos Botões setenta e cinco vezes mais interessante que Harry Potter, e nem por isso saio por aí xingando meus amigos fãs do nerdinho mágico (a recíproca acontece comigo a cada novo filme da série). 
"Mas você não sai do computador, seu nerd", já está dizendo algum trilambda leitor disso aqui, frustrado com minha condição anérdica. De fato, passo a tarde no computador e, chegando em casa, prefiro a internet a TV. Na net eu faço o que quero, na TV sou obrigado a ver a cara do Gilberto Barros no Boa Noite Brasil, e isso não é agradável. Em compensação, pouco sei do que não é internet no mundo dos computadores. Sexta-feira passada meu editor me ensinou que existe uma ferramenta no Word que transforma as letras maiúsculas em minúsculas e vice-versa. Coisa que qualquer nerd sabe desde dos 13 anos, quando usava o 386 do irmão mais velho. Mal sei usar o Word, não sei usar o Excel, o PowerPoint, Acrobat e todo o resto. E, se me permitem um mea culpa aqui, não tenho orgulho disso. Todo conhecimento é bom. 
Acho Guerra nas Estrelas um filme legal, assim como Matrix. Nada além. O último seriado que eu parava o que estava fazendo para assistir foi Agente 86, quando tinha uns oito anos. O último video game que joguei foi o Super Nintendo, e atualmente, no computador, só uso o SimCity, Civilization, Commandos, GTA3 e o Need For Speed Underground. Absolutamente abomino qualquer coisa relativa a RPG e, justamente por isso, prefiro pagar 20 reais pra assistir uma pornochanchada dos anos 70 do que receber 20 reais pra por a bunda durante três horas no cinema pra ver um senhor e seus anéis, num exemplo hipotético. 
Entrei no Orkut quando poucos já haviam entrado, me senti uma menina de treze anos diante de seu diário e saí. Em absoluto não acho você, nerd e orkútico, uma menina de treze anos diante do diário. Eu me senti assim, o que não quer dizer que te ache assim. Não encho ninguém que ama o Orkut e acho que quem gosta tem que aproveitar mesmo. Mas ando com as bolas feito balões de tanto que me chamam de chato por não estar no "mundo de dentro" do Orkut. 
Mas não sejamos simplistas. Não ser nerd não significa que eu me ache um fodão, por mais que eu diga isso por aí, sempre aspirando a galhofa. Em verdade, sou um ex-fodão. Até o cursinho, eu era o moleque interiorano tipíco e "cheio de querer", pra quem a vida eram as risadas na escola, a tarde pra dormir, o clube de noite e a cerveja antes de dormir. Todos os dias. Foi bom enquanto durou, mas não é mais e, pra falar a verdade, nem sinto mais falta. 
Hoje sou um sujeito normal, com amigos nerds e fodões de quem gosto muito, independente de qual lado estejam, mas que não se enquadra em nenhum dos pólos. Se você é nerd assumido ou não, tem o meu respeito. Mas eu não sou nerd, e me sinto muito feliz do jeito que sou.

sexta-feira, 17 de setembro de 2004

A MINHA PARTE EU QUERO EM FROLIC

Descendo a Angélica após sessão de Garotas do ABC na Augusta, reparo em uma faixa estendida na esquina com a Baronesa de Itú. Demorou um pouco para que estes olhos míopes e astigmáticos percebessem não se tratar de mais uma faixa da campanha Suje a cidade mas escolha um vereador. Não. Era uma importante demonstração de civilismo e apego às coisas importantes de nossa sociedade que as dondocas higienopólicas estão organizando: trata-se de convocação para uma passeata na ex-praça Buenos Aires (dizem que agora é parque, mas não é). Passeata? Em verdade, uma cachorrata. Sim, isso mesmo que você, otário, entendeu: uma passeata de cachorros na ex-praça Buenos Aires nesse domingo próximo, acho eu, com o patrocínio de um veterinário local. Não é fantástico? Como diria o Bill Gates naquela propaganda do Unibanco de dez anos atrás: "Why didn´t my bank think of that?" Nesse bairro, onde as pessoas só se mobilizam pro Roxaxaná e pras reuniões da TFP, agora há também uma cachorrata. 
Já estou fantasiando cenas para meu mais puro deleite. Dondocas higienopólicas e seus Yorkshire tarados são o que há de mais cinematográfico e humorístico desde que o Monte Python criou a corrida de cem metros rasos para pessoas sem senso de direção. As senhoras maquiladíssimas e seus cachorros perfumados se misturando sob um sol de trinta e poucos graus. Serão tantos batons, coleiras, beijos, abraços, pêlos, perfumes, mordidas, cocôs e cãimbras que eu não posso deixar de comparecer. Mas tenho que entrar na onda e por isso procuro um parceiro canino. Cogito a Doutora Havanir. Mas sem maldade, trata-se apenas de uma questão de eventual auto-defesa. Se alguma gangue de marombados permitir que seus pitbulls cheirem meu cangote, lanço-lhe a frente minha comparsa canina: 

-MEU NOME É HAVANIR CINQUENTA E SEIS! 

E até o mais machão dos pitbulls virará um dócil hamster por causa do aspecto hostil e do mau hálito da doutora (só eu sinto o bafo dela durante a propaganda eleitoral na TV?). E tenho que me preparar para a parte mais desarmônica da cachorrata: os pobres que dormem nos entornos da ex-praça pediriam um tiquinho de ração pra poderem alimentar os filhos. Isso será a mais pura deselegância, pois, apesar da ex-praça ser pública, este é um evento nobre e classudo. É proibida a entrada de negros, só de cachorros. Por favor, se você é mindingo e está lendo estas bem traçadas linhas, já te digo que de nada adiantará argumentar que você teve que vender o baço pra alimentar o filho doente. As dondocas higienopólicas só utilizam ração importada com a qual seu sistema digestivo rude não está preparado. Na pior das hipóteses, Frolic, o que ainda é muito caro para vocês. Lembram-se quando vocês eram pequenos, passavam em frente das Casas Bahia e viam nos televisores da CEE o anúncio "Só Frolic faz seu cachorro fazer fezes mais firmes e sadias"? Pois é. Não é pra vocês. Homem que come pedra sabe o intestino e o bolso vazio que tem. Como diria Fausto Wolff, sempre ele: não comer é uma questão de disciplina. 
O fundamental aqui é a boa notícia que eu tinha que dar para a Karen (Minha única leitora. Todos os outros são colegas de blog): o pós-modernismo está acabando. A sociedade está se mobilizando novamente. Uma cachorrata hoje, Diretas Já para Cuba amanhã. 

Cidadania é isso aí.

quarta-feira, 15 de setembro de 2004

SÓ O KAZAA SALVA

Smile é uma música que todos deviam parar o que estão fazendo pra ouvir. É aquele tipo que mete respeito. Talvez seja apenas bonita, mas eu tinha uma versão sobre ela que deixou Smile meio como um mito: Charles Chaplin compôs quando teve uma briga com o governo americano, que o acusou de comunista e tirou tudo o que ele tinha. Então, com uma mão na frente e outra atrás, pobre, desolado, sentou e escreveu: 

Smile, tho' your heart is aching, 
Smile, even tho' it's breaking 
When there are clouds in the sky, 
You'll get by 
If you smile 
Through your fear and sorrow 
Smile - and maybe tomorrow 
You'll see the sun come shining through 
For you. 

Um libelo anti-fossa, pra ecoar pra eternidade. 

Mas segundo intermináveis discussões filosóficas com Petria Bolaños via Messenger na madrugada, Smile foi composta quando a primeira namorada dele morreu. Uma versão ainda mais marcante. Pra acabar com a dúvida, dei um Google (não sei do que seria do jornalismo sem o Google). Sobrancelha esquerda levantada: Chaplin compôs Smile como Modern Times, sem letra, pro filme de mesmo nome. Em 1954, uma dupla criou a letra e a deu pro Nat King Cole cantar (antes disso, João de Barro, o Braguinha, compôs em português uma versão que é de chorar). Foi-se o mito. 

Desculpa, mas eu mantenho meu mito. Me toca aquela veia do fundo, que só se toca de vez em quando, em tempos difíceis. Música é isso. Eu gosto de música em que, se não for profunda em si, o cantor ou a cantora a conduzem de tal forma que você não tem alternativa a não ser encher os olhos. Por exemplo: Roy Orbison cantando Crying e In Dreams. Joe Cocker em You are so Beautiful. Walk after you, Foo Fighters. Elis Regina, em Como Nossos Pais. Essa é clássica. Um compositor medíocre, o Belchior, faz uma música boa, e a cantora faz dela tão vibrante que te faz querer espantar os demônios pelas janelas toda vez em que a escuta. 
Quando as duas coisas se juntam, bate aquela certeza de que você é uma pessoa de sorte por existir e poder dar ouvidos àquela canção. Ian Curtis do Joy Division em Atmosphere. John Lennon em Stand by Me. Pictures of You, The Cure. Disparada, Jair Rodrigues. Calix Bento, Pena Branca e Xavantinho. Beth Carvalho em Andança. 
Enfim, eu passaria a noite descrevendo meus três anos de Kazaa. 
Fica pra próxima. 

sábado, 11 de setembro de 2004

JÁ PODEIS DA PÁTRIA, FILHOS

Por causa de meu TCC, descobri que existiu no Brasil um alemão chamado Schultz-Wencke. Leiam de novo e repitam em voz alta o nome do figurão: Schultz-Wencke. Excluam o personagem e se atenham ao nome dele. Na hipótese de ter sido um nada em vida, resta-lhe o consolo de ter se chamado Schultz-Wencke. Quantas pessoas tem uma certidão de nascimento tão voluptuosa? 
A grande frustração da minha vida certamente é não me chamar Schultz-Wencke. Fosse militar, nosso personagem não poderia começar a carreira em uma patente que não fosse a de general. Dá pra imaginar um cabo chamado Schultz-Wencke? É claro que não. Fosse jornalista, qualquer coisa menor que diretor de redação lhe cairia mal, deixaria a redação triste, com o ar pesado de um ambiente de trabalho que não faz justiça a seus funcionários. E logo em seu primeiro dia, uma manifestação dos colegas de redação exigiria o posto máximo a ele: "Queremos ser comandados pelo camarada Schultz-Wencke". Camarada sim, porque um nome desses não permite tratar-se de uma redaçãozinha qualquer. Teria que ser a de um semanário marxista e panfletário, daqueles perseguidos pela Gestapo, incravado no porão de um pacato asilo na Munique dos anos 30. Algo como Die Revolutiken. E, adicionado a uma morte pomposa, tem-se o mito: "Schultz-Wencke, o símbolo da resistência, sobreviverá ao rolo compressor da História", nos diria o final de um filme qualquer, baseado em uma de suas seis biografias. 
Nada mal também para um político. Vitória na certa em qualquer eleição, de síndico de prédio a Primeiro-Ministro: "Em visita extraordinária, o chanceler Schultz-Wencke foi recebido pelas massas ao desembarcar no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro", diria o speaker da Rádio Nacional. 
"Não, político não dá", já diria a vizinha de Nelson Rodrigues, gorda, patusca e cheia de varizes. Pois digo que o problema é que estão todos acostumados com o anti-glamour da política tupiniquim. Veja por exemplo a nossa prefeita que, para sustentar algum garbo, além de fazer botox se vê obrigada a manter o sobrenome do marido. Não fosse Suplicy, a chamaríamos todos de Marta Smith. Smith?!? Silva, em inglês. Silva é tão pobre que não deveria vir nem com letra maiúscula. Todo Silva é um silva e ponto final. De loira fatal para uma silva em apenas cinco letras. E aquele outro, o mordomo de filme de terror? Serra. Não um machado, não uma picareta: serra. Tá, picareta até que lhe cai bem, mas não vem ao caso agora. E tem mais uma, cujo segundo nome parece ser um adjetivo cabeludo: Luíza Erundina. Imagino um casal brigando, a mulher esbofeteia o marido, e ele, fora de si: 

- Fora de casa agora, sua.......sua.......erundina! 

Era isso o que eu queria dizer: o Brasil terá uma eleição limpa, honesta e diferenciada só no dia em que eu me chamar Schultz-Wencke.

quinta-feira, 9 de setembro de 2004

ESTE MUNDO É UM PANDEIRO

Folha de S. Paulo, 8 de setembro de 2004. Caderno Brasil, seção Painel: 

De ouro 
Rachel Picelli, candidata do PT à Prefeitura de Rio Claro (SP), propõe contra o desemprego distribuir uma galinha caipira a cada morador, transformando o centro industrial em pólo produtor de aves e ovos. 

Fosse eu rioclarense, utilizaria a galinha que me cabe para posterior macumba contra a iluminada criatura que teve essa idéia. 
Cidadania é isso aí.

segunda-feira, 6 de setembro de 2004

AS ILUSÕES PERDIDAS

Como de costume, noite dessas, ao me jogar na cama para dormir, deitei o braço na testa e comecei a divagar sobre coisas importantes. Normalmente é essa a oportunidade em que tento responder questões profundas da humanidade, do tipo "Christopher Lee, como Francisco Scaramanga, foi um vilão mais competente do que Christopher Walken, como Max Zorin, nos filmes de James Bond?", ou então "Mira Sorvino está mais sexy em O Verão de Sam ou em À Primeira Vista?" Enfim, o ser, o tudo e o nada, com ênfase no nada. 
Mas semana passada algo que não estava no script ocorreu. Lembrei dos gibís da Disney que eu comprava quando pivete, sobretudo os do Tio Patinhas. E, ao pensar a respeito, uma constatação que me fez sentar na cama, me tirou o sono e quase me botou o fígado pela boca: a Margarida era uma vagabunda. Sim, uma vagabunda, uma reles rampeira. Margarida era a noiva do Pato Donald, mas era só o Gastão pintar na área e balançar a carteira que, no quadrinho seguinte, dois ou três coraçõezinhos já apareciam em volta da cabeça dela. Como é que eu nunca percebi isso antes? Ela vivia dando voltas na baratinha do Gastão, o que faz da Margarida um clichê da maria-gasolina típica. Meu Deus, não é possível que eu só vim perceber isso uns 13 anos depois do último gibi de Walt Disney comprado. 
Em verdade, eu nunca gostei do Pato Donald. Menos pelo fato dele ser um looser, corno, pau mandado do tio e ter três sobrinhos mais espertos do que ele, mas sobretudo por não compreender uma palavra do que ele dizia. Pra mim, episódio bom do Duck Tales era quando o Donald pouco se manifestava. Assim eu entendia o enredo. Mas também não gostava do Gastão, porque ele tinha aquele cabelo ridículo de quem dorme com bobs. Eu gostava mais do Peninha, que pouco aparecia, apesar de seu aspecto hostil nos permitir sentir suas axilas em polvorosa. Também achava legal o Professor Ludovico, a Florisbela, o Professor Pardal e a Lampadinha (quando vejo o Leandro e seu cabelo exótico andando com a Karen e sua pequena dimensão, associo logo com o Professor Pardal e a Lampadinha). E, neste hall de personagens simpáticos, estava também a Margarida. Vaca deplorável. 
Depois dessa noite lamentada e mal dormida, só me resta a depressão. Eu devia era ser fã da Marvel. Duvido que tivesse alguma decepção depois de 13 anos. Tira esse sorriso da minha frente, que eu quero passar com minha dor.

quinta-feira, 2 de setembro de 2004

MALANDRO É MALANDRO E MANÉ É MANÉ


Meu caro Bezerra, você apertou, mas se não acender agora não acende mais.

quarta-feira, 1 de setembro de 2004

LIÇÕES PARA TODA A VIDA

Avenida Brigadeiro Luís Antônio, tarde de inverno na capital paulista. Subindo em direção à Alameda Santos vai o infausto estagiário do Fala, que eu te escuto, Felipe Corizza. Ao parar na esquina entre as duas ruas, um sorriso: é o dia que ele tirou para cortar seu cabelo no Soho´s. Desde menino ele almejava tosar as melenas no ponto preferido das suas coleguinhas de classe. E, com hora marcada, nada o impediria de realizar seu sonho pueril naquela tarde. 
Felipe Corizza adentra o recinto quando é prontamente atendido pelo famoso nipo-cabelereiro Sushimura, responsável pelas medeixas de onze entre dez estrelas da Rede Record. O Pastor Dedini pessoalmente recomendou-o a seu estagiário. "O japa é bom!", dizia ele, "O japa é bom!". E lá se foi nosso anti-herói em busca da felicidade capilar. Após acoplar o pandeiro na cadeira, o dito cujo percebeu o nipo-cabelereiro batendo a tesoura no pente: 

- Então, queridão, como vai ser? 

Felipe Corizza alegra-se: 

- Eu quero cortar igual a Salete Lemos. 

Espanto. 

- Igual a... Salete Lemos? 

- Isso mesmo. Igual a Salete Lemos - confirmou Felipe Corizza, enquanto sacudia a toalhinha no colo. 

- Bem...não quero soar hostil... mas... creio que não será possível. 

- Não!!? 

- ÃÃÃ....... não. 

- COMO NÃO?!?!? EU TÔ PAGANDO!!! QUERO MEU CABELO IGUAL AO DO SALETE LEMOS AGORA! 

Os outros nipo-cabelereiros do recinto entreolham-se. 

- Mas é que você... não tem mais cabelo. - replica o apreensivo Sushimura - Desculpa. 

- Eu... não tenho mais cabelo? Que absurdo é esse? É claro que eu tenho cabelo. E quero deixá-lo igual ao da Salete Lemos. 

O cabelereiro pega um espelhinho e o coloca atrás do estagiário: 

- Ó só, ó. 

Felipe Corizza então tem a constatação que mudaria sua vida: no alto de sua cabeça, através do reflexo dos espelhos, seus olhos enxergam apenas um resquício de mata capilar. 

- Mas... eu to careca! 

- Sim. Se quiser, aparo as costeletas e vamo que vamo. 

- Mas você não teria aí uma peruca igual a da Salete Lemos? Eu queria muito me parecer com ela. 

- Desculpa. Fica pra próxima. Encarnação. 

E foi naquela tarde que Felipe Corizza tomou conhecimento de duas grandes lições que carregaria por toda vida: 

1) Ninguém se iguala a Salete Lemos; 

2) O Soho´s não trabalha com perucas.