"Faz mais de um ano que eu não vejo uma barata". Esta foi a frase que me ocorreu às cinco e meia da manhã do último sábado, após sair do banho, acender a luz do quarto e dar de cara com um coleóptero enorme entrando no vão da janela. Eu voltava de uma balada e, com a toalha ainda enxugando o pescoço, sentia o álcool em excesso fazendo efeito. Eu só queria a minha cama. Mas ao ver aquele bicho ali, quieto, só com as antenas em movimento, passei a olhar catatônico para ele em busca de alguma idéia genial. A preguiça veio em primeiro lugar. Pensei com minha toalha (na falta de botões, já que eu estava sem camisa):
- Ok. Não há nenhuma mulher aqui. Agora eu faço de conta que não vi, apago a luz e deito na cama. O bicho se manca, dá meia volta e sai pela janela. E se não fizer isso, qual o problema? A barata não passa de um besourão um pouco maior.
Negativo. Veja aquelas pernas traseiras. Incrivelmente grandes e peludas. Besouros não tem pernas grandes e peludas. Na mesma hora me surgiu em mente a figura do bigode da atendente do Monet, similarmente peludo. Meu estômago revirou, dei meia volta e fui buscar uma vassoura.
A partir daí senti os três momentos que os psicólogos dizem ser os naturais em situações extremas: primeiro, não acreditei que havia um bicho daqueles na minha frente. Segundo, perdi o controle. Xinguei até a quinta geração daquele exemplar coleóptero que posava despreocupado na minha janela e reafirmei minha anti-crença em Deus, porque se ele existisse e fosse bom, não botaria uma barata no meu quarto depois de um porre, quando tudo o que eu queria era dormir na minha cama enorme. E, terceiro, a superação:
- Eu vou matar essa feladaputa.
Peguei um tênis Nike no armário, tamanho 44. Deixei de usá-lo quando deixei de calçar 44, há muito tempo atrás, mas não joguei fora. Sabia que um dia poderia ser útil. E fui pra cima dela, com um tênis na mão e a vassoura na outra. Imaginei a cena patética, alguém me surpreendendo na porta do quarto, tirando foto de mim naquela pose ridícula típica que só os bêbados espreitando baratas de madrugada fazem. Minha testa começou a suar. Sempre a maldita testa. No menor sinal de situação adversa, ela já desanda a pingar. Que conste nos autos: eu odeio a glândula sudorípara da minha testa. Cheguei perto do bicho e assustei. Se eu disser que ele era do tamanho da minha mão, por muito pouco não seria uma mera hipérbole. Foi quando fiz tudo errado: joguei o tênis, errei o alvo e o bicho correu pra debaixo da escrivaninha.
Começa a odisséia. Tirei tudo de cima da mesa, espirrei o Raid por baixo, arranquei gavetas e nada de achar o baratão. Virei a mesa e nada. O bicho certamente chispara para a quarta dimensão ou para a cabeça do John Malkovich. Padre Quevedo não explicaria. Meia hora depois da caça, bandeira branca amor, não posso mais. Peguei meu travesseiro, minha colcha, minha dignidade e fui dormir na sala.
Lá, após deitar no sofá e notar os primeiros raios da manhã, percebi que tudo me olhava. As estatuetas dos cavalos em cima do piano riam de mim. A samambaia americana no teto me olhava de esguio. O buda na estante apertava as bochechas pra esconder a galhofa. E, desprovido de qualquer juízo crítico, levantei e ganhei o corredor de volta me sentindo o próprio Marechal Montgomery durante a invasão da Normandia:
- Ninguém tira a minha cama no sábado pela manhã.
No quarto, arremessei a escrivaninha longe, o que fez a barata correr para o outro lado. Peguei o tênis Nike e o arremessei à longa distância, pegando o bicho em cheio. Foi o ploft mais prazeroso de minha vida. Com o barulho, as luzes dos outros quartos acenderam e ouvi passos. Enquanto eu contemplava sereno a barata em estado líquido sob o tênis, a matriarca dos D´Angelo Vives adentrou o recinto:
- Se você está tendo dificuldades em ser útil a esta hora da manhã, eu posso lhe dar algumas sugestões.
Mas a bronca já não importava. Os sabiás já cantavam em minha homenagem. Aquiles, Sansão, Spartacus e William Wallace, a honra dos grandes guerreiros estava salva. Cara no travesseiro e boa noite.