
Legenda a la Folha de S. Paulo: De maneira branda, policiais espancam um ativista de esquerda em 1968
O Brasil é o país do Fla-Flu, e não é só de futebol que eu estou falando. Não sei como costuma ser em outros países, mas o fato é que aqui no Salvelindo Pendão os diálogos políticos de tendências opostas terminam num grande carnaval do qual a razão vai embora mais cedo, de ressaca.
Veja o caso do já famoso editorial da Folha de S. Paulo do dia 17 de fevereiro. Para criticar o esculacho que virou a revolução bolivariana de Hugo Chavez, o referido jornalão usou a expressão "Ditabranda" para se referir à nossa querida Ditadura Militar que tantas saudades deixou nos porões do inferno. Segue o trecho:
Mas, se as chamadas "ditabrandas" -caso do Brasil entre 1964 e 1985- partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça-, o novo autoritarismo latino-americano, inaugurado por Alberto Fujimori no Peru, faz o caminho inverso. O líder eleito mina as instituições e os controles democráticos por dentro, paulatinamente.
Talvez nunca em momento algum na história recente da Folha de S. Paulo houve uma brecha tão profunda, tão merecedora de uma estupenda traulitada moral sobre o cocuruto dos editorialistas e do próprio Tavinho Frias, que comanda o lojinha herdado de seu pai. Aliás, durante a Ditabranda a Folha era famosa por ceder carros aos milicos durante operações da Oban, que visavam caçar esquerdistas.
Os manda-chuvas folhudos tratam como brando um regime que colocou no pau-de-arara meia esquerda brasileira de então, fossem guerrilheiros, terroristas, guerrilheiros e terroristas ao mesmo tempo, ou simplesmente nenhum dos dois. Torturou e assassinou mulheres grávidas, pagou para camponeses do Araguaia matarem guerrilheiros ali instalados e fez com que os mesmos trouxessem as cabeças deles como prova de que de fato tinham assassinado-os. Jogou o corpo de muitos deles no mar. E eis aqui alguns poucos exemplos da candura com a qual os milicos agiram quando mantinham o puder nos quartéis.
Se mesmo assim o Brasil teve menos ataques às instituições e contra as esquerdas do que seus vizinhos de América Latina, isso se deve menos a meiguice dos quartéis do que a falta de união das esquerdas e sua tradicional capacidade em amarelar na hora H, além, é claro, dos muitos membros dito engajadíssimos que normalmente pregam a revolução socialista sentada na Mercearia São Pedro com uma capirinha de saquê nas mãos.
A resposta ao editorial folhudo veio do ambiente acadêmico e foi mandado via carta para o próprio jornal. Maria Victoria de Mesquita Benevides, professora de Ciências Políticas da USP, e Fabio Konder Comparato, advogado defensor dos direitos humanos desde os tempos da Ditadura, mandaram suas versões, mas não foram publicados. O motivo dado pela Folha: ambos apóiam a ditadura de esquerda em Cuba e, portanto, não merecem muito crédito.
Foi então que a versão de Maria Victoria de Mesquita Benevides acabou publicada em forma de carta aberta na revista CartaCapital (que, juro, já foi uma grande revista). E é aí então que cientista política perdeu a chance única que tinha em mãos ao usar o seguinte argumento:
O que explica essa inacreditável estupidez da Folha? A meu ver, três pontos devem ser levantados: (...) 3. A possível derrota eleitoral do esquema PSDB-DEM, em 2010 (um quarto ponto fica para “divã de analista”: os termos da nota – não assinada – relevam raiva e rancor, extrapolando a mais elementar ética jornalística).
Toda a razão que ela tinha acabou ao reduzir um editorial infeliz em planfeto tucano, o que nem de longe é o caso. Até as ossadas de Perus sabem que Tavinho Frias morre de amores pelos tucanos, mas não foram poucos os peessedebistas perseguidos e cassados pela tal ditabranda. Como praxe nos editoriais da Folha, eles só tentaram um novo rótulo para estar na crista da onda do mundo acadêmico, e mais uma vez terminaram com a pecha de ridículos. Não já qualquer resquício eleitoral neste texto.
No entanto, Maria Victoria foi como um centroavante que teve a chance de cobrar um pênalti contra um arco sem goleiro e chutou para fora. E o exemplo futebolístico não é gratuito: de novo, uma discussão política nesse país acabou como um Fla-Flu. Entre mortos e feridos, morreu todo mundo nesta discussão.
* Foto: Evandro Teixeira (achei no site do PT).
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