quarta-feira, 1 de março de 2006

E NA QUARTA-FEIRA SEMPRE DESCE O PANO

Todo final de carnaval tem um quê espiritual. Bêbados se desentendem com suas garrafas e caem nas sarjetas, que se desentendem com as calçadas, que não chegam a um acordo com as poças dos diversos líquidos que por elas pairam. O Almeidinha que passou cinco dias imitando Nero incendiar Roma se vê obrigado a voltar para seu mundo tatibitati, onde a mulher e a sogra novamente o confudirão com a cômoda antiga da sala. Putas invariavelmente voltam para casa cansadas e chorando pelas vielas vazias. É batata: puta que é puta volta para casa chorando na manhã da quarta-feira de cinzas.

Entendo essas putas porque gosto de carnaval. São 360 dias por ano batendo o maldito ponto do submundo do cais da vida. E onde é que ela vai ser uma normal, dançando com outras mulheres com decotes maiores que o seu, com as coxas para fora mais que as suas, sem que sejam todas chamadas de putas? Na avenida, no bloco, no salão. Lá ela não é puta, é mulher, e pode se atrair e se atracar com um homem e não esperar a gorjeta, mas sim imaginar que ali pode estar o rapagão com quem ela vai juntar os trapos e, enfim, deixar de esperar o trem que o Pedro Pedreiro do Chico passou a vida a esperar também.

Carnaval é coisa de pobre, e, lamento informar, eu gosto de pobre. Gosto de carnaval não só dos porres e das mulheres peladas, mas porque ali no fundo existe essa capacidade de nos permitir ser algo que não somos, mas que gostaríamos um dia poder ser. Mas Chico Buarque (de novo) explicou isso melhor que qualquer no longínquo ano de 1965, em sua primeira composição, Sonho de um Carnaval. Eu deixo pra ele, porque, no fundo, dessas coisas da vida eu não entendo nada:

No carnaval, esperança
Que gente longe viva na lembrança
Que gente triste possa entrar na dança
Que gente grande saiba ser criança

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