
Um fim de semana desses fui assistir ao show de um cover do Jimmi Hendrix, o que considerei uma experiência antropológica de vasto teor arquetipico. Junto dos nativos habituês do recinto, eu, esse candidato a Hans Staden musical.
Espalhados pelos cantos do ambiente, sobretudo as pilastradas, alguns trintões e quarentões vestidos de preto franziam a testa, com claro objetivo de parecerem maus. Na minha humilde visão antropológica, deduzi que fazem parte de uma espécie de roqueiro frustrado. "Eu não fui o roqueiro que achava que seria quando me olhava no espelho aos 15 anos. Logo, franzo a testa pra ficar com cara de mau". Ainda não compreendo essa relação, assim como não entendi essa fixação pelas pilastras do recinto.
Em grupos, de frente pra banda que ia tocar, os cabeludos e espinhentos de 15 a 18 anos. Melenas flertando com os quadris e aquela barba adolescente que ainda não é barba, e sim penugem. Camisas pretas fazendo referência a Ramones, Stratovarius Vision, Type O Negative e, é claro, Metallica. Mais clichê que isso, só avó dizendo pra não esquecer o guarda-chuva ao sair de casa.
E tem os fãs do Raul Seixas. Porque existe no mundo mais fã do Raul Seixas do que a aids e o refrigerente juntos, só pra usar uma expressão falconiana. Mas disso eu falo mais para baixo.
Quando todos estão devidamente entupidos de maconha barata e cerveja Cintra morna, eis que surge o tal cover do Jimmi Hendrix, que nada mais era um sósia do Vampeta, ex-jogador do Curíntia, com uma bandana na cabeça. Quando ele subiu no palco, o antropólogo aqui cometeu um erro grave, pelo qual a academia jamais me perdoaria: influenciei os nativos objetos de meu estudo. Em outras palavras, apontei o dedão pro ilustre e gritei:
- HEY, O JIMMI HENDRIX É O VAMPETA!
Umas dez ou quinze pessoas que estavam ao meu lado acharam simpático esse epíteto, e passaram a usá-lo com freqüência durante o show. E quando o nosso amigo terminou a interpretação vampêtica de Are You Experienced?, um coro se destacou:
- U, JIMMI PETA!! U, JIMMI PETA!! U, JIMMI PETA!!
No final, Jimmi Peta foi ovacionado pelo público, talvez como nunca fora em sua curta carreira de cover do roqueiro e sósia do Vampeta. Saiu aplaudido, porém, desconfio, desmoralizado. Apenas os quarentões com cara de mau continuavam encostados nas pilastas, catatônicos.
***
Pois bem, minha experiência antropológica pelo submundo dos shows de rock em Jundiaí não parou por aí. Quinze dias depois - esta última sexta - fui a um show de blues no mesmo local. Cheguei na metade e gostei do que vi, com exceção da estranha grande quantidade de pessoas com camisas do Raul Seixas. Até os quarentões encontados nas pilastras estavam com camisas do Raulzito, o que lhes conferiu um semblante ainda mais tristonho.
A resposta para tal fenômeno: após a banda de blues, uma banda cover de Raul Seixas, o que me fez sentir uma pontada entre o fígado e a alma. Não tenho nada contra Raul, mas certamente fãs de Raul sucks. E agora, eles iriam gritar "Toca Raul?" pra quem, uam vez que o show era sobre o próprio?
Foi então que eu, anti-antropologicamente, resolvi me vingar.
O guitarrista da banda, péssima por sinal, era exatamente o Kenny G. Não era parecido, nem tinha o ar similar: era o Kenny G. Ouso dizer até que era mais parecido que o Kenny G do que o próprio Kenny G. Foi então que, durante Ouro de Tolo, comecei a gritar:
- TOCA KENNY G!!!! TOCA KENNY G!!!
Poucos risos, muitas caretas para mim. Entre essas, alguns rangidos de dentes e até um "Filhodaputa" foi ouvido. Foi então que meus amigos elegantemente me convidaram para tomar uma Cintra morna lá fora, uma vez que "você é grande mas não é 75".
Mas eu já tinha me vingado. Gritam "Toca Raul!!!" até em velório; subverti o paradigma gritando "Toca Kenny G!" em um show cover do Raul de quinta categoria. Valorizei meu passe, embora minha antropologia tenha uma concepção muito particular.
Os únicos lá dentro que não deram bola para o "Toca Kenny G!" foram os quarentões melancólicos com suas camisas do Raul. Eles permaneceram lá, vis, impassíveis em suas pilastras. Como as pedras que choram sozinhas no mesmo lugar.
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