quarta-feira, 29 de junho de 2005

BREVE HISTÓRIA DO PRINCÍPIO DA HUMANIDADE

"Oi, você vem sempre aqui?"

Primeiro não havia nada. Depois, havia Deus. E Deus disse: "faça-se a luz", e a luz foi feita. E Deus disse: "faça-se o firmamento", e o firmamento foi feito. Aí Deus gostou da idéia e fez um monte de coisa, mas ficou triste porque ninguém admirava sua obra. Coisa de artista. Foi quando no quinto dia ele botou um punhadão de argila no molde e criou Adão, bem ao estilo Ghost mesmo, só que sem a Demi Moore e sem a Unchained Melody. Mas logo a coisa degringolou, porque Adão, embora gente boa, era daqueles sujeitos grudentos. Era Deus o parceiro de Adão no pôquer, era com Deus que Adão discutia o futebol do fim de semana, era com Deus que Adão falava mal do jardineiro do Éden. Tanto encheu os pacovás que pouco tempo depois o Todo-Poderoso criou uma companhia para ele, utilizando-se para isso uma costela e um teco de carne dos glúteos adãonicos. 

E foi neste momento de reluzente inspiração que Deus criou duas coisas que mudaram os rumos da humanidade: a mulher e a hérnia de disco. Uma coisa levou a outra. Adão nunca mais foi o mesmo depois da cirurgia da retirada da costela, e ganhou de brinde uma voluptuosa hérnia. Passou a andar levemente curvado, o que piorou com o tempo. Certo dia, ele sofria tanto com a dor que acabou envergado ao lado de uma árvore, no meio do Éden. Eva, que, nua, colhia figos pelos campos, saiu correndo em direção ao pobre coitado a fim de socorrê-lo. 

Adão ouviu os passos, olhou para o horizonte e pôde enfim sentir o insofismável prazer de ser homem. Suas partes íntimas deram sinal de vida enquanto ele observava aquela escultura a correr exibindo lascivamente suas curvas sinuosas, seus seios aconchegantes e firmes pululando comoventemente envoltos pelo cabelos longos soltos sobre os ombros. O sorriso bobo e provocante. E tinham as coxas, ah as coxas. Dois generosos ramos de carnes esculturalmente delineados que se revezavam com pressa até chegar ao local onde Adão padecia. E quando isso ocorreu, Eva o abraçou, e o ergueu, e o abraçou de novo. 

Adão mordeus os lábios: 

- Até que, pra quem era uma costela há uma semana, você tá bem jeitosinha. 

Apesar do linguajar cafajeste, nove meses depois, nasciam os gêmeos Caim e Abel. Mas não nasceram no Éden, pois este ficava na região central da cidade, onde o preço do condomínio aumentou barbaridade. Desempregado, Adão foi expulso por falta de pagamento e mudou-se com a trupe para a Vila Ré, onde tratou de cuidar dos filhos. 

Em verdade, Caim e Abel se odiavam. O primeiro era Curíntia roxo. O segundo, Verdão. Um queria ser o Magaren, o outro se vestia de Jaspion. Enquanto Caim filiava-se ao PSDB, Abel comprava a boina do Hugo Chavez. Cresceram alimentando esse antagonismo. E, na idade do vestibular, Caim prestou Publicidade. Abel, jornalismo. Ambos passaram em uma faculdade de nível mediano na Avenida Paulista. 

Meses depois, durante a semana de provas, Caim matou Abel ao arremessar-lhe o História da Imprensa no Brasil na cabeça. Nascia ali o neoliberalismo, o PFL, a propaganda das Casas Bahia e a esquistossomose. 

Mas essa já é uma outra História.

quarta-feira, 22 de junho de 2005

POR ISSO CUIDADO, MEU BEM, HÁ PERIGO NA ESQUINA...


- Você sabe que terá um dia feliz quando, ao acordar, sai de roupão no quintal para checar a caixa do correio, e dá de cara com sua nova vizinha, uma morena lasciva à la Catherine Zeta-Johnes, subindo a rua com uma minissaia de provocar rachaduras nas paredes do Vaticano. Com esse frio.


- O Jornal da Gazeta desta noite - sim, o Jornal da Gazeta - dedicou uma reportagem (bem feita) de cinco minutos sobre a vida do filósofo Jean-Paul Sartre, que completaria 100 anos neste 21 de junho. Jornal do inferno são os outros.

- Somente agora, aos 24 anos de idade, compreendi de maneira ampla e límpida o significado da palavra escatologia. Foi neste fim de semana, quando ouvi pela primeira vez o dueto entre Renato Russo e Gabriel o Pensador.


- Um derrame cerebral deixou o simpatissímo General Augusto Pinochet, um dos meus ídolos, a babar freneticamente pelo breve resto de sua existência. Me incomoda que meia dúzia de rancorosos ainda o acusem de ter mandado matar 3 mil pessoas há uns anos atrás. Parentes próximos dele declararam que não agüentam mais vê-lo sofrer o que vem sofrendo nos últimos dez anos. SorryPeriferia homenageia seu guru, o Velho Pinocha, com Lennon e McCartney: And in the end, the love you take is equal to the love you make.


- Fiquei olhando Faiéco subindo na camioneta e desaparecer na esquina. A noite estava limpa, vi que não ia dormir fácil com aquela história atravessada na alma e subi com ela lá pra cima do meu zigurate. Ali fiquei um bom tempo pensando nos caminhos e descaminhos dessa vida. Olha eu, Senhor, olha eu. Tanto sonho e aonde vim parar? Em cima de uma caixa d´água, perdido entre as estrelas, acuado entre a dor das coisas que não são mais e o medo daquelas que não são ainda. Nessa aflição que não sabe se é de aurora ou crepúsculo. Tanta luz naquele céu e eu não conseguia decifrar se na minha vida estava clareando um pouco ou escurecendo de vez.

Trecho de Agora Deus vai te pegar lá fora, do jornalista Carlos Moraes, livro que li há algumas semanas e que coçou devagarinho aquele vão entre o fígado e a alma que existe dentro de cada um. Chupa, Pinochet.

segunda-feira, 20 de junho de 2005

RELATO DRAMÁTICO DE UMA SUBVERSÃO DE PARADIGMA EM EXPERIÊNCIA ANTROPOLÓGICA FRACASSADA

Lá se vão alguns milhões de anos de quando aquele macaco jogou o osso pra cima e a música do 2001: Uma Odisséia no Espaço começou a ecoar pelos quatro cantos do planeta. Deduzo que Stanley Kubrick quis dizer que a música do Richard Strauss foi o primeiro hit que tocou por aí. Mas até esse domingo à noite, pelo menos, nenhuma ranhura rupestre fazendo menção a um top 100 da Era Paleozóica foi descoberta. Digo que, fosse eu um homem de Cro-Magnon nos dias atuais, deixaria para a posteridade nas paredes das cavernas a experiência que é assistir a um show qualquer de rock em uma reles cidade do interior. Sobretudo de bandinha cover. Sobretudo em Jundiaí.

Um fim de semana desses fui assistir ao show de um cover do Jimmi Hendrix, o que considerei uma experiência antropológica de vasto teor arquetipico. Junto dos nativos habituês do recinto, eu, esse candidato a Hans Staden musical.

Espalhados pelos cantos do ambiente, sobretudo as pilastradas, alguns trintões e quarentões vestidos de preto franziam a testa, com claro objetivo de parecerem maus. Na minha humilde visão antropológica, deduzi que fazem parte de uma espécie de roqueiro frustrado. "Eu não fui o roqueiro que achava que seria quando me olhava no espelho aos 15 anos. Logo, franzo a testa pra ficar com cara de mau". Ainda não compreendo essa relação, assim como não entendi essa fixação pelas pilastras do recinto.

Em grupos, de frente pra banda que ia tocar, os cabeludos e espinhentos de 15 a 18 anos. Melenas flertando com os quadris e aquela barba adolescente que ainda não é barba, e sim penugem. Camisas pretas fazendo referência a Ramones, Stratovarius Vision, Type O Negative e, é claro, Metallica. Mais clichê que isso, só avó dizendo pra não esquecer o guarda-chuva ao sair de casa.

E tem os fãs do Raul Seixas. Porque existe no mundo mais fã do Raul Seixas do que a aids e o refrigerente juntos, só pra usar uma expressão falconiana. Mas disso eu falo mais para baixo.

Quando todos estão devidamente entupidos de maconha barata e cerveja Cintra morna, eis que surge o tal cover do Jimmi Hendrix, que nada mais era um sósia do Vampeta, ex-jogador do Curíntia, com uma bandana na cabeça. Quando ele subiu no palco, o antropólogo aqui cometeu um erro grave, pelo qual a academia jamais me perdoaria: influenciei os nativos objetos de meu estudo. Em outras palavras, apontei o dedão pro ilustre e gritei:

- HEY, O JIMMI HENDRIX É O VAMPETA!

Umas dez ou quinze pessoas que estavam ao meu lado acharam simpático esse epíteto, e passaram a usá-lo com freqüência durante o show. E quando o nosso amigo terminou a interpretação vampêtica de Are You Experienced?, um coro se destacou:

- U, JIMMI PETA!! U, JIMMI PETA!! U, JIMMI PETA!!

No final, Jimmi Peta foi ovacionado pelo público, talvez como nunca fora em sua curta carreira de cover do roqueiro e sósia do Vampeta. Saiu aplaudido, porém, desconfio, desmoralizado. Apenas os quarentões com cara de mau continuavam encostados nas pilastas, catatônicos.

***

Pois bem, minha experiência antropológica pelo submundo dos shows de rock em Jundiaí não parou por aí. Quinze dias depois - esta última sexta - fui a um show de blues no mesmo local. Cheguei na metade e gostei do que vi, com exceção da estranha grande quantidade de pessoas com camisas do Raul Seixas. Até os quarentões encontados nas pilastras estavam com camisas do Raulzito, o que lhes conferiu um semblante ainda mais tristonho.

A resposta para tal fenômeno: após a banda de blues, uma banda cover de Raul Seixas, o que me fez sentir uma pontada entre o fígado e a alma. Não tenho nada contra Raul, mas certamente fãs de Raul sucks. E agora, eles iriam gritar "Toca Raul?" pra quem, uam vez que o show era sobre o próprio?

Foi então que eu, anti-antropologicamente, resolvi me vingar.

O guitarrista da banda, péssima por sinal, era exatamente o Kenny G. Não era parecido, nem tinha o ar similar: era o Kenny G. Ouso dizer até que era mais parecido que o Kenny G do que o próprio Kenny G. Foi então que, durante Ouro de Tolo, comecei a gritar:

- TOCA KENNY G!!!! TOCA KENNY G!!!

Poucos risos, muitas caretas para mim. Entre essas, alguns rangidos de dentes e até um "Filhodaputa" foi ouvido. Foi então que meus amigos elegantemente me convidaram para tomar uma Cintra morna lá fora, uma vez que "você é grande mas não é 75".

Mas eu já tinha me vingado. Gritam "Toca Raul!!!" até em velório; subverti o paradigma gritando "Toca Kenny G!" em um show cover do Raul de quinta categoria. Valorizei meu passe, embora minha antropologia tenha uma concepção muito particular.

Os únicos lá dentro que não deram bola para o "Toca Kenny G!" foram os quarentões melancólicos com suas camisas do Raul. Eles permaneceram lá, vis, impassíveis em suas pilastras. Como as pedras que choram sozinhas no mesmo lugar.

terça-feira, 14 de junho de 2005

HÁ UM POETA EM CADA UM DE NÓS

Há quase um ano eu era aluno de uma faculdade cujo nome não me lembro. Chegava às nove e meia da manhã na aula, com o cabelo desgrenhado e olheiras que denunciavam a separação traumática do travesseiro. Partia uma hora depois, não mais que isso, não sem antes fazer um intervalo pra comer o pior pão-de-queijo do mundo naquele trigueiro terceiro andar.

Certa vez, um professor-bonsai pediu para que montássemos pautas para uma revista cujo público-alvo seria composto por mulheres grávidas. Cheguei atrasado, como de praxe, e com as olheiras e o desinteresse habituais.

Porém o tema me fascinou. Um júbilo tomou de assalto minha alma jornalística, e procrastinei as olheiras para depois do expediente. O Guimarães Rosa que existia dentro de mim tomou vida e criou algumas pautas. Seguem algumas, que estavam guardadas em minha caixa de e-mails desde 13 de agosto do ano passado, que foram rabiscadas em papel durante a aula, enquanto os cdf´s ouviam o professor-bonsai.

REVISTA BARRIGA FELIZ

PAUTAS:

"QUERIDO, SEU IDIOTA, EU ESTOU COM FOME" - os lugares que vendem mocotó, macaxeira e feijoada de feijão branco 24 horas por dia nas principais capitais do país. - Mais: que partes chutar quando ele finge que não está te ouvindo e continua a dormir? O que fazer quando ele te tranca no banheiro na quarta madrugada consecutiva que você tem desejos exóticos? Psicólogos comentam.

"MÃE PINGUÇA DÁ A LUZ A PUDIM DE CACHAÇA" - Você gosta de uma cervejinha? Ficou surpresa com a gravidez e não consegue abandonar o vício? Então selecione melhor as bebidas para seu filho nascer pinguço, porém coinesseur. Estilo pode sim andar junto com pobreza: o adeus ao Vinho Chapinha e os melhores maltes escoceses contrabandeados do Paraguai. - Mais: a misteriosa receita da Malencia Atômica que, com altas doses de Curaçao Blue, fará seu filho nascer azul.

"BENHÊ, VOCÊ NÃO É O PAPAI" - Você não foi exatamente uma esposa fiel nos últimos meses? Então está na hora de contar a verdade, ou apelar pro charlatanismo matrimonial: "Você não me ama mais. Vá embora e me deixa ter o meu filho em paz". - Mais: saiba porque a velha desculpa "Fui abordada por cinco negões fortões que me possuíram na chuva em cima do capô de um Passat, como na pornochanchada da Lucélia Santos" não funciona.

MODA: "ESTOU GRÁVIDA OU ISSO É BARRIGA DE CERVEJA?" - Conheça depoimentos de dez mulheres que viveram o trauma de acharem que estão grávidas de trigêmeos quando, na verdade, só estavam um pouco acima do peso. Nutricionistas comentam caso a caso. - Mais: Você ainda não casou? As melhores lojas para noivas com barriga de cerveja.

Quer frilar para a Barriga Feliz? Mande um e-mail agora mesmo para barrigafeliz@sorryperiferiapublishing.com.br e mande uma sugestão de pauta. Não pago, mas também não publico.

quinta-feira, 9 de junho de 2005

É contra mim que luto.

Não tenho outro inimigo.

O que penso, o que sinto,

o que digo, e o que faço,

é que pede castigo e desespera

a lança no

meu braço.


Absurda aliança de

criança e adulto,

o que sou é um insulto

ao que não sou; e combato esse vulto que

à traição me invadiu e me

ocupou.


Infeliz com loucura e sem loucura,

peço à vida outra vida,

outra aventura,

outro incerto destino.

Não me dou por vencido,

nem convencido.

E agrido em mim o homem e o menino.

Miguel Torga. É contra mim que luto.

terça-feira, 7 de junho de 2005


Do Orcutis:

Sorte de Hoje: Você tem um equipamento incomum para o sucesso, use-o corretamente.


Silêncio ensurdecedor.

quinta-feira, 2 de junho de 2005

AS INEBRIANTES TETAS DO PODER

Não veja, não fale, não ouça. Vote.

Não é novidade para ninguém que o PT vive uma crise das brabas. Ninguém lá se entende, e não é para menos. O PT governa com culpa. Foram 20 anos pregando uma coisa, e menos de cinco fazendo justamente o contrário. Daí seus líderes, deputadores e senadores não conseguirem fazer o básico, que é votar coesamente em uma sessão de plenário. A culpa.

O PT é hoje um Renato Russo moral. Dentro dele há quem pose de esquerda revolucionária e quem ternalmente felacie os lobistas do mercado. O médico e o monstro, o estivador e o transformista, a chapeuzinho vermelho e o lobo mau. Tudo ao mesmo tempo agora, no mesmo espaço, no mesmo bat-horário e no mesmo bat-canal. Não é fácil defenestrar toda a sua ideologia em questão de minutos. Enfim, um ambiente criselento, como era a cabeça do ícone loser da Legião Urbana.

Não há dúvidas, a política é transexual. Talvez eu ainda devesse dizer que a política está transexual, mas duvideodó que ela volte a patamares anteriores de compreensão. Mas uma coisa que não consigo entender, por exemplo, porque ultrapassa todos os limites do juízo crítico, é essa frase do ex-companheiro e atual cafetão político José Genoíno, na Bolha de S. Paulo, 21 de maio:
"A oposição tem o direito de querer a CPI (dos Correios). É uma estratégia legítima de fazer disputa política. Está fazendo o que o PT fez no passado. O PT, que agora participa do governo, não deve apoiar uma CPI, mas aguardar as investigações já em curso."

Apertemos a tecla SAP da vergonha. Acredita-se que José Genoíno queira dizer o seguinte:

- Quando a gente tava lá, queria as tetas do poder. Agora que estamos cá, a teta é nossa e conosco não há quem possa. Para os nossos amigos, tudo. Para os nossos inimigos, a lei. Mas a nossa lei.

O mais triste é que essa frase não veio de um Severino qualquer, e sim de um ex-guerrilheiro com um histórico fantástico de luta contra a ditadura militar. Logo, supunha-se que ele também entenda um pouquinho de preceitos éticos. Sim, ética, aquela que, como o Fiat Stilo, ou a gente tem ou a gente não tem (adendo: jogar no mesmo barco a ética e o slogan da propaganda do Fiat Stilo é o que eu chamaria do coice com ferradura de pelica utópico. Fecha adendo). Alguém que muda seus conceitos de política (e, intrinsecamente, éticos) de acordo com qual lado está não é o que pode ser chamado de um sujeito sério.

Por essa e por outras é que cada dia mais este é um assunto que causa caretas nas pessoas. É a bola de neve. Não queremos saber de política, pois nossos políticos são escrotos. Nossos políticos são escrotos porque não queremos saber de política. Acabaremos sozinhos e desiludidos.

Ou, como diria Paulinho da Viola,

"Solidão palavra, cravada no coração, resignado e mudo no compasso da desilusão".

Paulinho da Viola dá de dez a zero no Renato Russo. Dentro deste contexto, infelizmente.

Talvez não seja mera coincidência que Renato Russo seja de Brasília.