quarta-feira, 23 de fevereiro de 2005

CLOSERS, PERTO - E RUIM - DEMAIS

Eu não pretendia me manifestar sobre o dito filme, mas me instigaram. A redação de SorryPeriferia recebeu mais cartas que o Baú da Felicidade, todas pedindo minha opinião sobre Perto Demais. Recebi um e-mail de um famoso crítico de um jornalão de São Paulo dizendo que ele só escreverá sobre o filme depois dos meus comentários. Pessoas me paravam nas ruas, apertavam meu braço a exclamar "Comenta, diabos, comenta!". Fui acordado de madrugada com um telefonema anônimo que dizia "Não agüento mais! Comenta! Comenta!" . Pois benevolentemente comentarei (francamente não sei do que seria da cultura ocidental sem minha análise. Fica aqui a consternação).

Agora oficialmente: queria dizer que não pretendo ofender ninguém com o conteúdo abaixo (exceto o escritor da história?). Há certos exageros e jocosidades das quais não abro mão, mas que não quer dizer que eu pretenda humilhar quem porventura tenha gostado dele. Também queria deixar claro que essa aqui é só minha opinião, e que não considero ninguém pior só porque pensa diferente de mim (gostaria que isso já fosse óbvio o suficiente, mas não custa reforçar).

Pois bem. Posto o intróito - ui - teçamos alguns comentários sobre a referida película.

Perto Demais trata de um swing entre dois casais, que no intervalo de alguns anos fazem de tudo entre si - só não rolou homem com homem e mulé com mulé. Temos a stripper, vivida por uma atriz convincente - a gostosinha que era a princesa feinha de Guerra nas Estrelas -, o médico onanista, interpretado por um ator bastante razoável, uma songa-monga vivida pela também songa-monga Julia Roberts e um escritor loser, na realidade o sofrível Jude Law. O enredo se passa em Londres bem como poderia se passar no Leblon, palco preferido pela Globo em novelas das oito e filminhos similares. A associação com a Vênus Platinada não é mera coincidência: por um momento achei que a assinatura de Manoel Carlos saltaria dos créditos. Botemos o Marcelo Anthony como o escritor loser, Giovana Antonelli como a songa-monga, Marcos Ricca como o doutor-punheteiro e a Débora Duarte como a stripper e -voi là - temos uma mercadoria do núcleo Guel Arraes. O elenco é pouco melhor que o da Globo. E o enredo, bem, vamos chegar lá.

Logo de início, uma cena comum onde o escritor loser conhece a stripper. Nada de anormal, não fosse a música melada que borrifa os tímpanos com um mau gosto ímpar, a ponto d`eu perguntar por meu disk-man. Melada mesmo, coisa de matar diabético. Não sei quem canta, é uma espécie de Odair José do Alabama que o roteirista prossivelmente encontrou em algum bar de beira de estrada nos States. Após o incidente auditivo, o filme mostra como todo mundo conhece todo mundo e desanda quando passa a discutir o amor.

Pois bem, nada contra falar de amor. Muito pelo contrário, desde que bem feito. O universo feminino da questão é bem retratado pela personagem da stripper gostosinha. E só. A Julia Roberts é songa-monga e não quer dizer muita coisa (a confusão entre a personagem e a atriz nessa citação é proposital). Infelizmente, o universo masculino fica restrito a um filhodaputa e a um ogro punheteiro, que não se cansam de ter atitudes estúpidas, o que simplifica a relação homem-mulher ao extremo. É muito, mas muito fake um homem torrar os pacovás da cônjuge pra saber se o cara que ela estava antes a fez gozar mais do que ele e a perguntar detalhes sobre o coito com o "rival". Grande parte dos conflitos do filme é isso. Duvido que Kenneth Starr tenha feito tanto no interrogatório da Monica Lewinsky. Junto disso, os diálogos forçados dos momentos de briga, os clichês (as eternas barba por fazer e gravata desarrumada quando os caras estão por baixo) dão ao filme um ar patético, aquela sensação de que poderia ser melhor. Como falar de amor sendo tão simplista quanto ao universo masculino? É o mesmo que narrar um jogo de futebol fazendo a cobertura de apenas um dos times. Quanto ao outro time, o narrador diz apenas que são onze ogros chamados Gilmar Fubá. A certa complexidade existente na personagem da stripper (sustentada também pela boa atuação da ex-feinha) é substituída, no universo masculino, pela profundidade de uma chapa de hamburguer (Maurício copyright).

No fundo, comercialmente entendo isso. Acho até que seja proposital. Perto Demais foi feito para que o público feminino, sobretudo classe média, se identifique. Aquela mulher de trinta e poucos anos que guarda um rancor de um amor antigo, a recém-divorciada traída pelo marido, enfim, todos esses elementos são sugados pelo enredo fácil e simplista. Mesmo que elas não percebam isso, mesmo que elas não queiram isso, há a identificação com a personagem da stripper e a sensação repelente quanto ao machão rudimentar. Aí vem o alívio de saber que elas não são as únicas a passar por isso, e as conclusões de que todos os homens são iguais, que o amor é impossível, que os homens não entendem as mulheres e outros clichês que assolam toda semana a caixa postal do Pai Bidú. Isso é perfeitamente natural no cinema, nesse filme em relação às mulheres, o mesmo ocorrendo em outros em relação aos homens. O cinema vive dessa identificação natural, muito disso na base do clichê.

Enfim, o filme não é de todo ruim - é bem filmado, sobretudo a conversa pela internet e alguns relances de pontos cruciais dos diálogos - mas é simplista demais. Está alinhado com Laços de Família e Por Amor na facilidade errônea da trama e de contextos. Ou como diria um acadêmico de esquerda: "É a representação dos integrados contra o legado epifânico dos apocalípticos, em um mundo onde a representação burguesa desconstrói valores absolutos, logo fazendo da película prontamente indicada para as leitoras da Readers Digest e ideal para as empregadas domésticas porto-riquenhas dos Estados Unidos".

Fica aí a contra-indicação.

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