quinta-feira, 3 de junho de 2004

SEM RIDÍCULO NÃO HÁ TANGO

Certa vez houve, aqui mesmo, uma Grande Exposição de Gado. Quando o júri anunciou os vencedores, foi uma apoteose. Eu, garotinho dos meus seis, sete anos, estava lá. Era a época em que todas as crianças se vestiam à marinheira. Não há como descrever o impacto da vaca premiada. Do seu beiço pendia a baba elástica do narcisismo.

 Eu temo pelo romancista, ou cientista, ou bacteriologista brasileiro que receba, um dia, o seguinte telegrama: "Ganhaste o prêmio Nobel. (a) Academia Sueca". Podemos imaginar a cena. O Gênio nacional está em sua casa vendo televisão e, possivelmente, o Chacrinha. A seus pés está uma bacia de pipocas. O caçula põe o dedinho no nariz. E, súbito, batem à porta. É o telegrama. E o Gênio Brasileiro sabe que ganhou o prêmio Nobel. Pode tombar, cravejado de brilhantes. Mas vamos admitir que sobreviva. Instantaneamente estão alteradas todas as suas relações com o Universo. Ele vai reagir exatamente como a vaca premiada. Vejam agora o Gênio, em plena academia, recebendo o prêmio Nobel das mãos do próprio rei. Das duas uma: ou sai de maca, ou sai de rabecão.

Nelson Rodrigues, em O Remador de Ben Hur (O Globo, 2/4/1969). Coletânea de Ruy Castro.

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