terça-feira, 17 de março de 2009

O BRASIL, O PISCA-ALERTA E A LEI DO MAIS TOSCO

Uma das coisas que mais me assustam é notar que aquele velhinho ranheta que distribui bengaladas nas crianças no parque um dia pode ter sido um doce de pessoa. As razões que transformam jovens tranquilos em idosos insuportavelmente chatos vão desde a questão hormonal e física - as coisas começam a funcionar mal conforme vamos envelhecendo e isso não é legal - até as desilusões que a vida nos presenteia: aos 20 você sonhava em mudar o mundo, plantar uma árvore e ter um filho; aos 60 você se dá conta que o mundo te mudou, você comprou um casaco de pele Taillissime pra sua mulher e constantemente surpreende a si mesmo perguntando ao espelho do motivo de não ter comprado um cachorro ao invés de ter 3 filhos.

Agora que estou prestes a completar 28 anos e as três décadas de idade já começam a me acenar ali da esquina, as primeiras desilusões começam a aparecer - e, acima de tudo, espero que não sejam muitas até o (distante) final da minha vida. Acho que minha primeira grande desilusão foi com esse nojoso e pusilânime costume a que a subnitrato de pó de repórter Glória Maria tanto vangloria: o jeitinho brasileiro.

Quero explicar para o simpático leitor que porventura tenha a honra de não conviver com o que estou falando: jeitinho brasileiro é quando você burlar leis ou regras para se dar bem, sorri marotamente para os outros e fica extremamente bem consigo mesmo por ter obtido êxito na empreitada, mesmo quando isso prejudique outra pessoa, ou um conjunto de pessoas, ou uma sociedade inteira. O jeitinho brasileiro é a pequena corrupção, é a vitória do "eu" sobre o "nós". Teve origem quando a única lei da terra de Veracruz era a Lei do Mais Forte. Tornou-se hoje a Leia do Mais Tosco.

O ambiente mais aconchegante para o brasileiro demonstrar sua incrível habilidade em ser um filhodaputa é o trânsito. E vou mais longe: a alma do brasileiro está no pisca-alerta. Você pode julgar o caráter de uma pessoa pela forma como ela utiliza o pisca-alerta do carro.

Assim sendo, aquela senhora não tem o menor pudor em ligar o pisca-alerta do seu Fiat Dobló e parar em fila dupla na frente da escola dos filhos, mesmo que isso cause um congestionamento de 15 quilômetros em toda região. Você passa ao lado dela, xinga, e ela ergue o vidro, liga o ar-condicionado e finge ouvir a Alpha FM enquanto os filhos não chegam. Não importa que os 10 minutos que ela passou ali, observando o pisca-alerta acender e apagar, acender e apagar, acender e apagar, piorou a vida de um bairro inteiro num fim de tarde. O que importa é que os filhos dela não precisaram dar mais que dez passos para sair da escola e entrar no carro. Ela sabe que a chance de um marronzinho passar ali naquele período é pequena e ela permanecerá impune e fará de novo. Esta senhora é uma corrupta monumental.

Perceba: o brasileiro típico crê piamente que o pisca-alerta lhe dá a autoridade de um tzar russo. Você liga o pisca-alerta e, tchanans!, pode fazer qualquer coisa, burlar todas as leis, rasgar o código de trânsito. Assim sendo, quando um engarrafamento ocorre na estrada, o que faz o brasileiro típico de qualquer classe social? Liga o pisca-alerta e, tchanans!, se transforma no Super-Brasileiro Típico, o que corresponde a cair para o acostamento e acelerar, às vezes rindo dos trouxas que estão obedecendo as leis parados ali na pista. Então quando o Super-Brasileiro Típico passa no acostamento do seu lado com o pisca-alerta acendendo e apagando, você grita "Que você morra com sucessivas cãimbras nas partes íntimas, seu filho de um tatu-anão com um fusca!", ele esboça um sorriso, debochado. Ele sabe que a chance de ser multado é ínfima e fará de novo, porque compensa. Este sujeito não pode falar mal de Paulo Maluf. Esse sujeito é Paulo Maluf. Esse sujeito é um corrupto monumental.

Sabe, fino leitor, essas pequenas grandes coisas cansam e só as vejo aumentar, nunca diminuir. Lembrei de uma coisa que dará o desfecho final deste post: a CartaCapital publicou no último carnaval uma ótima reportagem sobre os arquivos de Charles Darwin de quando ele passou aqui em Terra Brasilis. Entre outras pouco edificantes palavras, disse Darwin sobre os brasileiros: "Ignorantes, covardes e indolentes ao extremo; hospitaleiros e bem-humorados enquanto isso não lhes causar problemas; temperados, vingativos, mas não explosivos". Era 1831 e o biólogo inglês descrevia ali o jeitinho brasileiro. O homem era um gênio mesmo. E nós, desconsoladamente corruptos.

segunda-feira, 9 de março de 2009

NA CALADA DA NOITE, UMA CHULETA MAL SUCEDIDA

Nitidamente irritado por conta do gol que Ronaldo Picanha marcou contra o meu time aos 47 do segundo tempo, após o goleiro ter saído a caçar borboletas em uma bola aérea, saí do meu plantão em busca de vingança, o que, no meu caso, consiste em comer uma chuleta ao alho e tomar um porre em plena meia-noite. Eu realmente sou um cara moderno.

Estacionei Wantuir, meu carro, na frente da Esquina do Fuad, no Santa Cecília, que é pertinho de casa e é um dos meus bares prediletos, embora seja caro, sujo, exibe um festival de erros de português no cardápio e mantenha retratos na parede do dono com figuras espúrias da política brasileira: Maluf, Conte Lopes, etc.

Enquanto tomava um açude de cerveja para combater o calor e a mágoa que Ronaldo Picanha me causou, raspava pão no azeite a esperar que a chuleta ficasse pronta. Foi quando Pedro Bial e sua cara de intelectual que toma um porre de Smirnoff Ice enquanto lê O Monge e o Budista deu as caras na TV que tive um pressentimento avassalador: "essa chuleta vai descer quadrada esta noite".

Menos de dois minutos depois de eu saborosamente passar a garfar a chuleta, silêncio no bar. Todos os rostos se voltavam para a calçada. O braseiro saiu de seu posto e foi junto dos outros garçons na porta do bar para ver uma briga entre um cara sem camisa e um de regata. Passei a ouvir gritos de "Filhodaputa! Cê vai morrer, lazarento!", e outras frases de extrema expressão artística.

Nestas horas eu gosto é de filosofar. Virei para minha chuleta e, com olhar reluzente, citei uma frase do maior de todos os cantores, Nelson Ned: "E tudo passa, e tudo passará", o que, naquele contexto, quis dizer que eu iria continuar a nababescamente digerir minha chuleta porque em poucos minutos os bêbados da calçada parariam de brigar.

Ledo engano. Dez minutos de briga, correria no bar. Uma mulher gritava "DANILÃO, PÁRA COM ISSO, DANILÃO!!!", enquanto aqueles "PLOFTS!" típicos do seriado do Batman apareciam ao redor da porta. Duas adolescentes correram para o banheiro chorando. Um japonês velho entrou mancando gritando pra todas as mesas: "O cara tá armado! O cara tá armado!", e todos passaram a pedir a conta ao mesmo tempo. Não que os garçons fossem trazer: eles estavam ocupados na calçada a observar o briga das toupeiras.

Os tiros, se acaso ali estivessem, certamente saíram pela culatra, uma vez o silêncio voltou à tona e, em poucos minutos, passei a ouvir uma fantástica manifestação de ironia coletiva: os dois caras discutiam na calçada e o bar inteiro cantava, em coro: "BEIJA! BEIJA! BEIJA! BEIJA!".

Pois bem, a polícia chegou, o Danilão continou tentando matar o outro sujeito, eu terminei minha chuleta e pedi a conta. Na hora de pagar, cheguei perto de um garçom que é a cara do Marcelinho Carioca:

- É por causa de mulher?

E ele, simplório:

- Mulé? Há! O negócio aí deve ser pinto. Tudo bichona, seu Alemão, tudo bichona!

Depois da conta paga, fui em direção ao meu carro, na esquina contrária de onde estava a correria. Foi quando um sujeito bêbado sem camisa - seria o Danilão? - começou a tentar tirar algo da cueca. Alguém gritou "ELE VAI TIRAR A ARMA!". Os policiais se abaixaram atrás da porta igualzinho nos filmes americanos. Eu, por minha vez, me atirei atrás do carro e esperei o sujeito descarregar a arma, o que não aconteceu. Quando olho de volta, a namorada do sujeito tava tirando a mão dele dali e colocando-o dentro do carro. Ele não tinha arma, e sim tentou - não sei se conseguiu - tirar sua parafernália genital para fora e mostra-la ao sujeito com quem estava brigando.

Enquanto eu entrava no carro, com a chuleta já dando indícios de nervosismo em meu estômago, olho para o mesmo garçom, que me sorri:

- Não falei, seu alemão? O negócio ali é pinto! Tudo bichona!

Na próxima vez, afogo as mágos num restaurante vegetariano. Deve ser mais seguro.

sexta-feira, 6 de março de 2009

ENLARGE YOUR PENIS - OS MELHORES SPAMS DE VIAGRA E AFINS

Segue aqui uma pequena coletânea com alguns dos melhores títulos de e-mails com propaganda de soluções para a disfunção erétil e a pequenez fálica.

Todo o conteúdo abaixo foi recebido nas últimas duas semanas. A tradução é aproximada:

Embarassed with your lovestick size?
Embaraçado com o tamanho do seu bastão do amor?

Women hate men with tiny tools
Mulheres odeiam homens com ferramentas pequenininhas

Does your manhood look shrivelled?
Sua masculinidade parece encolhida?

She'll suck it like a popsicle
Ela vai chupá-lo como a um pirulito

No stupid exercises, just a miracle tablet
Nada de exercícios estúpidos, apenas um comprimido milagroso

6 inchs of steel
6 polegadas de aço

Chicks dig big dick guys
Garotas se empolgam com rapazes de pinto grande

So hard and long even when flaccid
Tão grande e comprido mesmo quando flácido

A bazooka in my pants
Uma bazuca em minhas calças

Making her beg for more
Fazendo-a implorar por mais

Forget the vibrator when you have this
Esqueça o vibrador quando tiver isto

Get armed for a new love battle
Esteja armado para mais uma batalha do amor

Be the biggest boy in the locker room
Seja o maior garoto do vestiário

She'll be instantly wet once she sees this
Ela vai ficar instantaneamente molhada quando vir isso

Double your bedroom partners today
Dobre suas parceiras de cama hoje

Show off your new longer rod ASAP
Exiba sua nova verga rapidão

Pop her cherry
Estoure a cereja dela

Perceba como a estratégia para cativar o público-alvo vai da sutileza - "Get armed for a new love battle" - ao escracho - "A bazooka in my pants" -, passando pelo trauma do adolescente americano médio - "Be the biggest boy in the locker room".

Os spammers inteligentemente se lembram que as mulheres também recebem estes e-mails: ao menos um deles é um recado àquelas que têm parceiros nesta situação - "Forget the vibrator when you have this".

Na opinião deste modesto avaliador de spams, a melhor frase é "Pop her cherry". Tenta - mas não consegue - ser sutil ("cereja") e, ao mesmo tempo, tem um rompante tosco ("estoure").

Dar título a spams de viagra e afins deve ser uma profissão muito divertida.

terça-feira, 3 de março de 2009

A DITADURA ABRANDADA, E DE COMO A ESQUERDA BABOU NA GRAVATA MAIS UMA VEZ


Legenda a la Folha de S. Paulo: De maneira branda, policiais espancam um ativista de esquerda em 1968

O Brasil é o país do Fla-Flu, e não é só de futebol que eu estou falando. Não sei como costuma ser em outros países, mas o fato é que aqui no Salvelindo Pendão os diálogos políticos de tendências opostas terminam num grande carnaval do qual a razão vai embora mais cedo, de ressaca.

Veja o caso do já famoso editorial da Folha de S. Paulo do dia 17 de fevereiro. Para criticar o esculacho que virou a revolução bolivariana de Hugo Chavez, o referido jornalão usou a expressão "Ditabranda" para se referir à nossa querida Ditadura Militar que tantas saudades deixou nos porões do inferno. Segue o trecho:


Mas, se as chamadas "ditabrandas" -caso do Brasil entre 1964 e 1985- partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça-, o novo autoritarismo latino-americano, inaugurado por Alberto Fujimori no Peru, faz o caminho inverso. O líder eleito mina as instituições e os controles democráticos por dentro, paulatinamente.


Talvez nunca em momento algum na história recente da Folha de S. Paulo houve uma brecha tão profunda, tão merecedora de uma estupenda traulitada moral sobre o cocuruto dos editorialistas e do próprio Tavinho Frias, que comanda o lojinha herdado de seu pai. Aliás, durante a Ditabranda a Folha era famosa por ceder carros aos milicos durante operações da Oban, que visavam caçar esquerdistas.

Os manda-chuvas folhudos tratam como brando um regime que colocou no pau-de-arara meia esquerda brasileira de então, fossem guerrilheiros, terroristas, guerrilheiros e terroristas ao mesmo tempo, ou simplesmente nenhum dos dois. Torturou e assassinou mulheres grávidas, pagou para camponeses do Araguaia matarem guerrilheiros ali instalados e fez com que os mesmos trouxessem as cabeças deles como prova de que de fato tinham assassinado-os. Jogou o corpo de muitos deles no mar. E eis aqui alguns poucos exemplos da candura com a qual os milicos agiram quando mantinham o puder nos quartéis.

Se mesmo assim o Brasil teve menos ataques às instituições e contra as esquerdas do que seus vizinhos de América Latina, isso se deve menos a meiguice dos quartéis do que a falta de união das esquerdas e sua tradicional capacidade em amarelar na hora H, além, é claro, dos muitos membros dito engajadíssimos que normalmente pregam a revolução socialista sentada na Mercearia São Pedro com uma capirinha de saquê nas mãos.

A resposta ao editorial folhudo veio do ambiente acadêmico e foi mandado via carta para o próprio jornal. Maria Victoria de Mesquita Benevides, professora de Ciências Políticas da USP, e Fabio Konder Comparato, advogado defensor dos direitos humanos desde os tempos da Ditadura, mandaram suas versões, mas não foram publicados. O motivo dado pela Folha: ambos apóiam a ditadura de esquerda em Cuba e, portanto, não merecem muito crédito.

Foi então que a versão de Maria Victoria de Mesquita Benevides acabou publicada em forma de carta aberta na revista CartaCapital (que, juro, já foi uma grande revista). E é aí então que cientista política perdeu a chance única que tinha em mãos ao usar o seguinte argumento:


O que explica essa inacreditável estupidez da Folha? A meu ver, três pontos devem ser levantados: (...) 3. A possível derrota eleitoral do esquema PSDB-DEM, em 2010 (um quarto ponto fica para “divã de analista”: os termos da nota – não assinada – relevam raiva e rancor, extrapolando a mais elementar ética jornalística).


Toda a razão que ela tinha acabou ao reduzir um editorial infeliz em planfeto tucano, o que nem de longe é o caso. Até as ossadas de Perus sabem que Tavinho Frias morre de amores pelos tucanos, mas não foram poucos os peessedebistas perseguidos e cassados pela tal ditabranda. Como praxe nos editoriais da Folha, eles só tentaram um novo rótulo para estar na crista da onda do mundo acadêmico, e mais uma vez terminaram com a pecha de ridículos. Não já qualquer resquício eleitoral neste texto.

No entanto, Maria Victoria foi como um centroavante que teve a chance de cobrar um pênalti contra um arco sem goleiro e chutou para fora. E o exemplo futebolístico não é gratuito: de novo, uma discussão política nesse país acabou como um Fla-Flu. Entre mortos e feridos, morreu todo mundo nesta discussão.

* Foto: Evandro Teixeira (achei no site do PT).