quinta-feira, 3 de agosto de 2006

PARA LER DURANTE A PAUSA DESTE BLOGUE

Não consegue lembrar por que entrara na livraria. Lera muito durante anos, mas alguma coisa ocorrera no mundo. Ou fora ele que se afastara da poesia? Pior ainda: talvez a poesia não conseguisse mais tocar o seu coração ou os poetas houvessem perdido a capacidade de iluminar seu caminho. Ao acaso, tirou um livro da estante: A Milésima Segunda Noite. Lembrou das Mil e Uma Noites, na excelente tradução de Richard Burton, e agora se lembrava que fora muito feliz naquele tempo. Depois a vida - ou teria sido a realidade que às vezes confundimos com a vida? - se abatera sobre ele com toda a sua inexorável indiferença. E ele se deixara ir vivendo cercado de compromissos, obrigações, contratos, dívidas. Começou a ler a contracapa do livro que falava de um homem que de repente se via numa livraria lendo a contracapa de um livro chamado A Milésima Segunda Noite. O autor era Fausto Wolff. Já ouvira falar dele. Erea um diretor de novelas de TV. Não, ele não gostava de novelas. Ao seu lado, uma mulher bonita, dona de uma beleza vivida, mas de pazes com a vida. Ele também precisava fazer as pazes com a vida ou fazer com que a vida fizesse as pazes com ele. Observou que a mulher tinha o mesmo livro na mão e lia a mesma contracapa. 

Ela sorriu um sorriso terno e por um momento pensou que choraria, mas começou a rir baixinho e disse para o homem de olhos tristes: 

- O senhor notou que o autor está falando de nós? 

Ele não respondeu. Apenas confirmou com a cabeça. Seus olhos se encontraram, e a perplexidade dele fundiu-se com o mistério dela, e ele foi invadido por uma sensação de leveza que há muito julgara ter perdido. 

Tentou dizer alguma coisa, mas a bela mulher adiantou-se: 

- Não diga nada. Ainda temos mil e uma noites pela frente. 

Fausto Wolff, A milésima Segunda Noite.

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