
Geralmente se reconhece o auge na decadência, nunca durante o próprio auge. É aquele caso do avô que toma duas doses de licor de ovos Dubar a mais, chama o neto de 11 anos pra conversar e diz, mentindo escandalosamente: "Na sua idade é que eu era feliz, porque com a sua idade é que eu dava no couro das menininhas pra valer".
Todo tempo passado é melhor. Corto minhas unhas encravadas se algum rei romano alguma vez teve a sensibilidade de, no auge de seu poder, perceber que aquele fração de tempo tão ínfima para a História representava o auge de sua vida. Mas depois, no presídio, no manicômio ou no Além, o ex-rei tomava a tardia consciência.
Pois não tenho dúvidas de que superei a expectativa de todos os reis romanos ao atingir e notar, ao mesmo tempo, que estava vivendo o auge da minha vida. Foi na noite do último sábado quando, ao morder um borrachento pedaço de pizza de atum com queijo, liguei a TV no programa do Amaury Júnior, filho do famoso Amaury Sênior, que entrevistava a economista e símbolo sexual Zélia Cardoso de Mello. Ainda não consegui medir o impacto de tal fato na minha personalidade em formação, mas duvideodó que terei um momento tão iluminado como esse pela frente.
Desencantado com o que via na TV e pelo preço extorsivo pago pela pizza de borracha, botei no DVD o filme que havia alugado, Estado de Sítio, de Costa-Gavras, com Yves Montand fazendo o papel de um americano que treinava a polícia uruguaia para torturar presos políticos.
O filme é espetacular, como todos do Costa-Gavras, com a exceção de Amém. Mas o que chamou a atenção é a cara de francês de Yves Montand, um baita ator, um baita cantor e um intelectual exemplar. Ouso dizer que nunca houve um francês com tanta cara de francês como Yves Montand. Aposto que se abrissem a goela dele, a campainha teria a forma da Torre Eiffel.
Pois fui dar um google em Yves Montand pra saber quando ele foi tomar champanhe no andar de cima. Caí da cadeira: descobri que o safado nasceu com o nome de Ivo Livi, na Toscana, em 1921. O mais francês dos franceses, aquele que, de bigode, exigia automaticamente uma baguete embaixo do braço, era italiano.
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Yves Montand talvez tenha sido o sujeito mais charmoso do cinema ao lado de Marcelo Mastroianni e de Sean Connery. É uma beleza que os homens se identificam, o famoso "porra, eu queria ser assim". Perto dele, Leonardo Di Caprio é só um Makaulin Culkin mais bichinha. Les feuilles mortes (As Folhas Mortas), sucesso mundial na voz de Yves Montand, é das músicas românticas mais bonitas que se tem notícia.
No currículo de Montand, além do combate aos nazistas e do engajamento político de esquerda durante toda a carreira, ainda há o generoso asterisco de ter mantido um tórrido affair com Marilyn Monroe nas gravações de um filme que fizeram juntos em 1950. Mais um motivo para ter a certeza de que, fosse Montand meu amigo de Orkut, eu lhe acrescentaria uma estrelinha.
No fim da vida, intelectual já consolidado, Montand foi cotado para ser candidato à presidência da França em 1988. Era uma alternativa à esquerda de Miterrand que, como Lula, atolou a França em corrupção após pregar o contrário a vida inteira. Não se candidatou, mas acabou consolidando seu nome e carisma como opção viável para a presidência francesa nas eleições seguintes. Mas eis que chega a roda viva, e carrega o destino pra lá: um enfarte cerrou os olhos de Montand e reservou Jacques Chirrac, uma espécie de Collor de biquinho, para a França.
Eis onde eu queria chegar: assim como eu, tenho certeza de que Yves Montand em todo momento soube apontar seu auge. Eu com minha pizza borrachenta de atum com queijo vendo a Zélia no Amaury Júnior. Ele, por tudo que está descrito acima. Agora só me falta uma Marilyn Monroe.
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