quarta-feira, 30 de agosto de 2006

TUDO QUE LHES PROMETI SERÁ COMPRIDO


Nos anos 20, a atriz Mae West, dentro de um decote que deixava seus seios brigarem entre si por espaço, dançava entusiasticamente com um rapaz empolgado, quando a ele perguntou: 

- Meu caro, você está com um revólver no bolso ou está tentando dizer que me ama? 

Cai o pano.

segunda-feira, 28 de agosto de 2006

AS DEZ MELHORES CANÇÕES DE CHICO BUARQUE

Quem trabalhou na Abril ou simplesmente foi criado lendo coisas por lá editadas acaba acostumando a ranquear tudo que aparece pela frente. Talvez este seja um costume pra lá de ridículo, mas é apenas mais na minha lista de costumes ridículos. 

Tentei organizar uma lista das músicas do Chico Buarque que mais gosto - eis como aproveitei meu domingo, o que considero muito bem aproveitado, diga-se. Separei apenas as músicas que considero sensacionais, excluindo as que ganharam a classificação "muito boa" para baixo. Fiquei com 27 em mãos, o que é só mais uma prova da genialidade do moço que ganhou o clichê "Ninguém entende as mulheres como Chico Buarque" como uma de suas boas definições. 

Eis o resultado: 

10) CONSTRUÇÃO (1971) - Fosse pra eleger as melhores músicas do Chico, essa provavelmente formaria uma trinca junto de Apesar de Você e Roda Viva. Mas como a lista é sobre as que eu mais gosto, entra em décimo lugar, porque é artisticamente impecável, mas não apaixonante como outras. Todas as frases da canção terminam com uma palavra proparoxítona de três sílabas. Essas palavras se alternam nas três partes da música, formando uma construção poética e musical de forte impacto. Como se não bastasse, é a história de um pedreiro que se achava importante demais em sua construção. Só que, ao cair da obra, ele morreu na contramação atrapalhando o sábado, grande lição sobre a relatividade da importância da própria vida. Coisa de gênio, sem dúvida. E fica ainda melhor agregada com Deus lhe Pague no final, relatando o desencarnar da alma do pobre coitado. 

9) GENI E O ZEPELIN (1977-78)- Canção para a peça Ópera do Malandro. Conta a história de uma secretária da beira do cais (pegou o eufemismo?) que dá para rigorosamente todo mundo. Mas eis que chega um zepelim disposto a destruir a cidade, que é um horror (sempre imagino Cubatão como cenário). O comandante, um sujeito boa pinta, desce e diz que só não vai explodir o local se aquela formosa dama lher servir. Essa dama é a Geni. Só que ela, que dá pra todo mundo, não se empolga com o sujeito, o que em muito explica o clichê do Chico realmente entender as mulheres como ninguém (isso é uma provocação, não joguem tomates na tela do PC). A cidade, que sempre joga pedra na Geni, vai aos prantos pedir pra ela passar uma noite com o sujeito. Ela cede aos apelos, mas no dia seguinte todo mundo volta a ralhar com ela. Uma crônica fantástica sobre a porção filhodaputa que mora nalgum canto dentro de todos nós. 

8) JOÃO E MARIA (com Sivuca, 1977) - Agora eu era o herói, e o meu cavalo só falava inglês, cantava Chico e Nara Leão. A melodia medieval composta pelo Sivuca mede a exata sensibilidade de letra de Chico. Um casamento perfeito, como o daquelas duas crianças do enredo da história que brincavam de rei e rainha, contada pelo narrador relembrando os tempos de nostalgia perdida - o tempo passou e ambos nunca mais se viram. Mulheres costumam se desmanchar com essa música. Chupa, Lionel Ritchie. 

7) ATÉ O FIM (1978) - Quando eu nasci veio um anjo safado, um chato de um querubim. Uma versão musicada do gauche da vida do Drummond, muito mais bem humorada. Vai ao fundo com o jargão "quando chove merda não garoa", já que nada dá certo para o protagonista. Mesmo assim, o jeito é continuar. E ele vai até o fim. Inesquecível. 

6) CAÇADA (1972) - Pouco conhecida, o que é uma pena. Foi composta para o filme Quando o Carnaval Chegar, do Cacá Diegues. Tem certa sonoridade de música medieval, como João e Maria, e conta a história de um caçador a espreitar sua caça, ao mesmo tempo que é extremamente erótica: a caça pode ser uma mulher. O jogo duplo é de arrepiar: De tocaia fico a espreitar a fera / Logo dou-lhe o bote certeiro / Já conheço seu dorso de gazela / Cavalo brabo montado em pêlo. O mundo do erotismo precisa conhecer essa música. 

5) O QUE SERÁ (1976) - Para o filme Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Bruno Barreto. A música é noventa vezes melhor que o filme, e pouco tem a ver com ele. É a música certa para crises existenciais, quando você fica triste por tudo de bom que poderia ter ocorrido nessa merda de país, e que você sabe que não vai mais ocorrer. E mesmo o padre eterno que nunca foi lá, olhando aquele inferno vai abençoar. Cantada com o Milton Nascimento, o que faz dela ainda melhor. 

4) MINHA HISTÓRIA (GESUBAMBINO) (Dalla - Palotino - versão de Chico Buarque em 1970) - Canção italiana com versão em português de Chico. Nunca ouvi a original, mas duvido que seja melhor que a em português. Um marinheiro deixou a minha mãe parada, pregada na pedra do porto, com seu único e velho vestido cada dia mais curto. O único sinal do marinheiro é a criança que ela dá a luz, o narrador da história. A mãe, frustrada com a ausência do homem que a amou por uma noite apenas, cria o filho no ambiente do cais e dá a ele o nome de Menino Jesus. Some o órgão ao fundo e vocais do MPB4, e você tem uma dos mais magníficos exemplos de sensibilidade humana. 

3) MULHERES DE ATENAS (com Augusto Boal, 1976) - Composta para a peça de mesmo nome, de Augusto Boal, histórico dramaturgo da esquerda brasileira, co-autor da música. Não estaria em nenhuma outra lista que não a minha. Tenho laços afetivos com ela. A melodia faça por si mesma, preenche todos os espaços de quem abre os ouvidos pra ela. Ao relatar a história das mulheres dos guerreiros da Atenas antiga, a letra é ora feminista, ora feminina apenas. Demoro uns bons vinte minutos pra me recompor ao ouvir esta música. 

2) APESAR DE VOCÊ (1970) - A mais singela homenagem ao ditador Emílio Garrastazu Médici. Samba clássico, aliado ao duplo sentido antológico da letra, que fala de um sujeito que tenta desencanar de um fora e que pode ser entendida como um "tua hora vai chegar" para a Ditadura Militar. Composta em 1970, passou pela censura e o single começou a vender horrores. Até que um militar menos burro entendeu que a coisa era com o Médici, e não só com um sujeito com dor de corno. Junção impecável de melodia, letra e relevância. Provavelmente a mais importante música de Chico Buarque de Hollanda. 

1) RODA VIVA (1967) - Composta para a peça de mesmo nome escrita pelo próprio Chico. Também casa com perfeição a música, e a letra com a relevância história. Um samba cíclico: por mais que as boas coisas simples da vida - o samba, a viola, a mulata, a roseira - tentassem se impor, eis que chega a Roda Viva, e carrega o destino pra lá. A Roda Viva, é claro, era a Ditadura Militar. Foi ao som dessa música que os mackenzistas idiotas do CCC - Comando de Caça aos Comunistas - se juntaram à polícia e invadiram o teatro Galpão, onde era encenada a peça, e bateram nos atores e destruíram o cenário. Roda Viva conta com a sempre bem-vinda participação especial do MPB4 nos vocais de fundo. Minha preferida desde pequeno, trilha sonora pras inúmeras rodas vivas que desde então a gente tenta jogar pra lá.

terça-feira, 22 de agosto de 2006

MUITO ALÉM DO JORDI

Geralmente se reconhece o auge na decadência, nunca durante o próprio auge. É aquele caso do avô que toma duas doses de licor de ovos Dubar a mais, chama o neto de 11 anos pra conversar e diz, mentindo escandalosamente: "Na sua idade é que eu era feliz, porque com a sua idade é que eu dava no couro das menininhas pra valer". 

Todo tempo passado é melhor. Corto minhas unhas encravadas se algum rei romano alguma vez teve a sensibilidade de, no auge de seu poder, perceber que aquele fração de tempo tão ínfima para a História representava o auge de sua vida. Mas depois, no presídio, no manicômio ou no Além, o ex-rei tomava a tardia consciência. 

Pois não tenho dúvidas de que superei a expectativa de todos os reis romanos ao atingir e notar, ao mesmo tempo, que estava vivendo o auge da minha vida. Foi na noite do último sábado quando, ao morder um borrachento pedaço de pizza de atum com queijo, liguei a TV no programa do Amaury Júnior, filho do famoso Amaury Sênior, que entrevistava a economista e símbolo sexual Zélia Cardoso de Mello. Ainda não consegui medir o impacto de tal fato na minha personalidade em formação, mas duvideodó que terei um momento tão iluminado como esse pela frente. 

Desencantado com o que via na TV e pelo preço extorsivo pago pela pizza de borracha, botei no DVD o filme que havia alugado, Estado de Sítio, de Costa-Gavras, com Yves Montand fazendo o papel de um americano que treinava a polícia uruguaia para torturar presos políticos. 

O filme é espetacular, como todos do Costa-Gavras, com a exceção de Amém. Mas o que chamou a atenção é a cara de francês de Yves Montand, um baita ator, um baita cantor e um intelectual exemplar. Ouso dizer que nunca houve um francês com tanta cara de francês como Yves Montand. Aposto que se abrissem a goela dele, a campainha teria a forma da Torre Eiffel. 

Pois fui dar um google em Yves Montand pra saber quando ele foi tomar champanhe no andar de cima. Caí da cadeira: descobri que o safado nasceu com o nome de Ivo Livi, na Toscana, em 1921. O mais francês dos franceses, aquele que, de bigode, exigia automaticamente uma baguete embaixo do braço, era italiano. 

*** 
Yves Montand talvez tenha sido o sujeito mais charmoso do cinema ao lado de Marcelo Mastroianni e de Sean Connery. É uma beleza que os homens se identificam, o famoso "porra, eu queria ser assim". Perto dele, Leonardo Di Caprio é só um Makaulin Culkin mais bichinha. Les feuilles mortes (As Folhas Mortas), sucesso mundial na voz de Yves Montand, é das músicas românticas mais bonitas que se tem notícia. 

No currículo de Montand, além do combate aos nazistas e do engajamento político de esquerda durante toda a carreira, ainda há o generoso asterisco de ter mantido um tórrido affair com Marilyn Monroe nas gravações de um filme que fizeram juntos em 1950. Mais um motivo para ter a certeza de que, fosse Montand meu amigo de Orkut, eu lhe acrescentaria uma estrelinha. 

No fim da vida, intelectual já consolidado, Montand foi cotado para ser candidato à presidência da França em 1988. Era uma alternativa à esquerda de Miterrand que, como Lula, atolou a França em corrupção após pregar o contrário a vida inteira. Não se candidatou, mas acabou consolidando seu nome e carisma como opção viável para a presidência francesa nas eleições seguintes. Mas eis que chega a roda viva, e carrega o destino pra lá: um enfarte cerrou os olhos de Montand e reservou Jacques Chirrac, uma espécie de Collor de biquinho, para a França. 

Eis onde eu queria chegar: assim como eu, tenho certeza de que Yves Montand em todo momento soube apontar seu auge. Eu com minha pizza borrachenta de atum com queijo vendo a Zélia no Amaury Júnior. Ele, por tudo que está descrito acima. Agora só me falta uma Marilyn Monroe.

segunda-feira, 21 de agosto de 2006

JOKERMAN DANCE TO THE NIGHTINGALE TUNE

- Não te assustes, disse ela, minha inimizade não mata; é sobretudo pela vida que se afirma. Vives: não quero outro flagelo. 

- Vivo? perguntei eu, enterrando as unhas nas mãos, como para certificar-me da existência. 

- Sim, verme, tu vives. Não receies perder esse andrajo que é teu orgulho; provarás ainda, por algumas horas, o pão da dor e o vinho da miséria. Vives: agora mesmo que ensandeceste, vives; e se a tua consciência reouver um instante de sagacidade, tu dirás que queres viver. 

Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis. 


Se vives nas sombras, freqüentas porões, 
Se tramas assaltos ou revoluções, 
A lei te procura amanhã de manhã 
Com seu faro de doberman 

Hino de Duran, Chico Buarque. 


Serão os dias mais felizes se Vives junto a mim 
Espero que decidas, é só dizer que sim 

Tenho, Sidney Magal. 


Voltei. Chupa.

quinta-feira, 3 de agosto de 2006

PARA LER DURANTE A PAUSA DESTE BLOGUE

Não consegue lembrar por que entrara na livraria. Lera muito durante anos, mas alguma coisa ocorrera no mundo. Ou fora ele que se afastara da poesia? Pior ainda: talvez a poesia não conseguisse mais tocar o seu coração ou os poetas houvessem perdido a capacidade de iluminar seu caminho. Ao acaso, tirou um livro da estante: A Milésima Segunda Noite. Lembrou das Mil e Uma Noites, na excelente tradução de Richard Burton, e agora se lembrava que fora muito feliz naquele tempo. Depois a vida - ou teria sido a realidade que às vezes confundimos com a vida? - se abatera sobre ele com toda a sua inexorável indiferença. E ele se deixara ir vivendo cercado de compromissos, obrigações, contratos, dívidas. Começou a ler a contracapa do livro que falava de um homem que de repente se via numa livraria lendo a contracapa de um livro chamado A Milésima Segunda Noite. O autor era Fausto Wolff. Já ouvira falar dele. Erea um diretor de novelas de TV. Não, ele não gostava de novelas. Ao seu lado, uma mulher bonita, dona de uma beleza vivida, mas de pazes com a vida. Ele também precisava fazer as pazes com a vida ou fazer com que a vida fizesse as pazes com ele. Observou que a mulher tinha o mesmo livro na mão e lia a mesma contracapa. 

Ela sorriu um sorriso terno e por um momento pensou que choraria, mas começou a rir baixinho e disse para o homem de olhos tristes: 

- O senhor notou que o autor está falando de nós? 

Ele não respondeu. Apenas confirmou com a cabeça. Seus olhos se encontraram, e a perplexidade dele fundiu-se com o mistério dela, e ele foi invadido por uma sensação de leveza que há muito julgara ter perdido. 

Tentou dizer alguma coisa, mas a bela mulher adiantou-se: 

- Não diga nada. Ainda temos mil e uma noites pela frente. 

Fausto Wolff, A milésima Segunda Noite.