(não tem foto)O sinal mais evidente de que você faz parte da engrenagem da decadência da civilização é quando você marca um bar com uma amiga e logo a seguir esquece o local combinado. Não adianta parar e pensar, nem chacoalhar a cabeça para baixo como se tentasse tirar água do ouvido. O melhor a fazer é assumir a derrota de suas sinapses e ligar a cobrar perguntando sobre o que conversaram antes, se o local combinado foi o bar, o escadão, a livraria e... a gente tinha marcado alguma coisa?
Os sinais de decadência estão em todas as partes, nas ruas, campos e construções, como diria Geraldo Vandré (eis a metalingüagem da decadência: um blogue desprovido de utilidade citando música revolucionária dos anos 60 em um post sobre o desbunde das utopias).
Outro dia encontrei com uma tiazona no busão que era rigorosamente o Boris Yeltsin. Nem o próprio Boris Yeltsin era tão parecido com ele mesmo do que a tiazona de quase 80 anos e guarda-chuva segurando o cotovelo. Trata-se de um conceito de decadência de duas vertentes opostas que não se anulam, já que, primeiro, é decadente se parecer com o Boris Yeltsin e, segundo, é decadente encontrar alguém que se parece com o Boris Yeltsin no ônibus a caminho do trabalho.
Tudo isso seria muito se não fosse pouco para alguém que, de quebra, ao voltar do bar com a amiga cujo ponto de encontro esquecera horas antes, ainda dá de cara, à meia noite e trinta e cinco, com um sujeito de 40 anos conversando escandalosamente com seu husky siberiano, que o olhava de soslaio, atônito. O espetáculo seria engraçado não fosse triste, seria esplendoroso não fosse simplório. O husky siberiano, visivelmente fora de forma, bufava acuado com tantas explanações do sujeito que monopolizava a coleira abraçada ao seu pescoço, e o olhava com o olhar de piedade digno de um sertanejo de música do Renato Teixeira, como se perguntasse: "Seu dono, toda essa baboseira... é comigo ou por causa de mim"?
Mas eis que há sempre um alento, há sempre o silêncio charmoso da moça que passa pelas beiradas a tarde inteira com um charme contido, elegante e discreto, tão discreto que é impossível não percebê-lo. Eis então que você esquece a decadência dos últimos dez milhões de anos da evolução da espécie, rouba mais uma dose da vodka que não é tua na geladeira e deixa que o Aldir Blanc faça o resto:
Na cabeceira um relógio À hora mais luminosa Churrascaria aos domingos Dois bombons e uma rosa Apenas quero fazer A necessária ressalva Jamais comente o passado Lembre o conselho de Dalva: Não há xampu, não há creme Que apague ou que desmarque Da tua pele o meu beijo Fedendo a conhaque
Estou bêbado.
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