quarta-feira, 7 de dezembro de 2005

DE MÚSICAS, AVESTRUZES E TRILOBITAS

O universo era uma casca de noz naquele início de anos 80. Ao menos lá em casa. Se o pau comia lá fora com Figueiredo e Niltão Cruz, no quintal de casa quem falava era eu e tava falado, não tinha discussão. Não.

Tenho de música o que provavelmente tenho de vida. Lembro de correr pela casa no sábado à tarde vendo o meu pai ligar o então Technics, o mais poderoso long player da época, com um copo de cerveja na mão. Eu não tinha mais que 4 anos e brincava no quintal sozinho acompanhado pela voz de Maria Creuza, Luiz Ayrão e Noite Ilustrada.

Mas ninguém sabe mais quem foram Maria Creuza, Luiz Ayrão e Noite Ilustrada.
E, por um momento, nem eu.

A partir dos 13 anos, o meu lado avestruz tomou conta da casa, fez o que vem quis e saiu. O avestruz é o bicho que engole qualquer coisa. E lá fui eu ser fã de Roxette. Meu Deus, o que é o Roxette. Crash Boom Bang. Todos os meus amigos ou gostavam de música Dance - versões batistaca de músicas famosas, ao ponto de lançarem o álbum Beatles Dance - ou se vestiam de preto para cultuar a Trilobita Music: Metallica, Guns and Roses, Type O Negative. Trilobita foi um ancestral do homem moderno caracterizado pela boçalidade. Algo como deixar os cabelos cumpridos e fazer cara de mau para compensar as espinhas.

Mas não culpo a nós, avestruzes e trilobitas, já que ouvíamos o que os avestruzes e trilobitas do rádio nos ofereciam, que por sinal cultuaram outros propagadores de avestrulices e trilolbitices, e assim em uma cadeia que é tão óbvia quanto injusta e triste.

Injusta porque eu deixei de ouvir uma quantidade inenarrável de coisas boas que não chegaram até os ouvidos da minha geração. Triste porque todo esse material está fadado aos mofos, felizardos mofos que consumirão os discos antigos de gente como meu pai.

Movido pela pura curiosidade - e talvez um tiquinho de nostalgia - ouvi os discos de meu pai, agora com os ouvidos melhor preparados do que há 20 anos. Há anos comecei, com intensificação maciça nos últimos meses. Foi a coisa mais sensata que fiz nesses 24 anos e 9 meses de existência. O Kazaa foi conseqüência.

O por quê de tudo isso agora, neste blogue que dispõe a bazófia frente a tudo?

Por acaso, muito por acaso, achei uma música absolutamente simples. E bela. Cicatrizes, do Miltinho, cantada pelo MPB 4 em versão de 1972. E me bateu uma tristeza em saber que essa é só mais uma das tantas melodias que eu, se o acaso não me ajuda, não ouviria jamais.
Sou fã de rock e roqueiro por excelência. Mas chupem o rock. Chupem os Beatles, chupem o Bob Dylan. O momento é de reflexão. Porque por melhor que seja o rock, ele não chega aos pés da sonoridade e simplicidade e genialidade do samba.

Para o diabo com o Elvis. Eu fico com os meus:

- Cicatrizes, MPB4
- Partido Alto, Chico Buarque
- Silêncio de um Cipreste, Cartola
- Dança da Solidão, Paulinho da Viola
- Luz Negra, Nelson Cavaquinho (com a Beth Carvalho é a melhor)
- Canto de Ossanha, Vinícius e Baden Powell (melhor com Maria Creuza, Vinícius e Toquinho)
- Naquela Mesa, Nelson Gonçalves
- Andança, Beth Carvalho
- Samba Quadrado, Milton Carlos
- Sonho de um Carnaval, Chico Buarque
- O sol nascerá, Cartola
- Tristeza, pé no chão, Clara Nunes
- Marcha da Quarta-feira de Cinzas, Carlinhos Lyra (com Toquinho e Vinícius é bem melhor)
- Feitio de Oração, Noel Rosa - com Maria Bethânia, mas melhor com Nelson Gonçalves)
- Pecado Capital, Paulinho da Viola
- O sol nascerá, Cartola
- Quando o carnaval chegar, Chico Buarque
- Folhas Secas, de Nelson Cavaquinho, com Beth Carvalho
- Berimbau, Vinícius e Baden Powell
- Ela, Germano Mathias
- Samba de Orly, Chico Buarque, Toquinho e Vinícius

Nenhum comentário: