sexta-feira, 22 de abril de 2005

VIVES RHAPSODY

Invado o apartamento descabelado, feito um cachorro sem dono em assalto a lixeira da padaria. Meu estômago está em qualquer lugar nas costas. Vislumbro de longe o um quarto do pacote de bolacha e sorrio com satisfação. O jantar está garantido. As quatro trakinas murchas e derradeiras de minha despensa descem pela goela uma a uma feito as crianças do clipe de Another Brick on the Wall, que se atiram no moedor de carne, catatônicas.

- Regozije o ruim de hoje para valorizar o péssimo de amanhã.

São durante estes momentos de nababesca fome que penso na vida. Um papa com cara de apresentador do Jornal Nacional dos anos 60. Seria o julgamento de Michael Jackson como os televisores Mitsubishi, que são válidos até a Copa de 2010? Os nossos japas são os tais, e com essa garantia é demais. Por que cargas d´água eu não fiz supermercado de manhã? O que esse sapato deselegante tem contra meu mindinho?

- Words, words, words, doubts, doubts, doubts!

O ócio não-criativo é deselegante e causa conseqüências desagradáveis, como, por exemplo, cantar Johnny Matthis debaixo do chuveiro às duas da manhã. Tonight, tonight, won´t be just any night... Calo, roxo de vergonha, por ser a única testemunha desta ária deselegante. Mais um pouco enfiaria a cabeça no ralo feito um avestruz, em protesto contra o assassinato dessa que é uma das mais belas trilhas sonoras do cinema. Mas de que filme mesmo, cáspita? And for us, the stars will shine, where they are...

Pois é então que escrevo estas palavras com os dedos da galhofa e as teclas da melancolia, e mal sei o que esperar deste conúbio. Vou para Jundiaí, terra da uva, da fofoca e das noitadas perdidas. Casas entre bananeiras, mulheres entre laranjeiras, pomar, amor, cantar. A mulher que sentou ao meu lado no busão usava óculos tão grandes que pensei estar ao lado do Paulo Francis de peruca. E aquela outra que mora no segundo andar, que é a cara do guitarrista do Queen! Lembro da chapadona da festa que perguntou se eu sou um viking. Não um sueco, não um norueguês: um viking. Cogitei a hipótese de ser um fetiche, me imaginando a invadir o quarto dela com roupas medievais e um chapéu com chifres, a gritar:

- Oi, benzinho, vamos invadir a Cornuália esta noite?

Mas pensando melhor no assunto, não era fetiche nem nada da pobre moça. Era apenas uma dose etílica excessiva na corrente sangüínea. Não havia a menor conotação sexual. Felipe Corizza, por exemplo, já fez coisa pior quando estava bêbado, aí sim como tentativa de descabelar o palhaço do garçom do Asterix. Pegou-lhe pelo cós das calças, a sussurrar:

- Meu bem, eu te cobiço.

Eu respeito essa sua opção sexual (embora não compactue com ela), mas tenha um pouco mais de sutileza, meu caro. Nunca bote a mão no joelho e dê uma abaixadinha logo de cara. Pague o champã primeiro, e não se esqueça de tirar o lenço do paletó antes de estourá-lo. Na próxima tente cantar para ele uma música do Johnny Mathis. Tonight, tonight, won´t be just any night... Mas de que raio de filme é essa música, Cristo Santo? Nunca mais eu vou lembrar.

- Today, the minuts seem like hours, the hours go so slowly, until the sky is bright...

Manuel Bandeira falou certa vez que Chão de Estrelas, de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa, tinha a frase mais bonita de toda a música e literatura brasileiras: Pisavas os astros tão distraída. Seu Manuel, a letra da música também tem trechos como Minha vida era um palco iluminado, eu vivia vestido de dourado, palhaço das perdidas ilusões e A claridade forra meu barracão, sinto saudade, da mulher pomba-rola que voou. Aí não dá. Legião Urbana não faria melhor.

- Quem inventou o amoôoôoôoôrrrrrrrrr, me diga por favoôoôoôoôorrrrrrrrr...

Onde eu queria chegar com isso? Ah sim, considerem o blog atualizado. Agora, como diria a poeta: "Beijinho, beijinho, tchau, tchau". Vou dormir. Oh moon, go bright, and make this endless day an endless night, tonight.

Cara no travesseiro e boa noite.

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