segunda-feira, 4 de abril de 2005

A BALALAIKA CEREBRAL

Tenho tido sonhos exóticos. Minha situação neuronial é periclitante e exigirá destreza de minha parte para não ficar maluco. Temo que minhas células cerebrais adquiram vida própria, tal qual meu pega-rapaz. Trata-se de um balé neuronial, uma balalaika de células que, ao acordar, me fazem pensar que estou pinelzinho da silva. 

Primeiro, sonhei que a srta. Karen C. andava de amassos com Fabio Costa, o goleiro do Corinthians. Quando perguntada a respeito, ela, em um trilho de trem no meio do nada, com um cigarro na mão, respondeu: 

- Ah, sei lá. Ele é bonitão. É um machão de verdade - e tragou. 

Dias depois, sonhei que eu era o Príncipe William. Em verdade eu era eu o Vives de sempre, mas estava na Inglaterra, usava as roupas do Príncipe William e todo mundo me parava na rua pra dizer "Hi, Prince!". Lembro que me vi com um terno superfino entrando a pé em um haras para jogar pólo. Isso mesmo, eu me vi entrando na porteira do haras, como se fosse uma câmera parada a me observar indo embora. 

Perderia a conta de quantos sonhos bizarros já tive, e bem sei que não sou o único. Mas nada supera aquele em que a Guerra Fria estourou em Jundiaí, mais precisamente no quintal de casa. 

Vou contar. 

Eu era um soldado da linha de frente do exército soviético. Usava aquele uniforme elegante e tudo mais. Só havia mato em nossa frente e ninguém tinha mais noção de onde estávamos. É quando nos deparamos com um muro grande e branco. Coloquei umas dinamites, abaixei a cabeça e tampei os ouvidos. Após a explosão, o buraco revelou que aquelas eram as ruínas da casa do meu vizinho e que o muro era o que separa nossa garagem da piscina dele. Os carros do Papai Vives estavam lá e, na frente deles, uma linha de soldados americanos. Foi um desespero. Ficamos apontando as armas uns para os outros, nós gritando em russo, eles em inglês. Foi então que um avião americano começa a sobrevoar a área. O alto-falante dele anunciou: 

- Alguém nos comunique com Moscou agora, ou jogaremos uma bomba atômica neste local. 

- ´xá comigo, eu sou o dono da casa - gritei eu, enquanto ganhava a escada em direção a sala, local do telefone. 

Mas minhas duas tias-avós, Cida e Gina, estavam em casa naquele momento, o que até hoje, com a distância temporal dos fatos, considero extrema deselegância do destino. Quando vou alcançar o telefone, ele toca. Tia Gina pega o telefone antes de mim: 

- Alô? Oiiiiiiiiiiiii, tudo bem? Quanto tempo, que bom que você ligou! 

E começou a bater o maior papão com algum dito cujo que, pelo andar da carruagem, queria ver o mundo destruído. O avião dava rasantes na casa e eu, desesperado, a gritar "Tia, por favor, me deixa falar com Moscou senão eles vão acabar com a casa!", mas nada adiantava. Ela fazia sinal para eu esperar a minha vez de usar o aparelho. É quando ouço uma sirene de alarme, e o avião em novo rasante. Na sacada vi a bomba cair no quintal e formar um cogumelo enorme de poeira. Eu VI a nuvem se formando e quebrando todos os vidros da casa. O quintal virou um buracão. 

Em dois minutos, a outra tia-avó caiu morta. Eu não sabia o que fazer, quando meus pais chegam do supermercado. Eles descarregam o carro na maior tranqüilidade e entram como se bomba alguma tivesse sido jogada no quintal de casa. 

- Pai, a Tia Cida caiu morta depois que jogaram a bomba. 

- Ah, então vamos colocá-la dentro do sofá. Eu não queria isso, mas trata-se de um esforço de guerra. Quando tudo acabar, a gente enterra a tia em um local decente. 

Então eu e ele tiramos os assentos do sofá e jogamos o corpo de nossa tia - tia dele, em verdade - dentro, e depois colocamos novamente os assentos. 

- As visitas não vão nem notar - disse meu pai, examinando o sofá para ver se reparava algo estranho. A outra tia continuava ao telefone, por increça que parível. 

De repente, minha irmã que não dirige e odeia qualquer carro com mais de 5 anos surge dirigindo uma Veraneio vermelha (???). Ela me dá carona até o centro da cidade, que, no sonho, não ficava no centro, e sim na zona sul - o mesmo que, em São Paulo, um belo dia encontrar a Sé depois da Avenida Santo Amaro. Lá, a irradiação tomava conta e podia ser notada por uma fuligem cinzenta que pairava no ar e sujava as pessoas. Encontro meu irmão tomado de sacolas nas mãos: 

- Cara, mó liquidação por causa da bomba! Vou pra casa e volto daqui a pouco pra compra mais. 

Então eu, vestido de militar soviético, com aquele chapéu russo típico de pele de urso e um sobretudo longo, passei a fazer compras. Só bugigangas, coisas da 25 de março. 

Acordei nesse ponto, para minha tristeza. Faz uns seis anos e eu estaria sonhando com isso até agora se me deixassem. E desse sonho, só uma certeza me resta: minha tia-avó continua ao telefone.

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