Houve um tempo em que a barba despreocupada que hoje toma de assalto meu rosto não existia. Lá se vão muitos anos do dia em que liguei a TV e descobri que pessoas liam Shakespeare no original e, mais do que isso, saíam por aí a recitar versos do dito cujo. Alguns reuniam os amigos para isso, outros andavam pelas ruas de madrugada a judiar das cordas vocálicas em um sincero To be or not to be. Qualé a questão mesmo?
Gostei da idéia. Por que eu não podia ser um artista também, desses bacanas que aparecem na televisão recitando gente famosa? Foi então que profanei um livro qualquer de Shakespeare na estante e, para provar a mim mesmo de que as aulas de inglês me eram importantes, saí pelas ruas madrugada adentro a fazer meu modesto e não menos sincero To be or not to be.
Pois bem. Vinha eu fazendo progresso pelas vielas do bairro quando fui surpreendido pelo fantasma do tal de Shakespeare, que me pegou pelos colarinhos, olhou nos meus olhos mui falcionicamente e vociferou:
- Idiota: fica na sua.
Mas ele não disse isso sem antes deixar em mim pedaços da baba elástica de seu narcisismo, para roubar uma expressão rodrigueana. Sem rumo e sem auto-estima, anos depois prestei jornalismo.
Hoje sou jornalista e decoro quadrinhos de Calvin e Haroldo. Dizem que tenho muito orgulho disso.
Moral da fábula: procure recitar poemas somente em horário comercial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário