terça-feira, 20 de maio de 2008

OS PORÕES DE UMA NAÇÃO - Parte 2


Flagrante da Miss Áustria 1939*

É isso o que dá demorar pra terminar essa história de falar mal da Áustria. Neste ínterim (sempre quis usar esta palavra) entre o post anterior e este de agora, um austríaco doidão resolveu poupar a família de sua própria ruína financeira. A solução que ele encontrou: liquidar a machadadas sua mulher e filha, claro. Na seqüência, pegou o carro e foi até a casa dos pais para selar-lhes o mesmo destino e, por fim, fez uma visitinha básica e definitiva à casa dos sogros com o seu novo grande amigo, o machado. O homicida trabalhava no mercado financeiro. Pensamento rápido e solução pragmática é isso aí. Queria ver o Roberto Justus demitir esse cara...

(Sobre este caso clique aqui)

O grande lance desta história é o seguinte: tem-se lá um país de quase 9 milhões de habitantes, todos razoavelmente ricos e corados vivendo em suas cidadezinhas tranqüilas com vista para as neves permanentes dos Alpes. Tirando pelos porões e machadadas, o Império do Leste (do alemão Österreich, ou Áustria), havia sido manchete poucas vezes nas últimas décadas. Uma delas, para discutir um grande problema do país, que nada mais é do que saber se os caminhões que chegam dos países vizinhos devem pagar pedágio ao cruzar os Alpes, uma vez que eles contribuem para o asfalto local degringolar.

No papel, tudo é lindo, mas, lá dentro, bem no fundo - eu ia dizer... lá no porão?? - existem problemas mais delicados. Como diriam os Racionais MC: você sai do gueto, mas o gueto não sai de você (a palavra gueto, porventura, é algo que deve incomodar muitos austríacos, como os judeus bem sabem). Há, digamos, um gueto moral que paira sobre o país lá se vão mais de 60 anos. Pelo fato daquele menino antipático de bigodinho estranho ser austríaco ou não, o povo desse país é o menos conformado com o resultado do fim da Segunda Grande Guerra.

Explico.

Discutíamos no bar eu e os amigos Savarese e Leandro sobre tudo isso. Depois, já em casa, às quatro da manhã, toca o telefone. Era um Beguoci atônito: "Vives, acorda." Senti as partículas expletivas tomarem conta da linha telefônica. "Tô lendo um livro agora que fala exatamente daquilo que a gente falava no bar há pouco. Sabe? A Áustria, cara, a Áustria! É o apocalipse em forma de nação! Escuta isso, cara, escuta! (é claro que estou acrescentando um tom rodrigueano ao nosso diálogo, o apocalipse ficou por minha conta)". Contou-me Beguoci que Tony Judt, o autor do livro sobre a Europa no pós-Guerra, afirma que a população austríaca compreendia um décimo de pessoas de todo o Terceiro Reich. No entanto, um em cada dois soldados nos campos de concentração era austríaco. Ui.

Mais que isso: pesquisa realizada em 1991 apontou que 50% da população do país considerava os judeus responsáveis pela perseguição que eles sofreram no passado. O resultado disso: anos depois, o povo austríaco elegia um primeiro-ministro declaradamente antipático aos judeus chamado Jörg Haider. Que conste nos autos: além de minimizar o caos nazista e discriminar imigrantes, Haider usava deselegantes gravatas borboletas.

Pois então fica a sugestão para o nobre primeiro-ministro austríaco Alfred Gusenbauer, fortemente empenhado em mudar a imagem de seu país, para que use alguns euros para um tratamento psicológico coletivo por toda a nação. Façamos os austríacos se libertarem dos fantasmas do passado e entender de uma vez por todas que Hitler era um homem mau, o nazismo não era legal, os imigrantes são legais (sem trocadilho) e que as pessoas podem e devem dar oi ao vizinho sem medo de que lhe perguntem o que seus antepassados fizeram entre 1939 e 1945. Psicologia é a solução. Afinal, Sigmund Freud nasceu na Áustria. Era aí que eu queria chegar.

* Foto roubada do Ground Control.

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