terça-feira, 13 de maio de 2008

OS PORÕES DE UMA NAÇÃO - Parte 1


Josef Fritzl e seu olhar de rothweiller

Existem países e países nesse mundo. Para cada grande país europeu (grande num conceito amplo da coisa), por exemplo – Inglaterra, França, Alemanha e, com boa vontade, a Itália e a Espanha -, existem outros tantos pequenos que pecam pela absoluta falta de carisma.

Quando pensava, por exemplo, na Bélgica, acabava, na seqüência, por pensar em absolutamente nada. Depois a gente descobre que os belgas foram responsáveis por algumas das mais cruéis relações entre colonizadores europeus e colonizados africanos, até mais do que franceses e ingleses, o que talvez explique esse jeito, digamos, discreto de viver sem ser notado da Bélgica.

Atualmente os belgas conservadores resolveram tirar seu ranço do armário e colocá-los nas ruas: há movimentos separatistas cada vez maiores dentro do país, que já é minúsculo. É como se o bairro do Butantã quisesse se dividir em três em nome de uma tradição de meia dúzia de séculos atrás e que hoje é evocada sem sentido, com medo da globalização, com medo dos imigrantes, com medo, enfim, do que convencionou-se chamar de mundo. É a maneira que a Bélgica conservadora encontrou de, nacionalmente, voltar para o útero da mãe.

Mas o país outrora discreto que agora subiu à tona e que é mote deste post é a Áustria, terra que deu ao mundo tanto Mozart quanto Adolf Hitler.

No dia 24 de agosto de 1984, o austríaco Josef Fritzl pediu que sua filha Elizabeth o ajudasse a carregar um armário até o porão de sua casa, na cidade de Amstetten. Ao entrar no porão, a menina foi trancada, amarrada e estuprada por Josef. De lá Elizabeth sairia apenas em abril de 2008, 24 anos e 7 filhos de seu próprio pai depois.

A história é das mais absurdas que eu e o sensível leitor deste blogue já viu, mas não é dela que eu quero falar. Para quem quiser saber mais sobre o Papai de Rosemary austríaco eu deixo este link com uma reportagem sensacional da revista alemã Der Spiegel, publicada em português pelo UOL (só para assinantes).

No caso impressionante de Josef Fritzl, um dos fatos mais chocantes é: como alguém consegue manter uma família inteira no porão de casa por 24 anos sem que ninguém percebesse? Os vizinhos ouviam barulhos, chegam perto de suspeitar, mas não queriam saber o que se passava. Segue trecho da reportagem da revista alemã:

É claro, também ajudou o fato de (Fritzl) viver em um ambiente, na verdade em um país inteiro, que teimosamente permanece uma sociedade consensual, apesar das muitas mudanças radicais da atualidade, uma sociedade com uma tendência de evitar e encobrir disputas. (...). Mas enquanto os alemães provavelmente chamariam a polícia, preferivelmente de forma anônima (...), os austríacos têm a tendência de olhar para o outro lado. Dada esta mentalidade, não é exatamente surpreendente ouvir a criminologista Katharina Beclin, de Viena, dizer que dos cerca de 25 mil casos de abuso sexual que ocorrem na Áustria a cada ano, apenas cerca de 500 são informados à polícia.

O primeiro-ministro austríaco Alfred Gusenbauer declarou que seu país não pode ser refém de um só homem, o monstro Josef Fritzl. Um não, meu caro: dois. Há meses atrás, outro caso de um austríaco maluco que trancou a menina Natascha Kampusch no porão da própria casa por sete anos. Quando Natascha fugiu de seus estupros, o algoz se matou.

Há alguns anos, outro escândalo sexual colocou a Áustria em evidência. Cerca de 40 mil fotos de pedofilia num mosteiro austríaco chocou a Europa. O bispo do local declarou então que tudo não passava de um “trote infantil”, como bem lembra a Die Spiegel. 40 mil fotos de padres beijando seminaristas me parece algo bem diferente do que tocar a campainha e sair correndo.

(continua)

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