segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

AMAZÔNIA (E O VIVES) EM CHAMAS

É inacreditável, mas sonhei que ganhara uma chácara no Acre e pra lá parti após deixar o emprego. Senta aí que a história é longa e bizarra. O objetivo era viver no mato por uns tempos e... escrever um livro.

Aparentemente algumas semanas se passaram até que fui notificado de que a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, desejava falar comigo pra saber que cargas d´água eu estava fazendo por lá. Disseram que o problema é que eu não tinha visto para ficar no Acre. Ao chegar na entrevista, disse a ela que adotara um cachorro pra não ficar tão sozinho no meio do mato. Ela me olhou com ódio e começou a gritar que o Acre não é lugar de cachorro, que eu estava levando um animal estranho à região e que isso poderia acarretar danos ecológicos gravíssimos ao planeta. Mais que isso: vindo do sudeste, eu provavelmente estava lá para plantar soja e contribuir para a derrocada do meio ambiente. O tom da tensão foi aumentando até ela ter um surto psicótico: assustado, eu acompanhava a ministra a se debater na minha frente enquanto gritava e arrancava os cabelos de ódio. Com as mãos cheias de tufos capilares e de sangue, Marina Silva me ordenou que saísse de lá imediatamente.

Chateado, voltei para minha simpaticíssima chácara e liguei um rádio Ford portátil vermelho igualzinho ao que minha tia-avó tinha na casa dela. Era a Ministra Marina Silva em cadeia nacional, com a voz bem calma e serena a dizer, quase como quem reza:

- Acabo de expulsar Fernando Vives do Acre, para o bem do povo do Norte.

Em pânico, desembestei do recinto e vi uns traficantes colombianos sentados num jipe numa rua próxima. Todos eles tinham a cara e o bigode do Chico Mendes. Nada os identificava como traficantes, mas eu sabia que eles eram. Eu pedi que me levassem até a fronteira com a Colômbia e fiquei feliz quando eles toparam a empreitada.

Lembro que eu suava com o calor. Muito. O jipe margeava o Rio Trombetas com as rodas dentro d´água. Sim, eu sei que o Trombetas passa bem longe do Acre, mas ele era o Trombetas, não tenho como mudar o roteiro do meu sonho. Para aumentar o caráter dadaísta, águas-vivas lotavam as margens do rio, encalhadas. E eu gritava aos traficantes:

- Atropelem essas filhasdaputa, atropelem rápido essas filhasdasputa agora porque elas estão aqui só pra queimar a gente.

Ao passar pela fronteira, um dos Chicos Mendes traficas pára o jipe e me comunica que, em retribuição ao favor, eu teria que prestar alguns serviços ao cartel de Cali, sob o risco de ser seqüestrado pelas Farc, e que o motivo do seqüestro da Ingrid Betancourt, há seis anos raptada, era não ter retribuído uma carona deles. Ao dizer isso, o tal Chico Mendes me sorri e mostra que tem uma caveira tatuada em cada um dos dentes.

O sonho obscurece neste ponto e tenho a impressão de que eu me mexia muito na cama, uma vez que só tenho imagens esparsas e lembro de um incomodo profundo. Mas ele volta quando eu tentei fugir correndo para baixo do jipe. Foi quando um dos Chicos Mendes, em inglês com sotaque de traficante latino-americano de Hollywood, diz algo parecido com isso:

- Que vergonha um cara desse tamanho tentando se esconder embaixo de um jipe. Se liga, cara: ou você bate ou você apanha. Nunca tem meio termo. Desde pequeno é assim. Você vai querer mudar isso agora? Seu trouxa.

Tentei levantar, mas eles disseram que iam me afogar no rio. Olhei em volta e haviam avestruzes (não me pergunte, por favor) e índios observando a cena. Eu gritei para um índio velho (a imagem dele era a mesma de um cacique que eu vi sendo entrevistado na TV Cultura outro dia) para me ajudar, e ele:

- Homem branco traz doença. Pro rio agora, moleque.

Como não tinha jeito, parti pra porrada contra os traficas. Mas cada porrada que eu dava, tomava duas. Eu olhava em volta e cada vez mais Chicos Mendes apareciam do nada para me espancar. E eu suava com o calor. Tive que pular para a água enquanto era perseguido pelos traficas, agora já uma dezena deles, todas com cara e bigode do seringueiro acreano.

Foi então que lembrei que o rio estava cheio de águas vivas vindo para as margens. Veio o pânico, mas veio mesmo: acordei com um grito que eu mesmo dei. Eu já estava em pé ao lado da cama. A camisa estava irrigada de suor. Na cama, um cobertor – não lembro que horas acordei pra pegar um cobertor. Era por isso que suava tanto no pesadelo.

Eram onze horas da manhã. Tirei a camisa, olhei pra ver se não tinha ninguém mesmo dentro do apartamento além de mim e, enquanto a pulsação diminuia, fui pra janela fumar um cigarro existencial - eu que não fumo só trago cigarros existenciais. Nunca fiquei tão feliz ao ver o Minhocão, lá longe, todo cinza de poluição.

Moral do sonho: salve a Amazônia você, porque eu to fora.

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