Ainda acho que o cérebro da gente tem umas gavetas ocultas que, de vez em quando, no momento em que os neurônios arregaçam as mangas para uma faxina de sinapses, deixam cair algumas lembranças que acabam estourando como gêiseres.
Hoje passei na frente de uma marcenaria da Avenida São João enquanto cantarolava Born to Be Wild, o que fez piscar, tal qual uma janela de Windows, a pasta sobre um dos personagens mais peculiares que conheci na adolescência: o Costela.
Freqüentava eu uma galeria na minha terra onde havia um fliperama. A gente jogava meia hora (eu gostava do Cruisin World) e depois ia pras cadeiras tomar uma cerveja – uma quer dizer uma só mesmo, e a mais barata - ninguém tinha grana para esbanjar, e ainda éramos obrigados a guardar o dinheiro do busão pra voltar pra casa.
Numa dessas vezes em que bebíamos e falávamos sobre rock sem parar, dois moleques na mesa ao lado esticaram os ouvidos e passaram a palpitar na nossa conversa. Um era baixinho e simpático, com cabelos pra cima a la KLB, desse tipo que o mulherio mandava bilhetinhos nas festas da escola. O outro, um e noventa de altura, narigudo, magro que doía, feio feito o cão e que falava sem parar. Usava impreterivelmente um boné enterrado na cabeça, cabelos até os ombros e enormes costeletas suíças no padrão Joe Cocker em 1969 – creio eu, para esconder os buracos de espinha. Esses ramos de barba que lhe escondiam as orelhas me fizeram chamá-lo de Costela, apelido que pegou na hora e ficou para o todo e sempre, já que ninguém decorou o seu nome (algo como Valdinei, Edinei, por aí).
O baixinho KLB era primo do Costela, que tinha uns dois anos mais que a maioria de nós (ou seja, uns 19, 20) e que há muito abandonara o colegial. O Costela trabalhava na marcenaria do próprio pai num bairro de periferia que nem o diabo ousava passar. O baixinho KLB, que o auxiliava no trabalho, além de primo era, não por acaso, também seu melhor amigo.
Sabia tudo de rock o Costela. Todas as bandas americanas dos anos 60 e 70 que faziam sucesso entre motoqueiros ele conhecia. Das que ele gostava eu só sabia da existência do Steppenwolff, que cantava a Born to be Wild, a música da minha turma e de tantas outras turmas cheias de moleques que gostavam de rock.
O Costela era gente finísssima, uma grande figura, mas bem tragicômico. Ele se assumia como o feio a ser repelido e sempre ajudava o primo bonitinho a pegar mulher. Lembro de uma vez em que perguntei se ele tava a fim de alguém, no que o Costela respondeu, com o erre e o dê carregados pelo típico sotaque jundiaiense:
- Porra, véio, eu sou feio pra caralho, burro e trabalho cortando madeira na marcenaria do meu pai. Mulher pra mim só se for puta. Já fui uma vez no puteiro, mas não comi ninguém porque tava duro. Mas as putas eram legais, troquei mó idéia com elas. Prefiro mesmo é ajudar o meu primo a se dar bem. Ele me vinga com as mulé.
O Costela tinha taras estranhas. Lembro que na frente das mesas que sentávamos na galeria tinha uma loja cuja dona era uma quarentona gordinha. Não era um mulherão lascivo, daquelas que todo adolescente sonha que lhe arranquem a virgindade a dentadas, mas sim uma tiazona clássica, dessas que levam os três filhos pra escola dirigindo a Caravan do marido. Mas o Costela era obcecado por essa quarentona. Era só ela passar que o meu amigo urrava de prazer, dizendo:
- Ah, essa gordurinha (leia-se culotes)... tudo que eu queria era morder essa gordurinha...
Certa vez a administração da galeria montou uma área para crianças brincarem, na tentativa de atrair donas de casa para fazer compras. Nesta área infantil, também na frente das nossas mesas, havia uma moça vestida de palhaço que foi contratada para brincar com a gurizada. Só sabíamos que era uma moça porque, de perfil, ela tinha duas delicadas pretuberâncias que formavam um busto médio. Mais que isso a maquiagem e a roupa não deixava ver. Mas não dava outra: era só ela passar que o Costela dava voz aos seus hormônios, secando-a com louvor:
- Ah, essa palhacinha.... se me desse bola a gente fazia ali mesmo, na piscina de bolinhas...
O Costela tinha a auto-estima típica de um adolescente fudido. Fudido porque era pobre, porque não conseguia estudar porque tinha que ajudar o pai no trabalho, além de todas aquelas frustrações com mulheres que os homens na idade que ele tinha costumam ter. Se eu tivesse mais sensibilidade à época eu diria pra ele que, ali, ele era só mais um que carregava um mar de incertezas, e que iria usar toda aquela amargura pra ser um sujeito melhor. Esse tempo, embora muitas vezes demore, sempre chega. Mas eu, como todos ali, era tal qual o Costela, apenas menos exposto ao auto-folclore.
A última vez que o vi não foi nesta década. Só soube depois que ele começou a beber bastante, a freqüentar puteiros pra valer e que assumiu a serralheria do pai. E sumiu por completo. O Costela foi o sujeito mais Bukowski que conheci em Jundiaí, e olha tinha apenas 19 anos. É um tipo que me faz gostar um pouco mais desse bicho difícil chamado ser humano, e a quem torço muito que tenha encontrado uma harleira doidona, dotada de culotes expansivos, que faça dele o homem que o adolescente Costela nunca acreditou que pudesse ser.
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Há 5 semanas