segunda-feira, 30 de julho de 2007

DO CLÁSSICO AO PASTICHE

Um belo dia disse Nietszche: "Deus morreu. Logo, vou tentar comer minha irmã e a mulher do Wagner, porque agora ninguém é de ninguém". Talvez exista mesmo alguma interpelação cósmica a que chamamos de Deus. Na maioria das vezes acho que ele não existe. É quando, por exemplo, paro para pensar na fome do Jequitinhonha ou nos lábios de suvaco do FHC. Mas eventualmente eu tenho a certeza absoluta de que há algo maior e mais bonito que tudo isso que está aí, só à espreita de a merda toda ir pro ventilador de vez para aparecer e fazer alguma coisa.

Estes últimos momentos são mais raros, porém. Costumam aparecer quando ouço determinadas músicas. Umas dez, no máximo. Uma delas é do tempo em que o Mar Morto ainda vivia: chama-se Tristesse, de um polonês de nome Fryderyk Chopin. Esse sujeito era tão romântico, mas tão romântico que, desconfio, tomava uns galhos da mulher. Confesso que ainda não entendi de onde vem tamanha inspiração, sobretudo se levarmos em conta o fato de que ele nasceu na Polônia, aquele quartinho de fundos que separava a Alemanha da União Soviética, onde as duas coisas mais interessantes são os campos de concentração desativados e a sopa de beterraba. Isso sem falar no papa com nome de mulher (isso foi uma piada, por favor não me processem).

Pois bem, Tristesse é daquelas músicas que fazem sair sol em meio ao dilúvio. Me faz pensar nas restrições que tenho àqueles desenhos japoneses em que monstrinhos tentam dominar a Terra. Que coisa mais chata isso. Se no auge dessas historinhas os japas botassem Tristesse pros bichos gigantes ouvirem, os monstros voltariam para casa cantarolando, arrependidos, e o Godzilla seria um sujeito agradabilíssimo. Enfim.

A título de curiosidade, subi no imeem - deixe-me falar que esse imeem é muito mais legal que o Orcutis - três versões para Tristesse, de Chopin.

A primeira delas é a clássica: Chopin at Live Earth (Cracóvia 1837) . Sim, é ao vivo. O auditório estava lotado, mas o show era para uma platéia de surdos-mudos e manetas, o que se explica a ausência de comentários, críticas, palmas ou pedidos de bis na gravação:



A segunda é a versão cucaracha: Tristesse virou Divina Ilusión, cantada aqui em espanhol pelo grupo Los Três Diamantes (meu pai tem um LP do Trio Los Panchos com esta canção). É o pastiche do bolerão dos anos 50: dá pra imaginar três caras vestidos de mariaches que surgem rebolando, por trás das cortinas, a sacolejar os chocalhos. Os mais velhos se emocionam com ela. Dá pra entender: apesar dos pesares, no fundo é um Chopin (o melhor é a assinatura da música nesta versão: Frederic Chopin/Enrique Quezada...):



E, por último, um clássico com gostinho de pastiche: a versão de Tristesse com José Carreras, o menos esculachado dos três tenores, em italiano:



Agora eu preciso deixar de fuçar na internet para ir dormir, antes que eu ache Deus por aqui, o que inevitavelmente acarretaria em uma D.R. sobre o Vale do Jequitinhonha ou os lábios de suvaco do FHC.

SOBRE OS JOGOS PAN-AMERICANOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Se você é homem, fatalmente vai se lembrar que, dos 10 aos 17 anos, não havia nada mais chato que as aulas de educação física. Sim, você adorava jogar bola, mas não fazer educação física. É que a gente queria jogar futebol, mas aí vinha a professora marombadona, com aquela bola de borracha invariavelmente marrom ou azul acoplada ao suvaco, para dizer: "Então, turminha, hoje nós vamos praticar um pouco de handebol". Não adiantava se fazer de desentendido e sair chutando a bola de hand. Ela parava e mandava começar tudo de novo, a sacripanta.

É disso que lembrei ao acompanhar em tempo integral o Pan do Rio. Aquele desfile de modalidades que ninguém pratica e o festival de narradores que disputavam entre si para ver quem tinha o gogó mais patriótico. E tinha o agravante que as Olimpíadas não têm: Estados Unidos e Canadá traziam a raspa do tacho de seus atletas. Os fodões ficaram em casa. Logo, a disputa era entre Cuba e todos os países mexicanos que nos avizinham: entre outros, os mexicanos da Argentina, os mexicanos da Colômbia, os mexicanos da Venezuela, os mexicanos de Porto Rico, os mexicanos do México e, é claro, os mexicanos do Brasil, porque, lá fora, todo mundo que mora aqui em Buenos Aires é mexicano.

Selecionei algumas modalidades para breves comentários desprovidos de delicadeza:

ATLETISMO - A pergunta é: como um sujeito descobre que é bom no salto em altura? Pulando no beliche quando criança é uma hipótese plausível. Quanto ao salto com vara, vou poupar o fino leitor das piadas óbvias.

BOXE - Um esporte que, apesar de ser praticado por caras durões, é de uma imbecilidade ímpar. Destaque para o brasileiro chamado James Dean Pereira, detentor de melenas à la Galeão Cumbica.

ESQUÍ AQUÁTICO - O Brasil levou ouro nesta modalidade. O atleta em questão bem poderia ganhar, além da medalha, uma pensão vitalícia por insalubridade, já que ele deve estar tendo pesadelos com coliformes fecais após as disputas na Lagoa Rodrigo de Freitas.

FUTEBOL - O Brasil levou nabo no masculino, mas compensou ganhando o ouro no semi-masculino. Destaque para as zagueiras Alcides Maitê e Ramona.

FUTSAL - É o futebol encaixotado. Melhor jogar baralho.

GINÁSTICA RÍTMICA - Lembra na quinta série quando as meninas brincavam com bambolê durante o recreio? Então, é por aí. Só falta o pogobol. Mas tenho certeza absoluta que elas tomam um doce antes de entrar no picadeiro. Nem Red Bull com pinga deixa alguém pulando daquele jeito. Se capricharem no anti-doping, vai todo mundo pra delegacia.

HANDEBOL - Exemplo clássico de tortura na educação física. Alguém cismou em jogar futebol com as mãos, e isso virou modalidade olímpica. É uma aberração que bem poderia ser chamado de Futebol de Chernobyl. Felizmente pouca gente gosta disso. Destaque para a goleira brasileira chamada Shana, que gerou todo tipo de piadinha durante os jogos.

HIPISMO - Educação Física para cavalo. Sugiro a medalha para o bicho e feno para o montador. Não é necessário dizer mais nada.

LUTA GREGO-ROMANA - É a desculpa perfeita para um gay patolar a rapaziada e ainda posar de machão. Eis um bom veredito para uma luta qualquer: "O lutador X venceu o oponente Y por uma chave, um gut wrench e um beijinho no pescoço".

PÓLO AQUÁTICO - Talvez jogar pólo seja legal, mas provavelmente é mais divertido assistir a um filme taiwanês da Mostra de Cinema do que a uma partida de pólo aquático. A câmera mostra a piscina com uma porção de cabecinhas se mexendo, com uma bola que, muito eventualmente, desponta. Parece mais um piquenique na praia. Falta só a avó de alguém levar a cesta de comida na beira da piscina. O nome da modalidade poderia ser "Banho em Paquetá" que ninguém perceberia a diferença.

SQUASH - É o tênis claustrofóbico.

TÊNIS DE MESA - O ping-pong. Aliás, os japas da China que disputam isso odeiam que chamem o ping-pong de ping-pong. O fato curioso foi o atleta argentino, que na verdade é um chinês que se naturalizou. Provavelmente uma espécie de pasteleiro arrogante (Yo quiero una empanada de quiejo e otra de palmito). Fora isso, é muito mais legal que o tênis de verdade.

Voto na inclusão do futebol de botão, da sinuca e do Super Trunfo no Pan de Guadalajara em 2011.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Sonhei - e isso é sério - que o Raul Cortez teve um tórrido affair sexual com o Vampeta antes de morrer.

Não me pergunte.

domingo, 22 de julho de 2007

MORRE ACM, ANTES TARDE QUE MAIS TARDE



Dizem que é falta de educação falar mal de alguém que acaba de subir ao telhado. Pois digo que falta de educação mesmo é Antônio Carlos Magalhães ter existido. Deus, sempre na hipótese de que Ele exista, carrega esta chaga em seu currículo.

Toninho Malvadeza talvez fosse a mais bem acabada ave da rapina da Ditadura Militar. Mais que transformar a Bahia em seu próprio quintal, ACM é o sujeito que distribuiu concessões de TV para a Globo nos anos 80 – pegando a retransmissora da Bahia para ele, é claro. Hoje a Globo faz o que quer no Brasil por conta disso. Em troca do favor, um ano mais de mandato para Sarney, outro que bem poderia ter a fineza de deixar de existir.

O que me deprime são as pessoas que pregam, pelo histórico do coronel, ter que respeitá-lo. Eduardo Suplicy declarou isso, entre muitos outros, provando que os galhos que a Marta colou-lhe na testa causaram seqüelas irreparáveis em sua mente. Ora, é justamente pelo histórico de quem fez política como quem cuida de um açougue é que temos que comemorar a ausência de Toninho Malvadeza desta dimensão.

ACM morreu. Espero que aproveite todos os banhos de enxofre que o inferno puder lhe proporcionar.

O REVERSO DA IMPRENSA TAMBÉM NÃO FUNCIONOU

Um dos filmes mais chatos que vi na vida foi Magnólia, aquele um que falava, entre outras coisas, sobre coincidências bizarras. O sujeito que se joga do terraço de um prédio e, ao passar pela janela do apartamento em que vivia, recebe um tiro sem querer da mãe ou do pai, que brigavam (deste ponto em diante o filme só tende a piorar, tal qual uma novela colombiana. Não alugue). A partir disso se constrói toda a filosofia das vidas dos personagens.

Lembrei disso no acidente de Congonhas desta semana. Um avião da TAM passa o limite da pista e se choca contra um prédio que é da própria empresa. A coincidência é bizarra mas não é única. Lembro também de João do Pulo, que sofreu um acidente de carro e perdeu a perna, a ferramenta que usava para trabalhar. Morreu amargurado e com problemas de alcoolismo. O tenor José Carreras sofreu leucemia e teve a voz afetada durante algum tempo - à época diziam que ele jamais voltaria a cantar. A vida às vezes não tem a menor graça.

Mas eis que o aeroporto de Congonhas é reformado e volta às atividades normais. Na segunda, um avião da Pantanal derrapa na pista. E, no dia seguinte, ocorre a explosão da aeronave da TAM.

Primeiro foi o Datena, na TV Bandeirantes, enquanto as chamas corroíam os destroços, a esgoelar que a culpa do acidente era do governo e da Infraero, que não haviam cuidado da pista como deveria. As pessoas mal sabiam o que tinha acontecido, e lá estava ele apontando o indicador.

Depois, todo o resto. A imagens dos parentes das vítimas ao receber a noticia da tragédia era de chorar junto da TV. E estas imagens eram intercaladas por comentários sobre a incompetência do governo e da ausência de Lula para comentar a questão. Todos, a Folha, o Estadão, a TV Cultura, a Miriam Leitão (alcunhada por José Simão de “economista de churrascaria”) no Bom Dia Brasil ao William Waack, que abriu o Jornal da Globo de quarta-feira perguntando o motivo de o governo federal não ter explicado as causas da tragédia passado mais de um dia inteiro.

Na quinta-feira, a própria TAM diz que a pista não teve nada a ver com o sucedido. Dois acidentes na mesma semana no mesmo aeroporto não passaram de coincidência, tanto como o fato deste avião da TAM que deixou o aeroporto e bateu num prédio da própria empresa. O governo não se manifestou porque não sabia o que havia ocasionado o acidente, e não tinha outra alternativa a não ser esperar. O Jornal da Globo deveria ter feito o mesmo. Não fez.

Veja bem, o governo não é tão defensável assim. É possível que a reforma em Congonhas não foi lá essas coisas. Pior: o lobby das empresas aéreas fez com que ela fosse concluída antes do previsto. O governo falha nesta questão e não é pouco, e deve ser cobrado por isso. Mas o acidente não foi culpa de Lula e de seus assessores, como foi amplamente divulgado por 48 horas seguidas pela imprensa.

A mídia se farta de reformas gráficas, de mudanças, de campanhas de publicidade. Porém, no fundo, a essência continua a mesma: jornalismo é como salsicha. Se soubessem como é feito, ninguém comprava mais jornal, nem lia revista, ou site, ou qualquer coisa do gênero.

domingo, 15 de julho de 2007

CAPÍTULO DAS VERDADES INEXORÁVEIS E MINIMALISTAS III

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.

João virou tucano, Teresa agora é lésbica,
Raimundo tornou-se porteiro no centro, Maria tem depressão da meia idade,
Joaquim morreu de cirrose e Lili está fazendo amor com outra pessoa, mas meu coração vai ser para sempre seu.

(Carlos Drummond e Alexandre Pires)

quarta-feira, 11 de julho de 2007

A GEOGRAFIA ATRAVÉS DOS MOTÉIS VAGABUNDOS

No bairro do Santa Cecília, ao descer a rua Martim Francisco, pode-se avistar a sacada do Hotel Bagdá, duas quadras antes do Hotel Nápoli que, por sua vez, está a dois quarteirões do Motel Montreal, na Apa. Todos estão a no máximo três esquinas do Hotel Edên, assim, com o acento errado no "e" errado, como se o léxico tivesse sido expulso do paraíso junto com Adão e Eva.

Não existe um Motel Jundiaí.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

CAPÍTULO DAS VERDADES INEXORÁVEIS E MINIMALISTAS II

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
Eu só fui campeão de futebol de botão da minha rua.
Bicampeão, aliás.
Fernando Pessoa, nem isso.

Chupa.

domingo, 8 de julho de 2007

NOSTALGIA DA MODERNIDADE

A adolescência é o período em que o sujeito convive atolando as frustrações na própria garganta mais que em outras fases da vida. Os mais velhos marejam os olhos ao falar de seus 15 anos, e se ouve falar todo dia o sobre o insofismável prazer de ser um adolescente. Porém, quando você tem 15 anos, reza toda noite para pular para os 18, talvez para os 25. Porque você é feio, ou porque lhe falaram que você é feio, porque você tem espinhas, porque você é péssimo ao escolher roupas, não entende nada de balada ou, provavelmente, porque você é um ser humano em formação e, portanto, cheio de defeitos - não que os adultos sejam perfeitos, muito pelo contrário. Defeitos estes que serão lembrados por seus semelhantes de sua idade, mais que por suas qualidades, porque eles tentarão a todo custo provar que são alguém, mesmo que para isso tenham que mostrar ao restante da humanidade que são melhores que você. Mas não se iluda, você não é vítima, é só parte da engrenagem, porque você faz o mesmo com outros adolescentes a quem crê piamente serem piores do que você. A adolescência é a arte de tratar a própria insegurança tornando o seu semelhante mais inseguro que você.

O ser humano é bicho e o bicho que vive em comunidade precisa de um líder. Todo mundo quer ser um líder de alguma coisa, e para sê-lo você precisa se justificar perante os outros, exatamente como age uma comunidade de babuínos. Triste é o momento em que um ser humano se compara a um babuíno. Porque, nas fases de euforia, o bicho homem só consegue enxergar o símio como um animal modorrento. É nas horas de angústia que você olha para a jaula do babuíno e o observa a descascar uma banana, descompromissado com qualquer coisa, e resmunga: “Esse filhodaputa é que é feliz, porque não tem o fardo da responsabilidade”.

Em algum lugar do passado, o homem e o macaco tiveram um ancestral comum, mas depois fizeram parte de galhos distintos da árvore genealógica. E então você se pergunta: “Eu peguei o galho errado. Tudo o que eu queria era estar descascando uma banana e caçando pulga na cabeça daquela fêmea da jaula 16, sendo observado por um idiota cheio de compromissos como eu”. Eis a derradeira decadência do mundo moderno: o homem foi à Lua, cravou a bandeira civilização para arder-se em inveja por seu parente selvagem distante.

Quando adolescente, você vai sofrer ao fazer merda, mas sempre haverá a válvula de escape da inexperiência, sempre haverá um consolo, um refúgio, uma rede de segurança ao cair do picadeiro. Mas e se você falhar quando adulto? E se você falhar quando não deveria, quem vai te segurar quando cair feito melancia da sacada um prédio? Então você vai ao limite para não virar esta melancia. Talvez você consiga. E se conseguir, no seu aniversário de 40 anos, alguém vai dar um tapinha em suas costas para dizer “Parabéns, meu caro. Você conseguiu. Passou boa parte de sua vida preocupado com coisas que não são suas. Mas a civilização é assim mesmo. Cravamos uma bandeira na Lua em nome disso. É o que nos destoa dos babuínos”.

Há alguma coisa muito errado nisso tudo, ou eu que estou completamente bêbado. Talvez uma coisa não exclua a outra.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

CAPÍTULO DAS VERDADES INEXORÁVEIS E MINIMALISTAS

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, estou bêbado.

(não foi Álvaro de Campos)