segunda-feira, 30 de abril de 2007

COMO SI FUERA ESTA NOCHE DE MARZO LA ÚLTIMA VEZ


Pá pá rá, pá pá rá rá rá rááááááá rá

Descobri algo da mais obscura relevância neste fim de semana: Ray Conniff já fez um show em Jundiaí. Muito mais que isso: fez um show na noite em que nasci, um domingo, 29 de março de 1981. Foi como se descobrisse que meu pai não é meu pai, ou que fui adotado, ou então que fui achado numa lata de lixo. Este fato mudou completamente minha concepção sobre Jundiaí, sobre Ray Conniff e, é claro, sobre mim mesmo.

Contou a mamãe Vives que foi ao hospital na manhã daquele dia ao sentir dores ligeiramente mais fortes. No hospital, o médico que acompanhou toda a minha gestação deu um tapinha nas costas dela e disse: "Dona Maria, vai pra casa brincar com as outras criança, vai. Se continuar doendo, a senhora volta".

Deu-se então que minha mãe voltou pra casa e, enquanto meu pai assistia um GP de Fórmula 1 - ele odeia Fórmula 1 - ela ficou lá, brincando com as criança, que porventura venham a ser meus três irmãos. À noite, comecei a beliscar a barriga dela e a morder com veemência o cordão umbelical, numa clara indicação de que pretendia sair dali de qualquer jeito - eu não lembro disso, mas tento aqui acrescentar algum glamour ao meu nascimento, me dêem licença.

Foi então que, ao chegar de volta ao hospital - meu pai é tão certinho que parou em todos os sinais vermelhos, para desespero da minha mãe -, eis que um novato surge e diz: "Sou eu quem vai fazer o parto". E assim o fez.

No dia seguinte, véspera do 17º aniversário da Revolução Redentora de 1964, surge no quarto do hospital o médico que havia sumido:

- Sabe que é, dona Maria, eu tava no show do Ray Conniff lá na Esportiva. Não dava pra perder, né?

Logo, tem-se o seguinte quadro: o médico que acompanhou todo o penar de minha mãe, que tinha toda a ginga e malemolência de um F. Vives dentro dela, não estava lá na hora H, com o desentupidor de pia em mãos, para me tirar de dentro dela. Estava é no clube, com uma cerveja na mão esquerda e o dedinho para cima, apalpando as ancas gordas de sua esposa com a outra, embalado pela melodia de Besame Mucho.

Depois dessa, passo a me considerar um ser transcendental, algo entre o Walter Mercado e o Reverendo Soares. Esperem de mim que eu salve o mundo ou, mais provável, que contribua para terminar de levá-lo ao buraco. Se me perguntarem qual o meu signo, respondo, batendo no peito: "Áries, com ascendência em Ray Conniff". Agora entendo aquela vez que transformei água em Cachaça Pitu. Sou um enviado divino.

O melhor de tudo é que descubro tudo isso meses depois de colocar esta singela fotinho do Ray aí ao lado, com a peruca em cor diferente de sua barba, com um poodle no colo. Depois da Ibrahim Sued, é o mentor deste blogue. Ou, como não cantaria Bob Dylan: The answer my friend, is blowing in Jundiaí, the answer is blowing in Jundiaí.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

UM POST SÉRIO E OUTRO DA MAIS PURA FANFARRONICE

1) A sacanagem é roxa

Hoje um sujeito entrou numa universidade dos States, deu uns tiros, matou meio mundo e amanhã você vai (felizmente) esquecer da crise aérea. A notícia ruim é que a catástrofe de hoje vai pautar os jornais até que um novo evento deste porte ocorra. Ossos do orifício.

Lembro quando mataram o menino João Hélio. A direita se manifestou dando porrada na esquerda. Colunistas, blogueiros, jornalistas e jornaleiros, todos, até as capivaras de direita baixaram o cacete na esquerda. Motivo: o raciocínio que, segundo eles, é tipicamente esquerdista, que é compreender o assassinato dessa criança como um problema social.

Primeiro ponto, quem pensa deste modo é, de fato, uma anta inenarrável. Problema social é ser assaltado na Praça da Sé por um menino com uma faquinha de manteiga. Arrastar uma criança até a morte é delinqüência, e delinqüentes temos no Brasil, nos States, na Escandinávia, no Japão ou em qualquer outro lugar que exista polegares opositores e telencéfalos altamente desenvolvidos.

Eu disse faquinha de manteiga e repito: hoje em dia temos tanta razão em ter medo que uma criança pode assaltar você usando apenas um artefato deste tipo. Explico: na hora você vai titubear. Ele tem uma faquinha de manteiga, mas vai que tira do bolso uma bazuca dos Changeman... É melhor entregar a carteira logo de uma vez. Portanto, assalta-se ao se aproveitar do medo acumulado da violência que todos temos.

Porém, ao mesmo tempo, eu pergunto: quantas pessoas foram até a mídia dizer que o assassinato de João Hélio é um problema social, um problema advindo da omissão da classe média e afins? Muito poucas.

O que ocorreu em Virgínia hoje deve ter enfoque parecido naqueles jornalões dos States que estão mais à direita que a Nova Zelândia no mapa-mundi. Explico: sempre vai ter gente aproveitando o gancho para achar que isso é coisa de alguma preto muçulmano e bicha que tentou se vingar dos WASP felizes ("e ainda tinha gente que era contra a guerra no Iraque"). Foi assim com o atentado de Oklahoma, por exemplo.

Ou, como diria Roberto Baggio para si mesmo durante a decisão por pênaltis na final da Copa de 94: "O pior cego é aquele que não consegue enxergar". A lamentar.

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2) Tem gente que não bebe e está morrendo

Morreu a nadadora brasileira Maria Lenk, a primeira mulher sul-americana a participar dos Jogos Olímpicos (em Berlim, 1936). Nadava ela na piscina do Flamengo nesta manhã quando passou mal, o que a obrigou, a partir de hoje, a nadar nas águas da quarta dimensão.

Aí eu pergunto: quantas pessoas você conhece que morreram no bar? Não lembro de nenhuma. Aí a mulher vai dar suas braçadas matinais e passa mal (ela tinha 92 anos, é claro, mas isso não importa). É por isso que eu não pratico esportes, só bebo. Quem pratica esportes não imagina o risco que está correndo.

domingo, 8 de abril de 2007

OS MISERÁVEIS


Victor Hugo, o pai da criança, em pose de enxaqueca

Nada mais agressivo e arrogante do que um sujeito cético. Quando as coisas não dão certo, quando aqueles planos imaginados durante muito tempo vão pelo ralo, sempre aparece um que te assistia da arquibancada, com um sorriso amarelo, a levantar a plaqueta do "Eu já sabia". De um sujeito que é cético por natureza não se espera absolutamente nada além do ceticismo (e, por conseqüência, da frustração). Ele não constrói, apenas critica - com ou sem razão, tanto faz - quem tenta construir. E, quando não dá certo, ele vem soprar na tua orelha a arrogância absoluta do "Eu avisei".

Nunca li Nietzsche. Li sim, uma vez, um livro que explicava Nietzsche. Como não tenho a pretensão de me mostrar mais culto do que o real - isto aqui é apenas um blogue -, podem me corrigir se estiver errado: Nietzsche é de uma amargura inenarrável. Negava absolutamente tudo. O homem, para ele, era um mané em potencial. Nietzsche, Deus existe? "Morreu". Nietzsche, e o ser humano? "Um fracassado". Nietzsche, e a mulher do Wagner? "Uma vadia". Nietzsche, e o Curíntia? "Não tem estádio".

Imagino o menino Nietzsche ganhando um Ferrorama de Natal. Antes da mãe botar o peru na mesa, o rapazote já juntou os trilhos rumo ao abismo atrás do sofá. Quando a máquina se esfacela no chão, Friedrich acaricia o buço já volumoso e ri de própria miséria. É isso: uma máquina (foda-se a cacofonia) de Ferrorama aos pedaços atrás do sofá é um retrato de toda a teoria filosófica de Nietzsche (sou exagerado, nunca disse o contrário).

Digo isso porque acabo de reler Os Miseráveis. Nietzsche é o anti-Victor Hugo. O filósofo bigodudo transforma todos os sentimentos humanos em esterco, os bons e os ruins. O romancista francês vai amiúde entre os mais pobres, os rudes, os marginalizados e tira deles as mais sensíveis atitudes do bicho homem. É isso que eu queria dizer: Os Miseráveis é o que de melhor pode existir entre todos os sentimentos humanos. O pior dos homens guarda consigo a melhor das sensações, apenas não sabe como usá-los, porque a vida assim não permite. É o que faz de Os Miseráveis uma obra tão empolgante, tão cheia de vida e, por conseguinte, tão inesquecível: ela põe fé nas virtudes do ser humano em contraponto de suas fraquezas. Logo, acredita nele.

(alguém pode reclamar que estou colocando um filósofo e um romancista no mesmo barco, o que pode gerar distorções. E estou mesmo, uma vez que o que interessa aqui são os sentimentos humanos, e não a origem de onde elas são debatidas, seja no romance, na filosofia ou em qualquer outra área)

É aí que está a grande lição de Jean Veljean, o protagonista do livro. Eis o princípio do enredo: condenado a cinco anos nas galés (um sinônimo glamouroso de prisão) por roubar um pão quando faminto, Jean Valjean acaba preso por 19 anos, acumulados pelas várias tentativas de fuga. Ao sair, todos o repelem por ser ele um um ex-presidiário. É então que um padre bondoso o acolhe por uma noite. Asfixiado pelos calos das galés, João Valjean rouba os talheres de prata da casa de seu hospedeiro. Quando pego pela polícia, Valjean é levado até a casa deste mesmo padre, que diz aos policiais que a prataria não foi roubada, e sim que dera a ele. Quando soltam Jean Valjean, a lição do padre muda completamente sua vida e o transforma em um sujeito que leva ao extremo sua bondade e suas virtudes.

A hombridade talvez seja a maior das virtudes, porque dela vêm naturalmente muitas outras. Veja bem, quando falo de hombridade, não estou falando de chegar no bar, virar um litro de uísque e dar cadeirada em todo mundo. Não. Falo da macheza que independe do sexo da pessoa: aquele sentimento de se fazer a coisa correta na hora correta, por mais dolorosa que seja, e criar, cultivar e lutar por seus princípios. No fundo, é isso que fica. É o exemplo de Jean Valjean. É o que todos deveríamos seguir.

Sim, Os Miseráveis é um livro infanto-juvenil e contém todos os exageros e cacoetes que um herói pode proporcionar. Mas nada disso anula o âmago da questão: enquanto, por exemplo, Nietzsche rugia com os intestinos, Victor Hugo escrevia com o coração - e pode rir deste clichê. Que me perdoem os céticos e os patrulheiros da cultura excessiva, mas Os Miseráveis é um dos dez grandes livros que li na vida. Victor Hugo bem valheria um aperto de mão.

domingo, 1 de abril de 2007

OSSOS DO ORIFÍCIO

Domingo à tarde. TV ligada, Sbesteira insistindo no Domingo Legal. Na tela, videos caseiros de gente querendo ser famosa. Eis quando se apresenta uma morena de Porto Alegre:

- Oláááááá, meu nome é Fulana*, sou modelo, faço jornalismo, teatro e A-DO-ROOOOOO jantar.

Procurado por nossa reportagem, o jantar não quis prestar declaração.


*não gravei o nome da dita cuja, lamentavelmente.