domingo, 30 de julho de 2006

OS DEDOS DA GALHOFA E AS TECLAS DA MELANCOLIA

Tudo passa. Até uva passa, já diria Schopenhauer. Menos a onda de calor no inverno, a de frio no verão e a de furacões onde antes só havia uma chuvinha assim-assim. Parece que os planos para minha aposentadoria - viver em Ubatuba com um chapéu Panamá, dois cachorros e um monte de livros pra ler na praia - vai por água abaixo. Literalmente: com o derretimento das calotas polares, Ubatuba deve ficar a ver peixinhos, e terei que rever minha meta por alguns quilômetros, já que em 30 anos as ondas chegarão até São Bernardo. O lado positivo é que as mais altas chaminés de Cubatão podem servir como farol turístico. Imagino o Netinho cantando Milla ("Mil e uma noites no farol com você" - um poeta esse moço) na inauguração oficial do farol. Fica aí a sugestão. 

Mas não me aperreio mais com essas coisas. Procuro relaxar espancando umas criancinhas, estuprando umas velhinhas, superfaturando umas ambulâncias, essas coisas. Pena que não tenho nenhum vizinho libanês pra explodir uns misseizinhos. Porque, como diriam os israelenses, é explodindo a casa que se elimina a toupeira que morde as flores do quintal. 

Mas não é por falta de desgraça em casa que vamos falar das agruras alheias. Tentam me convencer a votar novamente no sapo barbudo, sendo que já o beijei uma vez há quatro anos e ele não virou príncipe. Logo eu que passei uma semana rouco após a vitória dele. A esperança ficou com medo. Eu também. Mas quem gosta de tucano é zoológico e o mercado financeiro, de modo que para votar precisarei do auxílio de Fábio Puentes, o mágico que faz uma pessoa comer uma cebola achando que é chocolate. 

Aí você pega seu sobrinho de cinco meses no colo, o aperta forte enquanto ele sorri, sem imaginar o tamanho da encrenca em que está se metendo. É quando você moralmente entra em posição fetal, perguntando pela Pangéia que não existe mais. E então olha pra ele, pedindo desculpas pelos deslizes da humanidade por motivos que jamais vou conseguir explicar. 

Este blogue pára por duas semanas, talvez um mês.

quinta-feira, 20 de julho de 2006

O CASO VON RICHTHOFEN: TODA A MALEMOLÊNCIA DO TRIBUNAL BRASILEIRO

Não fosse pela trágica morte de duas pessoas e o julgamento do ano que ocorre no Tribunal da Barra Funda seria a ópera bufa da década. Atolei o focinho no assunto nos últimos três dias até altas horas da noite, e provavelmente assim continuarei por mais dois dias por motivos profissionais. Tive o cuidado de separar os melhores momentos: 

Personagens: Suzane von Richthofen (mandante do crime), Daniel e Cristian Cravinhos (irmãos, o primeiro era o namorado da mandante. Ambos são os executores). 


DIA 1: O SOBRENATURAL DÁ AS CARAS NO PLENÁRIO 

- 'Suzane fumava cigarro de cravo e ouvia Bob Marley antes do crime', diz Cristian (20:27) 

- Suzane relata a perda da virgindade com Daniel: "Ele estava todo sujo de ovo", diz (20:48) 

- Sobre o depoimento de Suzane: "Havia certas coisas que Daniel só falava para Suzane quando esta se encontrava chapada pelo uso de drogas. Dizia ele que tinha um amigo da favela perto da casa dele, chamado Negão. O namorado dela dizia que ele e Negão formavam uma grande dupla do tráfico de drogas e que juntos já tinham conseguido juntar 15 milhões de reais. Este dinheiro se encontrava em um bueiro perto da entrada da favela. Mas eis que Negão morre em um confronto entre traficantes. Desde então, sempre segundo Suzane, Daniel dizia que o espírito de Negão aparecia para ele". (22:04) 


DIA 2: "A SENHORA JÁ FOI CHAMADA DE FOFOQUEIRA?" 

- Suzane e Daniel se agarravam na delegacia após o crime', diz delegada (16:10) 

- Juiz paga mico durante passagem de fotos em slides: "O aparelho é novo e ninguém sabe mexer direito", diz (19:41) 

- 'Você está falando comigo, sua velha? Te odeio!', dizia Suzane para a mãe, segundo testemunha. Advogado de defesa rebate: "A senhora já foi chamada de fofoqueira?", pergunta à testemunha (21:05) 


DIA 3: "HOJE VOU COMER UM RAVIÓLI" 

- Três moças estudantes de direito que assistem ao julgamento concluem, em conjunto: "Andreas é uma gracinha" (Andréas von Richthofen é filho das vítimas e irmão da ré) (11:00) 

- Após 20 horas digitando, estenotipista entrega os pontos e pede substituição (14:25) 

- Mãe dos irmãos Cravinhos faz depoimento emocionante; advogado de Suzane tira uma soneca com as mãos na barriga (15:37) 

- Gripado, advogado de Suzane não consegue desligar o microfone e obriga todo o tribunal a ouví-lo tossir durante o julgamento (17:45) 

- Amiga de Suzane depõe enquanto página de scraps de seu Orkut bomba com mansagens ofensivas (18:29) 

- Astrogildo Cravinhos, pai dos dois réus, vê a lanchonete lotada e declara: "Hoje eu vou comer um ravióli". (18:58) 

- "Para aumentar a audiência, o Datena quase me explodiu", diz testemunha de defesa de Suzane (20:45) 

- "A Suzane não mente" diz agente penitenciária que cuida da ré (21:14) 

- Suzane abre um sorrisão ao fim do terceiro dia de julgamento (21:35)

Retirado da Abril.com

segunda-feira, 17 de julho de 2006

DELAY

Peguei o primeiro livro para ler na vida aos nove anos de idade, tenho certeza. A professora obrigou cada um da classe a tirar um da biblioteca da escola. O nome do meu escolhido era Sem Destino, que me saltou aos olhos pelo nome chamativo de seu autor: Ganymédes José. 

Dos dez primeiros livros que li, provavelmente uma meia dúzia eram desse sujeito de nome estranho e foto com um bigodão anos 80. Já não lembro de quase nada deles, só que os livros dele eram maioria entre os poucos que li à época. A História do Galo Marquês é o único cujo parte do enredo ainda me salta à memória: um sítio onde um galo carismático era feito de almoço pela cozinheira em dia festa, causando espanto nas crianças do local. Talvez o enredo não seja tão nefasto assim e seja eu que lembro dele desse jeito, provando que tenho muito adubo na cabeça - não no sentido de fertilidade, no de estrume mesmo. 

Dia desse lembrei do Ganymédes por acaso, ao divagar sobre o Sem Destino, o filme, tradução de Easy Rider. Uma coisa levou à outra, ao livro da biblioteca da escola de 16 anos atrás de mesmo nome. Resolvi dar um Google no Ganymédes José. Quem sabe não rolaria uma visita, uma entrevista, um "por onde anda"? 

Seus livros ainda estão à venda. Mas achei em um site, escondido num texto de um amigo dele, a informação de que Ganymédes José morreu há 16 anos. Exatamente em 1990, ano em que li um livro pela primeira vez, um livro dele. 

Pior que chatear-se com coisas normalmente tão figurativas é ficar chateado com 16 anos de atraso. 

Segue o jogo.

quarta-feira, 12 de julho de 2006

SAUDADES DOS TEMPOS DO ANALFABETISMO

Há mais coisas entre uma revista e seu leitor do que sonha o nosso vão Roberto Civita, já diria o jornaleiro ao seu freguês de 14 anos, de mãos peludas e espinhas na cara, que porventura comprasse uma revista de mulher pelada. Pois bem naquele cantinho entre o fígado e a alma me cai a ficha de que quase não existem mais revistas que dão prazer ao leitor pela qualidade do assunto e da escrita. O que vende é o que nas redações convencionou-se chamar de "prestar um serviço ao leitor", que é uma maneira pomposa de rotular a má e velha auto-ajuda. 

Mas é claro que é isso, eu já sabia disso, já me diziam na faculdade. Mas só hoje, a andar pela Rua das Palmeiras e dar de cara com um pôster da Mensrelfe, - espécie de Nova Cosmopolitan para homens gordos e tarados - é que tive o insight, que pude enxergar o panorama da tristeza em toda a sua amplitude. 

Eu já sabia que a Nova prega existir visando a mulher fatal que gosta do prazer e do seu corpo, mas na verdade é lida somente por balzacas taradas com problemas na balança que tentam agarrar em definitivo o novo namorado - o de número 28 neste semestre - pela putaria desenfreada (abre aspas: se a minha mãe lesse o que acabei de escrever, diria: "Esse mal educado não foi o menino que criei". Fecha aspas). Também sabia que a Playboy é comprada somente por adolescentes que levam a revista ao banheiro com o claro, único e solitário objetivo de descabelar o palhaço. Até aí, sem novidades. 

Mas a primeira vez que vi um pôster dessa Mensrelfe, uma espécie de VIP marombada, pensei que ela não duraria dois meses. Só quem comprou o AB Shaper e fãs do Tony Little iriam comprá-la, o que corresponderia a umas cinco ou seis pessoas isoladas em vestiários sujos de academias. Acertei no varejo, errei no atacado: de fato, só marombados estúpidos querem ler a Mensrelfe, mas cerca de 56 mil pessoas o fizeram no último mês. E o número aumenta. 

Vai ver quem não deu certo fui eu. Como diria Nietzsche: "a minha parte eu quero em pinga". 

Pede perdão 
Pela duração 
Desta temporada 
Mas não diga nada 
Que me viu chorando 
E pros da pesada 
Diz que eu vou levando

terça-feira, 4 de julho de 2006

A VERDADE ESTÁ LÁ FORA (NA CAIXA DE CORREIO)

Sonhei que minhas contas da Eletropaulo começaram a chegar em casa com todos os meus exames de sangue e outros do gênero devidamente comentados com as melhorias que eu deveria fazer na minha saúde. Era um verdadeiro relatório produzido e assinado por, pasmem, Dom Paulo Evaristo Arns e assessores da Igreja. Comecei a conversar com os vizinhos, que me confirmaram assustados que também estavam recebendo as contas de luz anexadas aos exames médicos que recentemente tinham feito, mas que jamais haviam saído de casa, como os meus. No entanto, estávamos todos recebendo nossos exames de volta comentados via correio. 

Procurei me informar a respeito e descobri à boca pequena que Dom Paulo era o mentor de uma sociedade secreta que seqüestrava exames clínicos das casas das pessoas em um esquema que envolvia os correios, com o objetivo de ajudá-las a cuidar da saúde e, conseqüentemente, viver melhor. Assim as estatísticas da ONU sobre a expectativa de vida no Brasil alcançariam melhor conceito, o que traria dividendos políticos para Dom Paulo junto ao Vaticano. 

O mais interessante é que a sociedade era secreta, mas todos os exames que chegavam no correio eram assinados por Dom Paulo e asseclas. No sonho, a imprensa não comentava o assunto porque, sendo aquela uma sociedade secreta, ela nada sabia e não tinha como apurar, apesar de grande parte da população paulistana estar recebendo as contas da Eletropaulo com um plus a mais. Prova de que até o meu inconsciente compreende a imprensa brasileira como detentora de uma estupidez sem par nessas matas.