quarta-feira, 21 de março de 2007

A MORFOLOGIA DA SINTAXE ENQUANTO GÊNERO GRAMATICAL E OUTRAS PATAQUADAS DO LÉXICO NESTE BLOGUE

Foi ao escrever o texto (teoricamente) jornalístico que escrevo toda semana que, ao final, uma sobrancelha minha se ergueu, calhando de me coçar a testa. Tal peculiaridade física é, no meu caso, sinônimo de estupefação. O assunto era bom, a causa era boa, mas o artigo ficou com cara de velhinha fazendo feira ao meio-dia, sob um sol saariano: ô dó. Faltaram duas coisas: tesão e vírgulas. Horror inenarrável.

Ocorreu-me então que tenho verdadeira comoção por vírgulas. Meu blogue por um aposto. Posso até escrever uma frase que, no fundo, ficaria mais fácil de ser lida caso não tivesse tantas vírgulas, mas, como de praxe, recheio-na com esses pontinhos que, intencionalmente ou não, dão a ela um ar aristocrático (e que, nesta frase que você acabou de ler, e que ainda está lendo, remete a uma crise de soluços, tamanha a quantidade de interrupções). Nada tão britânico quanto uma frase cheia de vírgulas, desde que, é claro, é sempre bom lembrar, as vírgulas sejam usadas com parcimônia, o que não é o caso deste parágrafo, conforme você pode perceber.

Minha adoração por vírgulas só tem paralelo ao estupor que me causa um travessãozinho matreiro ao fim de uma frase - mais ou menos como estou fazendo agora, só pra exemplificar. Esse travessão corresponde a um gesto involuntário que cometo em diálogos ao vivo e a cores: pego no braço do interlocutor quando quero acrescentar uma informação, ou então negar o que acabei de falar - e esta pegação é meramente sintática, não costuma ter conotação sequessual. Quase todos os posts deste blogue contêm estes travessões encerrando as frases - e o post abaixo deste é uma exceção.

Outra fator gramatical que, percebo, é abusado por mim, são os dois pontos para acrescentar uma informação: exatamente como estou fazendo agora. É batata: fucei a rodo neste blogue e não encontrei um mísero post que não contasse com informações colocadas após um intróito quase sempre inútil seguido por dois pontos. Este é o defeito que mais empaca texto, na minha modesta opinião: se você usar duas vezes os dois pontos muito próximos, em uma ou mais frases seqüenciais, tem-se uma quebra de ritmo brochante.

O fato é que, voltando ao primeiro parágrafo, faltou ao tal artigo o tesão e as vírgulas. Então percebi que ultimamente tenho que escrever cada vez mais rápido. As vírgulas são inimigas da velocidade. São como aquelas cabras que invadem as estradas de montanha e não deixam a gente passar, nos obrigando a fazer uma pausa pra curtir um outro ritmo, o ritmo delas. E quando você não tem tempo de curtir este ritmo? Passa por cima das cabras, é claro. Isso explica o meu desapego momentâneo às vírgulas.

Organizei então uma assembléia dos neurônios que cuidam do meu léxico. Em votação unânime, pediram a volta da pausa para respiração, da pausa para a reflexão e, conseqüentemente, da volta da utilização de vírgulas com parcimônia, como nos velhos tempos. É a esquerda cerebral, que ameaça com greve de sinapses caso as exigências não sejam cumpridas.

Porém, há o movimento oposto, o dos neurônios pragmáticos, que cuidam de outras funções e cuja facção no momento tem o poder. É como um neoliberalismo mental. Esta corrente pragmática é a mesma que me obriga a almoçar em dez minutos, a acelerar mais do que devia na 23 de maio, e não ir ao bar durante a semana para conseguir acordar no horário e, sobretudo, a fazer-me utilizar exclamações muito mais do que gostaria.

É melhor explicar. Odeio exclamações. Os pontos de exclamação são como cheerleaders de colégio americano no âmbito gramatical. Uma exclamação ao fim de uma frase é um pom-pom levantado, mãozinhas acenando, gritos histéricos para a arquibancada. Nada menos elegante do que pontos de exclamação. No entanto, a cada conversa minha por messenger, eis que me pego cada vez mais usando pontos de exclamação. O ponto exclamativo é o legado de nossa miséria gramatical, é a consagração do "blz" no lugar do antigo "beleza", ou a utilização do "flw" em vez do simpático e demodé "falou". Um "flw!!!!!!" como despedida no messenger dói mais que uma traulitada nos cornos.

O impasse prossegue. Mas, como diria Frank Sinatra para Tom Jobim momentos antes daquele famoso show em Nova Iorque nos anos 60: "Vai que vai".

----------------------

O assassino era o escriba

Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente.
Um pleonasmo, o principal predicado de sua vida,
regular como um paradigma da 1ª conjunção.
Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,
ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito
assindético de nos torturar com um aposto.
Casou com uma regência.
Foi infeliz.
Era possessivo como um pronome.
E ela era bitransitiva.
Tentou ir para os EUA.
Não deu.
Acharam um artigo indefinido na sua bagagem.
A interjeição do bigode declinava partículas expletivas,
conectivos e agentes da passiva o tempo todo.
Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.

Paulo Leminski

segunda-feira, 19 de março de 2007

TUDO O QUE VOCÊ NÃO QUERIA SABER SOBRE O CINEMA EM 2006


Tom Hanks, o pior cabelo do cinema dos últimos tempos

Ano passado desenvolvi o hábito de guardar o ingresso do cinema para, em dezembro, dar neste blogue um palpite xulo, rasteiro, estúpido mesmo, sobre cada filme assistido.

Já escrevi muito sobre filmes. Em quase todas as vezes, posteriormente, concluí que as abobrinhas me possuem quando falo - ui - da sétima arte. Aliás, sobre as outras seis também. Como não diria Roberto Justus: o importante é participar.

Escrevo estas linhas ao chegar do cinema nesta chuvosa noite de domingo. Abri a gaveta que sempre jogo os bilhetes e me perguntei: "Mas pra quê guardo essas tranqueiras mesmo?". Então me veio o estalo de que já passou da hora de postar os palpites.

É necessário ressaltar que há verdadeiras tranqueiras nesta lista (não dá pra ser muito criterioso ao escolher sessão de cinema em Jundiaí, por exemplo). O critério de avaliação são as azeitonas, copiado escandalosamente do falecido e-zine FEZE, que percorreu os e-mais da Cásper Líbero no início da década.

COTAÇÃO:

Cinco azeitonas - Sensacional, provavelmente com mulher pelada no meio e muito palavrão
Quatro azeitonas - Quase tão bom quanto Cine Privê
Três azeitonas - Vale o ingresso
Duas azeitonas - É melhor ler toda a Escola de Frankfurt no original
Uma azeitona - Se alugar, você é um imbecil


Eis os 21 filmes que vi em 2006 na tela grande:


MUNIQUE - Judeus e turcos são nomes diferentes de uma mesma raça que habita uma mesma ilha, o Oriente Médio. Sensacional, mas só eu gostei. Quatro azeitonas.

MEMÓRIAS DE UMA GUEIXA - A Televisa faria melhor. Era só substituir Kyoto por Acapulco, e a japa pela Thalia. Uma azeitona.

BOA NOITE E BOA SORTE - Jornalismo é legal e bem feito só no cinema. Quatro azeitonas por lembrar porque prestamos isso no vestibular.

SYRIANA - A conquista do petróleo supre a pequeninez peniana. Quatro azeitonas.

JOHNNY E JUNE - Roqueiro que, na decadência, fica chapadão e briga com a mulher. Mas tem algum que não é assim? Duas azeitonas.

CAPOTE - O filme é melhor que o personagem. O ator principal também. Três azeitonas.

O SENHOR DAS ARMAS - O revólver, assim como o petróleo de Syriana, compensa o pau pequeno. Quatro azeitonas.

O SOL DE CADA MANHÃ - O americano típico é um imbecil e de vez em quando os States assumem isso. Vale também pelo Michael Kane. Três azeitonas.

A ERA DO GELO 2 - Juro que não lembro. Só lembro que era pior que o primeiro. Duas azeitonas, de consolação.

BOLEIROS 2 - Todos os clichês do futebol. Chato. Uma azeitona.

INSTINTO SELVAGEM 2 - Não vi o primeiro. Não quero ver depois de assistir o segundo. Uma azeitona.

O CÓDIGO DA VINCI - Tão ruim quanto o cabelo do Tom Hanks no filme. Que roubada ele foi se meter. Duas azeitonas.

ZUZU ANGEL - Patrícia Pillar quase convence. Valeu o ingresso. Três azeitonas.

ARAGUAIA - CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO - Também valeu o ingresso. O destaque negativo ficou por conta do casal que se estuprou ao meu lado. Três azeitonas.

XEQUE-MATE - Descompromissado e divertido (que comentário mais Guia da Folha. A lamentar). Três azeitonas.

DÁLIA NEGRA - Recordação dos filme noir. Detalhe importante: os personagens transam após beijos de três segundos, no máximo. A ser estudado. Menos bom do que o filme acredita ser. Três azeitonas.

O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS - Pra entender porque o futebol pode ser tão legal, mesmo quando futebol não é o assunto. Um dos grandes filmes brasileiros de todos os tempos. Cinco azeitonas.

OS INFILTRADOS - Qualquer coisa depois de O aviador ficaria bom. Mas é acima da média. Quatro azeitonas.

PEQUENA MISS SUNSHINE - Rir e chorar ao mesmo tempo. O grande filme dos States no ano. Cinco azeitonas.

007 - CASSINO ROYALE - A fina flor da nata do supra-sumo da essência da merda. O Costinha seria melhor James Bond que Daniel Craig. Uma azeitona.

quarta-feira, 14 de março de 2007

2º CASAMENTO É UMA PRAGA, DIZ PAPA

Concordo. E digo mais: o primeiro também. Ou como diria Nataniel Jebão: "Sou a favor do casamento. Eu e minha primeira esposa fomos felizes por 20 anos até sermos apresentados".

quarta-feira, 7 de março de 2007

CAPÍTULO DAS ILUSÕES GANHADAS, EMPATADAS E PERDIDAS

Vou começar falando de futebol, mas não é do futebol que eu queria falar.

Dia desses, li uma entrevista de um ex-jogador de futebol alemão. Não lembro quem, sinceramente. Era um famoso. Pra você que entende de futebol tanto quanto de cozinha albanesa, coloco o adendo: já disse o Jô Soares (uma das poucas frases sábias dele) que a Alemanha nunca jogou futebol. Eles jogam uma coisa parecida com o futebol, muito mais feia mas que, no final, dá sempre certo. E lá ficam aqueles olhos azuis, com a taça erguida, rindo da gente.

Os alemães e seus canhões são três vezes campeões mundiais, e, ao se comparar uma partida da Copa de 1954 com outra da Copa de 1990 (duas das três em que venceram), você vai notar que mudam os nomes dos jogadores, muda-se o preto-e-branco para o colorido, mas o incrédulo jeito germânico de jogar bola está lá, a mesma correria, as mesmas jogadas, 36 anos depois.

Disse esse ex-jogador que o grande diferencial alemão estava no coletivo, dentro e fora de campo. A partir dos anos 90, a Alemanha não ganhou mais nada. O motivo, explica esse ex-jogador (ainda vou lembrar o nome dele), é que a força alemã estava no coletivo. Mas o negócio, o business, mudou o futebol, tornou-o uma experiência muito mais individual para o jogador. Não vou dizer que mudou para pior, pois há coisas que melhoraram com isso. Mas certamente o romantismo, tão caro ao esporte, já morreu faz tempo.

Lá vem um tucano ali no fundo erguer o indicador a me acusar de nostalgia da esquerda que se perdeu com a invenção do anti-mofo. Não, ignaro. Explico com uma pergunta: a coletividade entrou em decadência. Mas e o indivíduo, não?

Comecei falando de futebol alemão, mas queria falar mesmo é da política francesa - e me perdoem pelas sinapses esquisitas. As eleições que ocorrerão em abril contrapõem a "socialista" Ségolène Royal e o centro-direitista Nicolas Sarkozy. Ela tem cara de rato morto. Ele, de lagosta morta. A pergunta que ecoa é: cadê o político francês, aquele que ensinou o mundo a fazer política? Cadê o De Gaulle? Cadê o sujeito que vai subir em um Citroën Deux Chevaux bradando algo que remeta, mesmo que de longe, àquela história da bandeira de três cores e tudo aquilo que a gente aprendeu lendo, ouvindo e se encantando desde Os Miseráveis? Séculos de filosofia acabaram num Segô versus Sarkô com um Le Pen correndo por fora?

A política, como o futebol - e como o leite - se pasteurizou. Pergunte para a Segô ou ao Sarkô qual a cor do cavalo branco de Napoleão que você terá, três semanas depois, uma vaga resposta através da secretária deles de número 5 - e, pode apostar, esta resposta virá por e-mail, cuja mensagem terá em seu cabeçalho: "Obigado por entrar em contato com nossa equipe".

É o jeito moderno, é o jeito Tony Blair de fazer política. Faça uma cara limpinha, faça um joinha para as câmeras, use sua Montblanc para assinar papéis. Mas aperte-lhe as partes pudentas com veemência pedindo, for God sake, um mísero conteudinho que seja. Não sai nada. Choca o fato de que o grande líder carismático dos últimos tempos seja o Bill Clinton, o sujeito cujo maior legado foi deixar uma mancha de virilidade no vestido da estagiária.

Mas não é só na política que nos faltam os grandes personagens. Bons nomes hoje existem na música, na literatura. Nomes fundamentais cada vez menos. E é comum entre os bons de hoje a desilusão com o porvir, a catatonia do "não há nada a fazer", ou então a masturbação do passado que remete a um presente que prometia futuros melhores.

Talvez o que eu esteja dizendo não passe um amontoado de clichês, mas já não importa. Os grandes homens vão deixando de existir por mera falta de exemplos. Não há o Jean Valjean de amanhã; procure o Fausto Wolff de 15 anos que você não vai achar. O Chico Buarque que (perdão pelo cacófato), apesar de você, achava que o amanhã seria outro dia mexe mais que o Chico atual, que apenas sonha que a neve gelava e que o fogo fervia.

Então, é ao olhar para a criançada do prédio, da rua ou mesmo da própria família, que, com o sorriso dos cínicos, você se pergunta se a desilusão deles será ainda maior que a sua, caso um dia disso se dêem conta. Afinal, com o derretimento da Groenlândia, são eles vão que pegar praia em Cubatão, só pra citar uma das conseqüências da vitória dos personagens medíocres que sempre deixam tudo como está.

Mas o provável é que digam simplesmente: "Mas a vida é assim mesmo". Vai saber quem serão os ídolos dessa gurizada. Como disse Ulysses Guimarães: "Quem cuida de coisas pequenas, acaba anão"*. Sabe-se lá quando a Terra vai ficar do tamanho de Mercúrio.

*frase reproduzida na CartaCapital desta semana, sem a qual talvez jamais conheceria a pérola.