quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

NOSSOS ÍDOLOS AINDA SÃO OS MESMOS, E AS APARÊNCIAS NÃO ENGANAM NÃO

Odair José é feio, mas já esteve na moda

Houve uma época em que até as músicas ruins eram boas, mas isso foi no tempo em que a camada de ozônio ainda existia. O hit do Largo da Batata de ontem muitas vezes guardava alguma sensibilidade musical, coisa que já não ocorre no mesmo de hoje em dia. Tirando alguns casos em que é possível rir para não chorar - como naquela música do Alexandre Pires que começa com a frase "Tô fazendo amor com outra pessoa" - a regra geral é, como diria Fausto Wolff, matar o cantor e chamar o garçom, tanto na letra quanto na música. Veja o Frank Aguiar, o sujeito que mais vende discos no Brasil, que, para disfarçar que esqueceu a letra, emenda um gritinho pra lá de esquisito, que lhe rendeu o apelido de "Cachorrão". Pois a classe média, que outrora se vangloriava de estar um nível cultural acima da plebe, hoje vê seus filhos ouvindo Inimigos da HP em sua Saveiro tunada na avenida principal da cidade no domingo de tarde.

Mas antigamente as empregadas domésticas ouviam Odair José. Eram os anos 70 e 80 e o Brasil assumia sua derrota vivendo sem medo de ser infeliz. As músicas de Odair José e congêneres falavam de paixão por putas, amores desastrados, dor de corno, sexo sujo, briga de bar, conhaque Palhinha e cachacinha em lata, enfim, do Brasil, esse país que o FHC não cita em suas conversas com seu amigo Bill Clinton.

São engraçadíssimas, mas, se ouvirmos com mais atenção e tentando entender o contexto, dá pra entender que elas tem lá sua profundidade, apesar do caráter aparentemente único grotesco. Gosto de ouvir duas do Odair José: Vou tirar você desse lugar, onde Odair - olha só a intimidade com o ídolo - relata a experiência de ir a um meretrício "só para me distrair", mas se apaixona perdidamente pela moça. Aí ele volta ao recinto para prometer uma vida digna a ela, e ambos organizam seus sonhos e compartilham suas frustrações em busca de um futuro melhor.

Outra música dele muito peculiar é a Revista Proibida. O sujeito compra "uma revista proibida, uma revista só para homens". E, provavelmente no banheiro, pronto para descabelar o palhaço, ele dá de cara com a ex-namorada nua na primeira página, o que o faz sentir saudades dela e descobrir o quanto ainda a ama. Agora perceba a sutileza do refrão:

Quando você foi embora, não quis me dizer
Vendo você na revista, eu consigo entender

Musicalmente, essas duas canções não devem muito aos Lionel Ritchie e Barry White da mesma época. Fossem cantadas em inglês, a classe média as engoliria com facilidade, e então seria comum ouvir Odair José na Alpha FM, Antena 1 e outras rádios que fazem sucesso nos elevadores por aí.

Mas, sinceramente, o maior legado desses músicos para nós, estrangeiros de classe média rodeada por um país de favelas, é saber que as pessoas desse mundo ao mesmo tempo perto e distante possuem mais coisas parecidas conosco do que gostaríamos de saber. É pra parar de achar que temos que tampar o nariz para entender a mulher que limpa o nosso banheiro às quintas-feiras, como se ela estivesse abaixo do nosso cachorro. Mude o contexto, mude o cenário, e eles estão ali, iguaizinhos a você, com os mesmos sentimentos. Ouvindo música brega, eu entendi. Mas, com o perdão do trocadilho com a música, vendo na revista Veja eu não consigo entender.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

O ETERNO RETORNO À IDENTIDADE NACIONAL


Com este post dou por encerrado o especial "Semana da pátria fora de época, ou como definir meu país em quatro fotos esdrúxulas". Sociologia do Ibotirama é isso aí.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006

VAGANDO E RUMINANDO POR ESTE VALE DE LÁGRIMAS

Wando, o obsceno: "A Ilustrada é fogo e paixão"
A pergunta que não quer calar é: se Justin Timberlake pode ser ator de Hollywood, por quê não Rafael Ilha? O ex-integrante de uma boi bande chamada N´Sync - Corizza, você que é fã, escrevi certo o nome? - é um desses tipos que desarrumam o cabelo para cima e passam gel, o que até há algum tempo era sinal de psicopatia. Mas não era do cabelo de J. T. que eu gostaria de falar, e sim de sua carreira cinematográfica. Pelo que pude apurar, ele tem três filmes no currículo, o que, se tratando de um cover dos New Kids, é coisa pacas.
O que me pegou entre o fígado e a alma foi este último, Edison - Poder e Corrupção. Não, não se trata de uma biografia do senador Edson Lobão, dono da metade do Maranhão que não é de José Sarney. No elenco, Kevin Spacey, Morgan Freeman e... Justin Timberlake. Um BMW, um Bentley e um Fuscão 78 com vidro bolha e pneu de tala larga. A coisa vai piorando, aguenta aí: o moço do cabelo em pé gelzado é o ator principal. Mas quando chove merda não garoa, e ele faz o papel de um jornalista/galã indignado que luta contra a falência moral do local. Praticamente um repórter da Veja.
Houve uma época em que galã de Hollywood tinha cara de galã mesmo, mas isso foi no tempo em que a camada de ozônio ainda existia. Jornalista e galã não tem muito a ver, mas jornalista e o J.T. tem menos ainda. Daí a pergunta: por que não Rafael Pilha para o papel? Dizem que ele engole qualquer coisa (acabo de ser inundado por um complexo de culpa após redigir esta frase). Engoliria até papel de jornalista da Circo-Escola Cásper Líbero ou repórter da Ilustrada de meses atrás.
Ah, a Ilustrada de meses atrás. Rafael Pilha se daria muito vem por lá, pois ambos sofrem do mesmo complexo de avestruz, que é engolir qualquer coisa, de pilha a João Gordo. Mas o que me dava orgulho mesmo na Ilustrada era a predileção pelo exótico, pelo "não conheço", pela banda de garagem do magricelo perdedor e drogado daquele colégio daquela vila industrial da Nova Zelândia.
Mas eis que as coisas andaram mudando e o gosto pelo exótico está meio em baixa na Ilustrada, o que faz dela, ao menos, legível. Outro dia havia até uma entrevista com Monarco, da Velha Guarda da Portela, na página principal. Não sei quem é Monarco, mas certamente ele é mais relevante que um porra-louca depressivo do drumin´bass polonês que se matou há seis meses porque o namorado o traiu com um travesti numa rave no metrô de Londres. Pena que ninguém dá valor às novas iniciativas ilustradas. Impressionante como um sujeito que tá no morro do Rio de Janeiro há décadas fazendo música pode soar mais exótico que esses donzelões.
Posto o intróito cinematográfico e o final musical, encerro este jeitão com cheiro de dança do maxixe: um Rafael Pilha no meio com dois assuntos depressivos fazendo sanduíche.